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Não, nunca TINHA PRESENCIADO (FLP Leda/l 1)

CAPÍTULO V PRETÉRITO MAIS-QUE-PERFEITO VERSUS PRETÉRITO PERFEITO: AS MOTIVAÇÕES EM FOCO

F. Não, nunca TINHA PRESENCIADO (FLP Leda/l 1)

Os casos aqui arrolados são em número de dez. Receberam tal categorização porque fazem parte de um grupo restrito que tem características próprias. Cabe ao interlocutor inferir o ponto de referência pela própria constituição do enunciado. A negação, neste caso, é o fator desencadeador da inferência. Quando uma situação é negada com o advérbio nunca, pode ser que a negação seja até o momento presente, incluindo este momento, mas pode ser, também, que a situação seja negada até um ponto passado. Como o enunciado analisado não traz o momento passado especificado, cabe ao interlocutor, nesses casos, considerar o contexto discursivo precedente. A contextualização do enunciado no tópico discursivo é que toma possível interpretá-lo como anterior no passado.

O entrevistador sabe, com relação ao enunciado (46), que o informante estava vendo uma brincadeira, logo, a negação se refere ao tempo passado anterior ao tempo em que o informante via a brincadeira. No enunciado (47), o assunto em questão é a Copa do Mundo. O interlocutor sabe, quando o informante diz que nunca tinha

presenciado, que ele presenciou a última Copa. Nos dois casos, é possível, pelo

tópico discursivo e pela negação, inferir o ponto de referência.

35 A situação expressa por existias não pode ser considerada como ponto de referência porque é cotemporal a nunca TINHA PRESENCIADO.

explícito. Se há um pretérito mais-que-perfeito no enunciado então a situação por ele codificada deve ter ocorrido antes de outro tempo passado mas o pretérito perfeito pode gerar dúvidas nos casos em que o interlocutor não conhece apropriadamente o contexto.

e) Discursivo

O ponto de referência discursivo ocorre, nesta análise, unicamente com casos de retomada discursiva. Pensamos que tal ponto deve favorecer o aparecimento do pretérito perfeito porque, em linguagem corrente, é provável que os falantes usem mais a forma menos marcada, não no sentido de enfatizar uma repetição mas de manter o assunto já abordado aceso na mente do interlocutor. Vejamos alguns exemplos:

(48 ) em vez de tocar a mão no dinheiro do grande, ele pegou aquele do coitadinho que tinha uma poupança de cento e cinqüenta mil, que estava querendo comprar um terreninho e confiscou. (L288)

Ficou o do coitado, e eu não tinha, mas o coitado que tinha lá... É como eu já TINHA FALADO anteriormente: quem tinha lá cento e cinqüenta mil cruzeiros, quer dizer, foi confiscado. (FLP 02, L358)

(49) Olha, não é o meu forte. Não sou muito chegada na cozinha, mas dá pra quebrar um galhinho. (L587)

Minha irmã é, assim, uma cozinheira de mão cheia. Eu não sou muito chegada não. (L674) Então eu, como nunca fui chegada, mas sempre tive irmã e tinham aquelas metidinhas que gostavam de cozinhar. (L717)

E um pessoal legal. Seus problemas sempre assim, mas é uma família bem legal. E da comida, bom, eu já FALEI, né? não sou muito chegada nesse negócio de comida. (FLP 01, L917)

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1.2.2.2 - Resultados e discussão

Inicialmente, os fatores ‘forma não flexionada’ e ‘locução verbal’ foram rodados separadamente. Resolvemos, contudo, amalgamá-los (presença de forma não- flexionada) pois demonstraram comportamentos estatísticos aproximados (.84/.75) e ambos podem ser explicados pela noção de tempo relativo.

