• Nenhum resultado encontrado

Este capítulo constitui o núcleo central para a compreensão das trajectórias das mulheres toxicodependentes. Neste sentido desenvolvemos alguns aspectos históricos da

utilização de drogas pelas mulheres, realizamos um levantamento do conhecimento científico que tem como objecto de estudo a mulher toxicodependente e, finalmente, reflectimos sobre os significados que têm sido associados às trajectórias de consumo das mulheres, em particular nas áreas de "relacionamento com os homens", de "relação com os filhos" e de "relação com a actividade económica".

1. Do feminino das drogas ao estigma das mulheres toxicodependentes

No século XIX a prevalência do uso e abuso de drogas de homens e mulheres era, em termos comparativos, inversa aos dados epidemiológicos actuais68. Havia, então, uma

predominância de mulheres dependentes de opiáceos em relação ao número de homens (Keire, 1998; Aldrich, 1994; Young, 199469).

67 Bateson (1995, p.38).

68 Cf. referência a dados estatísticos na Introdução.

69 A revisão bibliográfica sobre o tema realizada por em Hser, Anglin e McGlothin (1987) e por

M. Aldrich (1994) em "Historical notes on women addicts", fazendo a ressalva de que as estatísticas à época não eram absolutamente seguras, reúne dados referentes à América do século XIX que permitem afirmar que o consumo das mulheres era generalizado e legal, apesar de mantido em segredo. O perfil da mulher dependente de drogas, passível de se delinear, correspondia à mulher de classe média/alta, branca e casada. Muito embora existisse, diz o autor, um número significativo de mulheres ligadas às profissões artísticas e às profissões médicas, de um modo geral o seu quotidiano era doméstico.

Distinguindo dois contextos de utilização, um de uso médico e outro de uso recreativo, constata-se que os seus protagonistas principais eram igualmente mulheres. O contexto de uso médico favorecia o "abuso" de opiáceos, ópio, láudano e morfina, e de preparações com esses mesmos componentes. A prescrição médica70 tinha como

objectivo o alívio de "maleitas" ditas femininas, como a dismenorreia, "os nervos" e, em geral, problemas relacionados com a fraqueza e sensibilidade "inerentes" à mulher (Keire, 1998; Prins, 1995; Aldrich, 1994; Coppel, 1986). O contexto recreativo, no qual se tinha introduzido, entretanto, a utilização de cocaína e haxixe, era frequentado também preponderantemente por mulheres, "senhoras de alta classe" que consumiam privadamente, mesmo quando em sítios públicos, por exemplo no recato do pub (Kane, 1883, cit. in Aldrich, 1994). Coppel (1986) refere-se às mulheres aristocratas, que tinham acesso às últimas novidades do mundo moderno, inclusive às drogas, como "morphinées": «Les femmes du monde se promènent dans les salons avec leurs petites seringues» (p.23).

A partir de diferentes significações do uso de drogas pelas mulheres, Coppel (1986) faz a distinção de dois tipos de mulheres, que representariam dois momentos importantes na "epidemia feminina" de utilização de drogas opiáceas. A mulher fatal e a mulher emancipada: a primeira, no fim do séc. XIX, que seduzia os homens no sentido do

70 As indicações de morfina hipodérmica em 1880 eram diversas, embora sempre associadas a

consumo de drogas de modo a anulá-los, simbolizava a modernidade decadente; a segunda, a partir dos anos 20, usava o modo de consumo dos homens como forma de reinvindicar a sua igualdade. Em qualquer dos casos, estaria em causa, diz a autora, a procura de mestria de si própria, através do comportamento de utilização de drogas.

M. Aldrich (1994) aponta, também, o ambiente restritivo da época, quanto ao papel da mulher na sociedade, como factor de compreensão da dependência de drogas pelas mulheres. As drogas constituíam para elas alternativas de prazer e escape toleradas, uma vez que "o álcool não lhes era próprio". Assim, algumas mulheres, "mulheres independentes e criativas", determinadas em definir a sua própria vida, procuravam desse modo demarcar-se dos constrangimentos de género.

Em algumas zonas da América a prevalência de mulheres toxicodependentes ter-se-á mantido até ao século XX (Courtwright, 1982, cit. in Aldrich, 1994), podendo dizer-se que até aos anos trinta havia, pelo menos, uma conotação feminina do uso das drogas (Keire, 1998; Young, 1994; Henderson e Boyd, 1992). Ou seja, a "dependência", "fraqueza" e "sofrimento", com as quais o "abuso" de drogas era conotado socialmente, eram concordantes com o papel esperado para a mulher.

