• Nenhum resultado encontrado

Modelos baseados em variáveis clínicas e de quantificação do

No documento Isabel Soares I.pdf (páginas 177-181)

3.3 Modelos preditivos

4.2.5 Comparação com modelos desenvolvidos em doentes com AVC

4.2.5.2 Modelos baseados em variáveis clínicas e de quantificação do

Muitos dos estudos realizados em anos recentes sobre predição de resultado em AVC isquémico exploram a combinação de informação clínica colhida na fase aguda com a quantificação do volume do enfarte, medida por técnicas de imagem (TC ou RM por difusão). Em parte, pelo menos, este interesse em avaliar a capacidade preditiva independente duma medida quantitativa do volume da lesão tem a ver com necessidades da investigação clínica.48,216 Em modelos animais pré-clínicos, o volume do enfarte é utilizado como um marcador substituto para avaliar o efeito de terapêuticas neuroprotectoras.98,216 Os ensaios clínicos fase 3 utilizam, actualmente, como resultados primários, scores de escalas de actividades básicas de vida diária, incapacidade ou défice neurológico, medidos entre os três a seis meses após o AVC. Uma medida de resultado substituta que reflectisse com exactidão os resultados a longo prazo de AVC, e que pudesse ser avaliada numa fase precoce da recuperação do AVC, permitiria reduzir o tempo e os custos dos ensaios de AVC agudo.48

Johnston , com base na população altamente seleccionada de doentes do ensaio RANTTAS, desenvolveram vários modelos preditivos, combinando informação clínica, incluindo o score de NIHSS, com o volume da lesão ao fim duma semana, medido por TC.42,48,217 As medidas-resultado primárias foram avaliadas aos três meses, utilizando o

índice de Barthel e a “Gasgow Outcome Scale”.97 Numa primeira série de modelos, as variáveis independentes clínicas foram colhidas na fase aguda e o volume do enfarte foi medido ao fim de uma semana após o AVC.42 Neste estudo, os modelos combinando informação clínica e de imagem foram estatisticamente superiores aos modelos baseados apenas em informação clínica, embora a diferença tivesse duvidosa relevância clínica.42 Uma segunda série de modelos, desenvolvidos com a mesma metodologia dos anteriores, apenas com a diferença da informação clínica ter sido obtida ao mesmo tempo que a informação de imagem (uma semana após o AVC), não demonstrou valor preditivo adicional dos modelos combinando informação clínica e de imagem, em comparação com os modelos meramente clínicos.48 Estas duas séries de modelos puseram em evidência uma vez mais, como no presente estudo, a importância e consistência do NIHSS como preditor de resultado em AVC isquémico, tendo esta variável sido um preditor independente de resultado em todos os modelos desenvolvidos, mesmo nos que incluíam o volume da lesão como uma das variáveis independentes.42,48

Estes e outros estudos tornaram visíveis as limitações da TC como medida precoce de resultado em AVC isquémico.42,48,98 Vários factores atenuam a relação entre o volume do enfarte e o resultado clínico, alguns deles tendo a ver com limitações intrínsecas à técnica. Um factor importante é a localização da lesão, visto que uma lesão de pequeno volume numa localização crítica pode conduzir a resultados desvastadores. Exemplos de outras variáveis confundidoras são a idade, atrofia cerebral prévia ao AVC, enfartes cerebrais prévios, ocorrência variável de complicações médicas ou variação individual na capacidade de recuperação após um AVC.98 Contudo, duas características intrínsecas da técnica, em especial, limitam o seu uso na predição de resultado em AVC isquémico: um importante “floor effect”, implicando a ausência de enfarte visível na TC numa minoria substancial de doentes; e a inaptidão da TC para medir o volume do enfarte na fase aguda, quando a predição de resultado é mais necessária no caso de ensaios clínicos em AVC isquémico.90,98

Estas limitações da TC conduziram a uma concentração da atenção na RM (difusão), dado que esta técnica mostra as lesões isquémicas muito cedo após o início dos sintomas de AVC, podendo ser usada em modelos para predição precoce de resultado.89,90 Os estudos até agora realizados sobre o valor preditivo da informação fornecida pela RM (difusão) em AVC isquémico agudo têm dado resultados contraditórios.86-90 Thijs ,86

