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Luiz Antônio Chies (2009, p. 113), desconfiando das políticas promovidas na prisão, alerta que é necessário um redimensionamento das políticas penitenciárias afastando a noção de tratamento e direcionado ao compromisso crítico do enfrentamento das vulnerabilidades, levando em conta as especificidades da prisão no que diz respeito à situação de vulnerabilidade por ela gerada ou agravada (CHIES, 2009, p. 118).

Neste sentido, o autor destaca a necessidade de que a educação esteja totalmente desvinculada de noções de reabilitação, sendo preciso analisar criticamente as práticas educativas para além das “boas intenções”. Deste modo, o autor alerta para a resistência das administrações penitenciárias em relação às experiências educacionais e a concepções que desvalorizam a própria experiência do ensino, com foco em resultados (CHIES, 2009, p. 120). Este alerta é importante para que não se perca de vista que não é qualquer avanço normativo ou qualquer implementação de práticas educativas no sistema prisional que servem à autonomia do sujeito.

Ao lado do instrumental teórico da criminologia crítica e da execução penal redutora de danos, é preciso definir, ainda que de forma breve, os pressupostos teóricos utilizados para avaliar os processos educativos.

Neste sentido, adotarei determinados parâmetros estabelecidos por Demerval Saviani em sua pedagogia histórico-crítica. Saviani (2008, p. 45), engajado em tentar imaginar as possibilidades de uma escola voltada aos interesses dos dominados, afirma que é necessário insistir da prioridade dos conteúdos, pois o “domínio da cultura” é um “instrumento indispensável para a participação de massas”. O autor afirma que “dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação”.

A apropriação do repertório cultural transmitido pela escola é essencial na visão de Saviani (2008, p. 52-53) para que ocorram transformações sociais em benefício dos dominados, pois “a educação se relaciona dialeticamente com a sociedade”. O processo educativo, neste sentido, é visto como passagem da desigualdade à igualdade (SAVIANI, 2008, p. 62).

Desta leitura, é possível afirmar que a apropriação dos conteúdos e o desenvolvimento de habilidades próprias à atividade escolar – como a leitura – são funções essenciais à escola que tem compromisso com a promoção da igualdade.

Outro referencial teórico mobilizado no campo da educação é a pedagogia do oprimido de Paulo Freire. Este autor concebe a educação como um meio de libertação de uma ordem opressora, através de uma práxis transformadora, com reflexão e ação críticas (FREIRE, 1981, p. 40).

O processo de conscientização para Freire (2008, p. 33) envolve a ultrapassagem da “apreensão espontânea da realidade” para se chegar à esfera crítica. Portanto, o processo educativo deve permitir ao educando uma determinada apropriação da realidade.

Freire (1979, p. 13) critica a forma conservadora do que chamou de educação bancária, através da qual o processo de alfabetização é visto como um “ato mecânico de depositar palavras, sílabas e letras nos alfabetizandos”. O processo educativo que não parte de um conjunto de palavras e conceitos conhecidos dos alunos torna difícil e abstrata a apreensão dos códigos da linguagem escrita.

Na tentativa de promover o diálogo destes dois marcos, tem-se que a educação libertadora exige a apreensão dos conteúdos e habilidades inerentes à escola, ao passo em que deve se desenvolver a partir do universo de referência do educando, a partir da historicização das relações em sociedade. O diálogo com algumas pesquisas importantes sobre a educação em prisões no Brasil será construído a partir desse instrumental teórico.

Elenice Maria Onofre (2014, p. 31), em um trabalho pioneiro, realizado no fim dos anos 1990, se pergunta o que a escola pode fazer na prisão, quais as suas possibilidades. A autora, dialogando com Paulo Freire, parte da premissa de que a educação “pode alguma coisa”, ou seja, que é um instrumento apto a promover mudanças.

Considerando a existência de um “descompasso entre o que ela [a escola] deve e o que pode fazer no interior das prisões”, Onofre (2014, p. 184) defende que toda ação educativa deve “promover o indivíduo, tornando-o capaz de transformar o mundo em que está inserido”. A autora destaca que o ponto essencial a se questionar é se a atividade educativa está servindo à libertação dos homens ou à sua domesticação.

As conclusões de Onofre (2014, p. 186) indicam que mesmo em um espaço repressivo como a prisão, a escola “tem seu significado e sua essência mantidos”. Em um texto posterior, indicando a prisão como espaço de contradição, a autora afirma:

Cabe a ele [educador] questionar de que maneira a educação escolar pode contribuir para modificar a prisão e o preso, para tornar a vida melhor e para contribuir com o processo de desprisionalização e de formação do homem preso (ONOFRE, 2007, p.14).