No final do século XIX, na sequência das primeiras restrições legais, a equivalência do número de homens e mulheres dependentes prenunciou-se. Estas restrições ter-se-ão desenvolvido em função de preocupações emergentes na época71, relacionadas

sobretudo com a "perversão da moral sexual" e com a "degenerescência de classe": «innocent women could be seduced and led to prostitution through opiate and cocaine use» (Aldrich, 1994).

71 Surge, no entanto, também a preocupação com o uso generalizado de medicamentos, como o

láudano, nomeadamente em crianças. E esta questão, infant doping, que dá origem em Inglaterra, em 1868, à primeira lei de proibição de opiáceos no mundo ocidental (Berridge, 1987, cit. in Aldrich, 1994).

Paralelamente à visibilidade da dependência de opiáceos nas mulheres da alta sociedade, também as prostitutas contribuíram para a imagem de degeneração de classe e género. Têm, de facto, um papel importante na continuidade do uso de drogas no século XX, especialmente no período das grandes guerras. Elas usavam as drogas publicamente e introduziam os homens no seu uso. Numa época em que são definidos, de modo vincado, os papéis sociais correspondentes ao homem e à mulher, as prostitutas, e todos os protagonistas de uma subcultura ligada à boémia, como fairies e homossexuais, irão desempenhar um papel central na demonização das drogas, pois maculam as imagens tradicionais da média burguesia. Se as mulheres desafiavam as expectativas sociais pois não eram nem passivas, nem dependentes, nomeadamente no modo como faziam uso das drogas, os homens, por seu turno, destituíam-se da masculinidade dominante, contrariando a expectativa social do papel de homem autónomo e activo, quer porque usavam signifiers femininos (inclusive as drogas), quer porque, no caso do "chulos", se dispunham a viver "à custa" duma mulher.

M. Keire (1998) afirma que terá sido, especificamente, a conotação feminina das drogas, e a decorrente associação entre "abuso" de drogas e desmasculinização, que influenciou o reforço das leis proibicionistas. A revelação dum Outro desviante em relação aos papéis de género convencionais mobilizou a oposição consensual da sociedade contra as drogas e contribuiu para a primeira grande ilegalização das drogas72.

Com o constante reforço das leis anti-drogas, generalizadas à Europa após a segunda guerra73, o apelo ao uso assume maior relevo para aqueles que não se identificam com a

sociedade convencional: «Drugs continued to appeal to people disaffected with conventional society» (Keire, 1998, p. 19). O consumo de drogas outorga um modo de expressão, de alienação e de desafio às restrições da sociedade que vai para além do

72 Em 1914, nos E.U.A., o "Harrison Act" proibiu o uso de opiáceos e cocaína sem prescrição

médica.

73 A grande alteração do quadro legal na Europa, correspondente à de 1914 nos E.U.A., viria a

questionamento das imagens tradicionais de género. O sentido de desvio e o seu impacto social ampliam-se, dada a efectiva proibição do uso de drogas, aos quais se associam os efeitos remanescentes da inversão das prescrições comportamentais de género.

No contexto de ilegalidade há uma mudança no perfil das pessoas que abusam de drogas: passam a ser essencialmente homens, oriundos das zonas metropolitanas, de classe baixa, não brancos, de lares de alcoólicos e, ainda, marginais (Keire, 1998; Aldrich, 1994; Young, 1994). Neste contexto, o número de mulheres ligadas ao mundo das drogas diminuiu, predominando apenas as mulheres prostitutas, mediadoras do acesso dos homens às drogas (Courtwright, 1982, cit. in Keire, 1998; Dai, 1937, cit. in Aldrich, 1994).

As drogas passam a ser do domínio do "junkie rebelde" que procura activamente o prazer e não da "matrona sofredora" que, no seu consumo privado, procura superar os seus sofrimentos e fraquezas de mulher (Courtright, 1982, cit. in Keire, 1998). O contexto sócio-cultural, e a sua influência efectiva no comportamento, favorece a diferenciação dos significados das drogas já que remete o contexto público, a busca de aventura e o comportamento criminal para um registo masculino, sendo o contexto privado, a diminuição do sofrimento e a fragilidade comportamental atribuídos ao registo feminino.

