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Conforme explicitamos nas considerações teóricas expostas na seção 3.2 do capítulo 3, sobre o Funcionalismo Linguístico, utilizamos a proposta de Hopper e

5.2.2. Nível semântico-lexical 1 Tipos de verbo

Nesta seção, faremos uma análise das formas verbais focadas em nossa pesquisa, conforme a classificação proposta por Vendler (1957, 1967). A seguir, apresentamos uma tabela com o total de ocorrências para cada tipo de verbo.

Tabela 03 - Quantidade de dados por tipo de verbo

Tipos de verbos Culminação Processo

Culminado

Atividades Estados

Número % Número % Número % Número %

Qtde de verbos 132 6,3 322 15,38 705 33,7 934 44,62

Total de dados analisados

2093

De acordo com a tabela acima, observamos que a maioria dos 2093 verbos é do tipo estado, 44,62%, ou seja, 934 dados. Podemos sugerir que este resultado pode estar atrelado ao fato de as formas imperfectivas atuarem na narrativa, principalmente, como pano de fundo. Os verbos de estado apresentam estágios internos idênticos e são considerados homogêneos. Estes verbos, geralmente, não expressam mudança e/ou movimento. Por exemplo, o verbo “saber”, no exemplo 192, não denota nenhuma mudança e/ou movimento.

(192) Pues sabía cuánto le costaba atravesar la casa entera. / Pois sabia quanto lhe custava atravessar a casa inteira. (El verano feliz de la señora Forbes – Gabriel García Márquez).

166 Verificamos a presença desse tipo de verbo, principalmente, em situações de caracterização do espaço físico, dos personagens em situações de posse (conforme exemplo 193) e de juízo de valor (conforme exemplo 194).

(193) ... tenía las piernas muy delgadas y los ojos azules/... tinha as pernas muito finas e os olhos azuis. (Clara – Roberto Bolaño).

(194) Parecía un pajarito ensopado./ Parecia um pássaro pequeno ensopado. (Sólo vine a hablar por teléfono – Gabriel García Márquez).

Em segundo lugar, temos os verbos de atividade em 705 ocorrências, ou seja, 33,7% do total. Esse tipo de verbo indica situações cuja duração temporal não está definida. De acordo com Godoi (1992), as atividades são situações que não apresentam um ponto de culminação, ou seja, não são pontuais e podem ser divididas em fases. Os verbos de processo culminado apresentam 322 dados, ou seja, 15,38% do total de dados analisados. Esse tipo de verbo, conforme Vendler (1967), apresenta um ponto final definido para ação e faz referência a um segmento inteiro de tempo. Podemos atribuir o uso destes verbos aos trechos das narrativas que denotam situações mais dinâmicas, que configurariam funções como: narrativa, simultaneidade, futuro, presente, iterativa, lúdica, contrariedade e cortesia. No decorrer das narrativas, encontramos poucas ações pontuais e instantâneas, ou seja, encontramos poucos verbos de culminação. Das 2093 formas analisadas, 132 formas estão associadas a verbos de culminação, 6,3%. Desse total, 109 formas são do pretérito imperfeito, 82,5%. Já as perífrases imperfectivas de passado somam 23 casos, ou seja, 17,5 %.

Segundo García Fernández (2004), há contextos nos quais o pretérito imperfeito pode estar atrelado a verbos de culminação: quando não indica habitualidade, pode aparecer com um final delimitado. Vejamos um exemplo no qual encontramos um verbo de culminação associado ao valor imperfectivo:

(195) Esteban cerraba la puerta./ Esteban fechava a porta. (Bruja – Julio Cortázar)

Nesse exemplo, a forma no pretérito imperfeito denota uma ação pontual inerente, ou seja, Esteban fechava a porta, naquele dado momento, não houve nenhuma fase de transição ou duração para estas ações. Por outro lado, essa ação apresenta-se

167 como inacabada, recurso utilizado na narrativa para conferir uma atmosfera de suspense ou, ainda, como no exemplo acima, para dar um efeito de lentificação da ação.