Neste texto, a autora aponta ainda diversas funções que são atribuídas à escola na prisão, como: ocupar o tempo; influenciar positivamente nos pareceres do exame criminológico; melhorar de vida após a saída da prisão; aprender a ler e escrever (ONOFRE, 2017, p. 19-21). Na pesquisa de Mariângela Graciano (2005), realizada em uma penitenciária feminina na cidade de São Paulo, a concretização do direito à educação passa necessariamente pela consideração das pessoas presas enquanto sujeitos de direito e não mero objeto de tratamento penitenciário. As perspectivas das internas daquela penitenciária com o estudo são classificadas pela pesquisadora como possibilidades (muitas vezes a única possibilidade) de comunicação com o mundo exterior, através de cartas, e de possibilidade de acompanhamento e melhor compreensão de sua situação processual (GRACIANO, 2005, p. 90).

O ponto central deste estudo consiste na constatação pela pesquisadora, a partir de sua análise das falas das mulheres presas, de que assegurar o direito à educação representa uma “possibilidade de intervenção do presente” (GRACIANO, 2005, p. 106). Deste modo, a pesquisadora constata o descompasso dos instrumentos legais e a realidade, uma vez que a educação é tida como elemento apto a transformar o futuro das pessoas presas, o que reforça as perspectivas das ideologias re, que creem na reintegração do preso enquanto finalidade do cumprimento da pena. A pesquisadora revela que a educação, em seu potencial transformador, permite, inclusive, certa inversão da relação entre a prisão e as pessoas presas, permitindo que estas possam buscar transformar a própria instituição carcerária.

Em pesquisa posterior, Mariângela Graciano (2010) mapeou atividades de educação não formal desenvolvidas em duas unidades prisionais do Estado de São Paulo. A pesquisadora buscou compreender como a sociedade civil, através de grupos e organizações, desenvolve atividades de educação nas prisões, constatando ambiguidades no desenvolvimento deste tipo de trabalho, que podem ser regidos por uma lógica de benefícios (uma vez que sem apoio ou qualquer garantia de desenvolvimento do trabalho por parte do Poder Executivo).

Verificou-se também a existência de organizações que usam atividades educativas como estratégia para defesa dos direitos das pessoas presas (GRACIANO, 2010, p. 235). Nesta pesquisa, ficou caracterizada na pesquisa a possibilidade de desenvolvimento de atividades

educacionais que contribuem para a produção de conhecimento e ação política que induzem a reflexão sobre a vida no cárcere e influem na organização além dos muros da prisão (GRACIANO, 2010, p. 236).

Em ambas as pesquisas, portanto, a pesquisadora identificou possibilidades de que a educação formal e não formal funcionassem como estímulo à crítica da própria condição de encarceramento e, de certa forma, propiciasse certa abertura da prisão, seja através da comunicação ou de formas de organização e poder questionador.

José Geraldo Bueno e Marieta Gouvêa Penna (2016, p. 402-404) apresentando uma pesquisa etnográfica realizada com presos que exerciam a função de educadores, também revelam possíveis significados atribuídos à escola na prisão, desde a possibilidade de circulação, até a melhorias concretas que podem ser obtidas, como domínio da leitura e da escrita.

A escola também é apresentada por estes autores como um espaço de possibilidades de resistência e de desenvolvimento de uma sociabilidade diferente do contexto mais amplo da prisão (BUENO; PENNA, 2016, p. 408).

Manoel Portugues (2001, p. 360-364) observa que, se por um lado a escola é um ambiente propício ao desenvolvimento de potencialidades humanas, o sistema prisional, baseado na ideia de reabilitação limita o processo educativo. Na visão do autor, a escola na prisão vivencia um embate constante entre pressupostos e finalidades diferentes.

Roberto da Silva e Fábio Aparecido Moreira (2009, p. 90) entendem que a prisão deve ser ressignificada enquanto espaço potencialmente pedagógico. Para os autores “o papel da educação dentro da prisão deve ser única e exclusivamente o de ajudar o ser humano privado de liberdade a desenvolver habilidades e capacidades para estar em melhores de disputar as oportunidades socialmente criadas” (SILVA; MOREIRA, 2009, p. 92).

De uma forma geral, a literatura tem identificado diversos entraves à realização dos objetivos da escola nas prisões, que privilegiam a segurança e a ordem. No entanto, não tem sido descartada a possibilidade de que a educação escolar contribua para uma reflexão crítica e melhoria concreta da situação presente dos presos.

4 A PENITENCIÁRIA LEMOS BRITO (PLB) E A EDUCAÇÃO ESCOLAR: O