O uso e abuso de drogas pelo homem, num contexto proibicionista, suporta já a associação de "etiquetas" de marginalidade e de criminalidade74. Porém, no mesmo

contexto, recai sobre a mulher toxicodependente um duplo estigma, acrescentando-se àquelas a não conformidade à imagem, socialmente definida, de mulher (Pollock, 1998; Friedman e Alicea, 1995; Rosenbaum, 1981). O estilo de vida nas drogas é fortemente dissonante com a prescrição social do papel de género da mulher :

74 Cf. o conjunto de investigações "Droga/Crime: Estudos Interdisciplinares", desenvolvido por

Agra e equipa (1997), que avaliou os dois fenómenos, a partir das trajectórias dos seus protagonistas, concluindo que só em parte se interpenetram.

«The nature of addiction - the rough, almost frenzied street life of the addict - runs counter to women's traditional involvement in domestic life as wives and mothers». (Rosenbaum, 1981, p. 3)

Coppel (1986) sugere que, a partir dos anos 70 do século XX, a droga tem como simbolismo a "neutralização" das diferenças sexuais, mas afirma, simultaneamente, que a mulher que utiliza drogas se esforça por evitar a imagem de toxicodependente e a marginalização.

A diminuição abrupta do uso de drogas pela mulher, em contexto ilegal, parece estar relacionada com o estigma temido, e que lhes é efectivamente atribuído. A prostituição75

é uma das actividades que assume relevo fundamental na estruturação do estigma em torno da mulher toxicodependente. A conotação moral negativa e estigmatizante inerente à prostituição (e ao trabalho sexual em geral) é transportada massivamente para a imagem da mulher toxicodependente, esteja ela envolvida ou não em práticas prostitutivas (Copeland, 1997; Rosenbaum e Murphy, 1990; Rosenbaum, 1981).

O proibicionismo do século XX ao estigmatizar a mulher utilizadora de drogas promove a inversão das estatísticas de prevalência de consumo a favor dos homens, padrão que se mantém até à actualidade.

75 A questão da prostituição será abordada por diversas vezes neste capítulo, nomeadamente pela

ligação íntima que mantém com a questão do estigma; é retomada de modo mais consistente no ponto 3.1 deste mesmo capítulo, a propósito do "relacionamento com os homens".

2. Perspectivas dominantes rso conhecimento das mulheres toxicodependentes

As expectativas sociais de género, reforçadas e controladas através de oportunidades e benefícios diferentes para os homens e para as mulheres, desincentivam a mulher da experimentação de actividades não convencionais. É nesta perspectiva que se pode compreender o menor envolvimento das mulheres no consumo de drogas (Esteves, 1997). Dito de outro modo, o estilo de vida nas drogas não corresponde às expectativas de conformidade de género da mulher, de quem se espera "abstinência" face aos consumos.

A mulher seria submetida a um controlo social eficaz76, distinto em relação ao homem, de

tipo informal e insidioso, baseado na estigmatização social (Madriz, 1997) ^ Assim, por um lado, antecipando o estigma social a mulher evitaria o desvio e, consequentemente, a sanção moral e/ou judicial78. Por outro lado, a mulher "desviante" tende a proteger-se do

reconhecimento público dos seus comportamentos, reservando, por exemplo no caso da utilização das drogas, os seus consumos, ou o seu tratamento, para a intimidade.

De facto, como já referimos, a visibilidade social dos comportamentos desviantes das mulheres e, em particular o comportamento de utilização de drogas, penaliza-as diferencialmente em relação aos homens. Dum modo geral, as mulheres que se tornam consumidoras suportam etiquetas sociais de "duplo desvio", não só porque resistem à prescrição da abstinência de drogas ilegais como também, e essencialmente, porque

76 Dada a diferença no modo como a mulher é objecto de controlo social, N. Graham e E.D.Wish

(1994) chamam a atenção para a necessidade de produzir um conhecimento específico, nomeadamente a nível das "teorias de desviância" aplicadas às mulheres.

77 A autora refere-se a diferentes mecanismos de controlo como, por exemplo, a falta de poder

político, a capacidade económica limitada, o discurso de feminilidade quanto ao papel da mulher no sistema familiar (Madriz, 1997).