e para um resultado avaliado um mês após o AVC (IB < 85 versus ≥ 85), verificaram que o volume medido por RM (difusão) era um preditor independente de resultado, juntamente com a idade e o score de NIHSS. Baird ,87 num estudo retrospectivo, realizado com os dados duma população de 66 doentes com AVC da circulação anterior, em que o resultado foi medido através do índice de Barthel entre um e três meses após o AVC, desenvolveram uma “escala de três items” em que os preditores independentes de resultado foram o volume da lesão medido por RM (difusão), o tempo desde o início dos sintomas até à realização da RM e o score de NIHSS. Wardlaw ,88 num estudo realizado com uma população não seleccionada de 108 doentes internados consecutivamente por AVC isquémico agudo, em que a gravidade neurológica basal do AVC foi avaliada pela “Canadian Neurological Scale”, e o resultado aos seis meses avaliado pela escala de Rankin modificada, apenas descobriram como preditores independentes de resultado, a idade e a gravidade do AVC. Hand ,89 num estudo realizado, igualmente, numa população não seleccionada de 82 doentes consecutivamente internados por AVC isquémico, e avaliando o resultado aos três meses através da escala de Rankin modificada, encontraram como preditores independentes de resultado, do mesmo modo, apenas a idade e o score de NIHSS basal. Johnston ,90 num estudo combinando os doentes de vários ensaios clínicos (ensaios “Glycine Antagonist in Neuroprotection” e citicolina 010 e 018),101-104 num total de 382 doentes, e avaliando resultados extremos (excelente e desvastador) aos três meses, definidos pelo NIHSS, índice de Barthel e escala de Rankin modificada, verificaram que o volume do enfarte medido por RM (difusão) contribui de forma independente para o resultado, mas que a amplitude da contribuição é bastante pequena, sendo reduzida e, provavelmente, sem significado clínico, a diferença na exactidão preditiva entre modelos com e sem esta variável de imagem. Por outro lado, o NIHSS foi, como nos outros estudos, um preditor de resultado em todos os modelos.

Como já foi referido na Introdução, Hand ,89 ao comparar o seu estudo com estudos prévios,86,87,88 salientam os factos da gravidade do AVC ser maior nas populações dos estudos em que o volume por RM (difusão) foi um preditor independente de resultado e desses estudos não incluirem enfartes lacunares, sugerindo assim um efeito diferencial do volume por RM (difusão) na predição de resultado, conforme a gravidade dos AVCs da população em estudo. Já Adams 82 tinha demonstrado que a relação entre o NIHSS e o resultado era muito forte na parte média da escala, entre os scores 5 e 15, tornando-se

menos acentuada com scores mais elevados. Assim, em populações com AVCs ligeiros a moderados, a gravidade neurológica basal medida pelo NIHSS associar-se-á muito fortemente com o resultado, anulando a contribuição independente de outros factores; já o mesmo poderá não acontecer com AVCs mais graves.82 Contudo, pode haver outras explicações para a ausência de um impacto substancial do volume do enfarte medido por RM (difusão) sobre o resultado em AVC isquémico. Para além das variáveis confundidoras já referidas a propósito da TC, e do factor de localização do enfarte, existe a elevada correlação entre o NIHSS e o volume do enfarte, medido por TC ou RM, demonstrada por vários estudos.67,90 Tanto o volume do enfarte como o NIHSS, medem, de alguma forma, a gravidade do AVC, contudo, não são exactamente iguais, e, provavelmente, o NIHSS capta melhor os elementos relacionados com o resultado.48,90,216 De qualquer modo, o que os dados até agora existentes parecem indicar é que o poder preditivo do volume do enfarte medido por RM (difusão), a existir, é pequeno e consistentemente menos significativo do que a gravidade neurológica basal do AVC, sendo pouco provável que tenha qualquer relevância clínica em grupos não seleccionados de doentes com AVC isquémico.89,90,216 Para além disso, a utilidade de modelos com este tipo de variáveis no contexto clínico é afectada pela exigência duma abordagem padronizada, para a qual nem sempre existem as infraestruturas necessárias.90 Estes achados reforçam a importância dos modelos baseados em variáveis clínicas, como o modelo desenvolvido no presente estudo, em particular os modelos que utilizam a escala de NIHSS como medida da gravidade do AVC.

5 CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA O FUTURO

O AVC é um problema major de saúde pública, ocupando, a nível mundial, o segundo lugar como causa de morte. Presentemente, em Portugal, constitui, de igual modo, a segunda causa de morte, logo a seguir a cancro em geral. Embora a incidência e a mortalidade por AVC pareçam estar a declinar nos anos mais recentes, o AVC continua a ter um enorme “peso” nas sociedades e nos sistemas de saúde, para o que contribuem não só os valores destes indicadores epidemiológicos, mas também a incapacidade residual, de que é a principal causa na população adulta.

Os doentes idosos com AVC isquémico constituem, no momento presente, a maioria dos doentes com esta patologia e, com o aumento da esperança de vida, a sua contribuição para o conjunto total dos doentes com enfarte cerebral irá aumentar, na medida em que a incidência de AVC aumenta com o avanço da idade. Apesar disso, estes doentes têm sido muito menos estudados que os doentes mais jovens com AVC.

O presente estudo teve como objectivo principal descrever a contribuição do AVC para a passagem de um estado independente para um estado de dependência ou morte numa coorte de doentes idosos (idade igual ou superior a 70 anos) que sofreram o seu primeiro AVC isquémico ao longo da vida, e identificar os factores que determinam essa transição. Paralelamente foi feita uma descrição das características demográficas e sociais, dos factores de risco e das comorbilidades, da apresentação clínica e do resultado desta coorte de doentes idosos, estratificada em dois grupos de idade (70-79 anos versus ≥ 80 anos). Neste capítulo as conclusões em relação a cada um destes objectivos serão abordadas separadamente. As implicações para a prática clínica e para a investigação serão expostas em conjunto.

No documento Isabel Soares I.pdf (páginas 177-181)