O tipo de ponto de referência, ao longo de nossas análises estatísticas, tem se revelado altamente significativo. Foi o quinto grupo selecionado no total e o segundo no domínio semântico-estrutural. Na análise dos dados, obtivemos os seguintes resultados:

Tabela 06 - Tipô de ponto de referência e uso do pretérito mais-qúe-perfeito

Fatores ‘ ■r % tàl/N ^fe dados ¡percentagem

... ^ r ! '

- " , . y

fnfeKência jíelã nègdçãcr^ 10/05 : t50%

fi^a d* forma nao-fl, x 107/44 .... \4}%~... . .75

..¡ii!!;li!jyíí!!ií!i:

f orma flexionada 395/87::::-. 22% pM§P«BiMjMBMiSW88i<M|p«s^^

PiMursiut 64/05 08% 02

WÊÊÊÊÊIÊÊÊÍÊÊtÊÊÈfmÊwSÊÊSÊtKÊÊIÍÊKt^^í^mm

O tipo ‘inferência pela negação’ (.83) favorece o pretérito mais-que-perfeito, possivelmente, por causa do. não aparecimento de uma forma verbal para este ponto no discurso. Assim, é mais fácil processar a informação na presença do pretérito mais- que-perfeito do que no caso do pretérito perfeito que muitas vezes indica duração até o tempo de fala.

O alto peso associado a ‘presença de forma não-flexionada’ (.75) deve ter ocorrido porque há no ponto de referência um tempo relativo. Em princípio, o processo de interpretação gira em tomo da especificação do tempo relativo, o que toma o processo mais lento. Esse processamento é facilitado quando a forma seguinte é um pretérito mais-que-perfeito.

referência uma forma verbal flexionada (.58), ocorra quando a relação entre o dado variável e o ponto de referência não se apresenta claramente.

Os casos envolvendo ponto de referência discursivo (.02) retomam uma situação já mencionada que por ser velha não necessita ser marcada formalmente. Assim, o

pretérito mais-que-perfeito é desfavorecido.

Os dados demonstram que os tipos de ponto de referência arrolados para esta análise, menos o discursivo, favorecem o pretérito mais-que-perfeito, com forte condicionamento pela inferência pela negação e pela presença de forma não- flexionada.

1.2.3 - Relação semântico-sintática 1.2.3.1 - Caracterização e hipóteses

Consideramos, neste grupo de fatores, a relação entre uma situação codificada por um dado variável e seu ponto de referência. Em muitos casos coincide a relação semântica entre dado e ponto de referência (complementação) com a relação sintática (oração principal/oração subordinada objetiva direta), mas em alguns casos predomina a relação semântica, já que o dado não está diretamente relacionado a seu ponto de referência. Assim, se C está sintaticamente ligado a B e B a A, sendo A o ponto de referência e C 0 dado variável, então a relação considerada é a que ocorre entre A e C.

A conexão sintática entre a situação de passado anterior e seu ponto de referência pode ser via subordinação, coordenação ou justaposição. No primeiro caso, temos as chamadas adverbiais, substantivas e adjetivas. No caso de circunstanciais, a relação semântica é mais evidente: temporalidade, causalidade, comparação, por exemplo. As substantivas funcionam como complementação e as adjetivas como modificadoras. Esses fatos foram considerados na organização dos fatores.

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a) Causalidade

A relação de causalidade pode ser vista tanto em orações ligadas por conector como em justapostas, mas, conforme Paiva (1991), é preferencialmente realizada através da presença de um conector que assinala a relação semântica, já que há uma ambigüidade inerente à justaposição. Quando justapostas, as orações deveriam seguir na mesma ordem em que ocorrem no mundo real: causas precedem seus efeitos.

De acordo com Paiva (op. cit.), os conectores que e porque estão associados a contextos em que não há seqtiencialidade temporal e iniciam um ato de fala distinto do que é realizado pelo outro segmento do enunciado. Isso, em princípio, justificaria o aparecimento do pretérito perfeito. Se a estrutura já é marcada, não há necessidade de uma outra marcação.

Orações justapostas, por outro lado, deveriam apresentar o pretérito mais-que- perfeito. Assim, a ausência de um elemento indicador da relação semântica seria suprida, já que o pretérito mais-que-perfeito é um índice do tipo de relação pretendida. Ocorre, porém, que, em muitos casos de contra-seqüencialidade em que as orações estão justapostas, aparecem em ambas as orações o pretérito perfeito. A relação de contra-seqüencialidade é percebida, nestes casos, porque causas precedem os efeitos. Se a causa aparece contra-seqüencial ao efeito, mesmo assim, sabemos qual é a causa e qual o efeito. A seguir, apresentamos dois exemplos de relação por causalidade:

(50) Então ali a gente tomava um sorvete e vinha embora, super contente porque ASSISTIU ao filme e FOI à missa. (FLP 12, L343)

(51) E. Tu perdeste dinheiro?