78 Assim, a detenção das mulheres, ou outro tipo de pena efectiva, poderá coincidir com os casos

mais graves em termos de desvio da norma, até porque se assiste, paralelamente, à discriminação positiva das autoridades face às mulheres, em que o pequeno delito é mais tolerado, e a probabilidade de detenção menor. Estes aspectos poderiam contribuir para compreender que os padrões de consumo e a prevalência de co-morbilidade das mulheres nas prisões sejam mais elevados em relação aos homens (Madriz, 1997; Graham e Wish, 1994).

resistem ao cumprimento das expectativas de género. A mulher identificada como desviante é tida como violando a prescrição de género, base essencial da socialização da mulher.

Nas perspectivas hegemónicas de leitura da realidade, não só nos contextos terapêuticos como também na enunciação das questões de investigação, o discurso médico- psicológico caracteriza as mulheres toxicodependentes como mulheres "rebeldes" e com psicopatologia marcada. Os contextos institucionais dominantes reflectem, portanto, o estigma social forte e perene que as mulheres experienciam face ao comportamento desviante de uso de substâncias79(Goffman, 1963). Assim, constituem-se como

instâncias de saber e poder, de grande contributo para o processo de etiquetagem social da mulher (Becker, 1973) e para a construção de uma "identidade social desviante total" (Pollock, 1998, p.79).

Procuramos, em seguida, dar conta do modo como o estigma da mulher desviante se revela no conhecimento desenvolvido nos contextos de investigação (2.1) e de intervenção (2.2).

2.1. Na investigação

Até aos anos 80 do século XX, foi manifesta a ausência de estudos qualitativos com mulheres toxicodependentes, ou seja, não havia uma investigação sistemática e processual da experiência das mulheres no "mundo das drogas"80, de modo que não se

sabia quem eram estas mulheres (Rosenbaum, 1981).

79 O forte estigma da mulher alcoólica e a imagem diferencial da mulher alcoólica em relação ao

homem são referências recorrentes na literatura, com alguns aspectos comuns à estigmatização da mulher que usa drogas ilícitas (Pohl e Boyd, 1992); no entanto, optamos por não ampliar a revisão teórica sobre o abuso de álcool já que os contextos de legalidade vs ilegalidade, ao longo da história, oferecem contornos diferentes aos dois fenómenos.

Os estudos sobre mulheres utilizadoras de drogas estavam fundamentalmente integrados em estudos da população geral, com contacto institucional, e enquadrados num referencial de cariz epidemiológico, não favorecedor de uma perspectiva de conhecimento das mulheres como "actrizes" do consumo. Reportemo-nos a C. Agra (1995b), aplicando a sua reflexão ao tema específico das mulheres toxicodependentes:

«...a epidemiologia das drogas, quedando-se numa análise discreta dos "indicadores indirectos" esclarece-nos mais sobre a actividade dos dispositivos de normalização (instâncias formais e informais de controlo social e de tratamento) do que sobre a dimensão real da natureza dum fenómeno que há décadas e décadas permanece envolto num véu de ignorância.» (Agra, 1995b, p.52)

Numa primeira fase, os estudos baseavam-se na caracterização da mulher numa perspectiva moral e na extrapolação de conclusões de estudos a partir de amostras de homens (Ferrence, 199481; Rosenbaum, 1981). Deste modo, não só se escamoteava a

diversidade relacionada com o género como também se reforçavam os estereótipos de género. Na realidade, não obstante a fragilidade do suporte empírico, os estudos não se abstinham de explicar a personalidade da mulher utilizadora de drogas em função dos padrões de género dominantes. Por exemplo, o comportamento de consumo de drogas da mulher era entendido como resultante do desvio do seu papel de género, portanto, sintomático duma mulher agressiva, rebelde, imatura em termos de identidade sexual, que se recusava a assumir a dependência e a passividade, características presumivelmente salutares numa mulher (Pohl e Boyd,199282; Prather e Fidell, 1978).

81 Relatório desenvolvido por "The task group on gender-focused research", equipa canadiana que,

a partir duma revisão bibliográfica extensa sobre o estado de conhecimento sobre drogas e género, sugere recomendações para futuras pesquisas.

Note-se que as autoras põem a ênfase na diferenciação das denominações de addiction e

dependency, já que a primeira teria um sentido negativo e a segunda assumiria uma conotação

Numa outra fase, de acordo com as conclusões de estudos do "pragmatismo epidemiológico e do tratamento norte americanos"83, o perfil das mulheres

toxicodependentes é globalmente descrito, por comparação com os homens, como correspondendo às seguintes características: oriundas de famílias mais disfuncionais e disruptivas, nomeadamente com maiores dificuldades de relacionamento com as mães, com história de violência física e abuso sexual, de estatuto sócio-económico mais baixo e mais jovens; são vistas como tendo um estilo de coping evitativo, menor auto-estima, mais isolamento e mais problemas de "intimidade"; utilizam mais ansiolíticos e antidepressivos que os homens, quer em regime de auto-medicação quer prescrito medicamente; têm um comportamento sexual de maior risco que os homens, mas menos problemas com a justiça, com a escola, com grupos marginais; têm habitualmente maior responsabilidade no cuidado dos filhos. De acordo com este perfil, era esperado, também, que a mulher fosse menos capaz de procurar tratamento e de realmente se tratar que os homens toxicodependentes.

Nas duas últimas décadas do século XX a investigação tem considerado de forma mais complexa as motivações das mulheres, não se limitando simplesmente a fazer espelho da ideologia dominante (Rosenbaum, 1981). Ressaltando o retrato inconsistente e parcelar do conhecimento sobre a mulher consumidora, surgem estudos que se centram concretamente na comparação das trajectórias de mulheres e homens toxicodependentes e que colmatam, de algum modo, a falta de investigação sobre a toxicodependência e as questões de género.

Destacamos quatros estudos de uma equipa da Universidade da California84, pelo relevo

que dão à comparação dos padrões de consumo nas fases de "início", do "tornar-se dependente", do "abuso" e de tratamento entre homem e mulher.

83 Adoptamos a expressão de Agra (1995b) para nos referirmos a estudos com metodologias

quantitativas, e de cariz revisionista, e às suas conclusões.

84 Cf. Hser, Anglin e McGlothin (1987); Anglin, Hser e McGlothin (1987); Hser, Anglin e Booth,

Sistematizamos, em seguida, alguns dados resultantes destes estudos que caracterizam as especificidades dos consumos das mulheres, em relação aos homens, e evocam algumas explicações, em função da fase da trajectória.

Na fase inicial do consumo de heroína, referem os estudos, o companheiro exerce grande influência no comportamento da mulher. Frequentemente, o primeiro consumo da mulher acontece com o companheiro, por simples mimetismo ou para alívio de algum mal-estar (Hser, Anglin e McGlothin, 1987). A existência de diferentes oportunidades de contacto com drogas para as mulheres e para os homens, sendo para elas o acesso mais difícil, é indicada como pista explicativa da tendência das mulheres iniciarem os consumos pela mão dos companheiros. O mesmo estudo refere, no entanto, a experimentação por iniciativa própria, ou em grupo social, por parte de mulheres que iniciaram consumos mais recentemente. Emergem, então, motivações de cariz hedonista (curiosidade, busca de prazer e sociabilidade) associadas ao comportamento de consumo destas mulheres. Como refere Rosenbaum (1981) o "início" de consumo delas não seria tão passivo quanto tinha sido afirmado em estudos anteriores, o que poderá relacionar-se com o papel social cada mais activo das mulheres85.

A sua progressão no sentido do consumo regular, por comparação com a dos homens, dá-se de modo mais célere, tornando-se a mulher após o contacto inicial mais rapidamente dependente das drogas (Anglin, Hser e McGlothin, 1987). O facto de ela ter, o seu consumo garantido, habitualmente, por um homem companheiro/consumidor é indicado, pelos autores, como característica distintiva da mulher na fase de "tomar-se dependente", o que constituiria um factor explicativo do envolvimento no consumo de modo mais rápido da mulher em relação ao homem.

Retomaremos este tema no ponto 3 deste capítulo, em que se focam especificamente as significações da utilização de drogas pela mulher.

Na fase de pleno consumo ressalta-se a aproximação dos padrões de utilização de drogas de homens e mulheres (Hser, Anglin, Booth, 1987): o prazer é uma dimensão significativa para ambos, muito embora o seja de forma mais inquestionável no percurso do homem; a probabilidade de o companheiro(a) ser consumidor(a) torna-se idêntica entre homens e mulheres; a par do envolvimento mais consistente da mulher nas drogas verifica-se, também, um maior envolvimento no tráfico, e na criminalidade em geral, como garante dos consumos, embora se trate de uma actividade prevalecente na carreira do homem. Esta maior comunhão de trajectórias, segundo os autores, parece estar relacionada com o estilo de vida que a utilização abusiva das drogas, nesta fase, como que impõe ao indivíduo, e que seria independente do sexo.

O envolvimento em drogas múltiplas é também um aspecto comum a homens e mulheres, embora existam diferenças no tipo de associação que uns e outros fazem a par