Segundo Delfito e Bertinetto (1995, p. 337): “a telicidade é uma função de seu significado léxico. Isto quer dizer que, independentemente da realização aspectual em que apareçam, os verbos de culminação sempre pressupõem a consequência do telos”. Nesse sentido, o uso de formas imperfectivas com verbos de culminação aparecerá em contextos específicos (elencados anteriormente) que propiciem esta combinação, por exemplo, quando o falante tiver a intenção de tratar de uma ação iminente frustrada.

Apresentamos, a seguir, um gráfico que mostra a distribuição desses tipos verbais em relação ao pretérito imperfeito e às perífrases imperfectivas de passado.

Gráfico 09: Tipos de verbos e ocorrências nas formas imperfectivas

Para os verbos de estado, obtivemos 934 ocorrências, destas 848 foram de pretérito imperfeito, 90,8%. Já as perífrases imperfectivas de passado apresentaram-se em 86 dados, ou seja, 9,2%. Vale salientar que o pretérito imperfeito apresenta um número bem maior de ocorrências no corpus que as perífrases imperfectivas de passado. Vejamos um exemplo com o pretérito imperfeito:

90,8 72,3 95,6 82,5 9,2 27,7 4,4 17,5 0 20 40 60 80 100 120

Estado Atividade Proc. Culminado Culminação

Pret. Imp. Per. Imp.

168 (196) … y los que nos conocían bien sabían que éramos malos./… e os que nos conheciam bem sabiam que éramos maus.( La nieve – Roberto Bolaño)

Nesse exemplo, verificamos o conhecimento de um fato expresso pelo verbo “saber”. Além disso, designa uma situação que ocorre durante todos os pontos de um determinado período ou de um determinado número de momentos, logo, não pode ser dividida em etapas, já que uma pessoa não deixará de saber do fato, que expressa já conhecer, por um período de tempo.

Em segundo lugar, no gráfico, aparecem os verbos de atividades, que não apresentam um ponto final delimitado para a ação. Verificamos uma maior ocorrência de verbos de atividade em formas do pretérito imperfeito com 510 dados, 72,3% do total de 705 ocorrências. Já as perífrases imperfectivas de passado apresentaram 195 ocorrências, 27,7%. Vejamos, a seguir, um exemplo deste tipo de verbo:

(197) Estaba trabajando y no es conveniente interrumpirlo.../ Estava trabalhando e não é conveniente interrompê-lo. (Una aventura literaria – Roberto Bolaño)

Neste exemplo, temos uma forma verbal que expressa um processo dinâmico, mas sem delimitar a sua finalização. No período de tempo (não delimitado), o personagem realizou a ação de trabalhar, mas isso não quer dizer que ele trabalhou durante o dia inteiro. Vale salientar ainda que, mesmo que a ação de trabalhar tenha sido interrompida por algum evento, a ação citada foi realizada e não há um ponto determinado de culminação desta.

Para os processos culminados, há 308 dados de pretérito imperfeito, ou seja, 95,6%. Já com as perífrases imperfectivas de passado, obtivemos somente 14 ocorrências, o que corresponde a 4,4%. A grande diferença percentual se deve ao fato de o pretérito imperfeito apresentar um número bem maior de ocorrências. Segue exemplo de verbo de processo culminado:

(198)… escribía en su cuaderno escolar una relación minuciosa de sus gastos./...

escrevia em seu caderno escolar uma relação minuciosa de seus gastos. (La santa – Gabriel García Márquez)

169 Neste exemplo, verificamos a culminação do processo de escrever, que, por sua vez, tem seu final delimitado pela conclusão da listagem de gastos. Temos, nesta sentença, um ponto final definido que faz referência a um segmento inteiro de tempo (listagem dos gastos).

Os verbos de culminação, por sua vez, apresentaram 109 dados de pretérito imperfeito, ou seja, 82,5%. Já com as perífrases imperfectivas de passado, somente 23 ocorrências, o que corresponde a 17,5%. Esse tipo de verbo expressa ação pontual, conforme exemplo abaixo:

(199) Luego nos sentábamos los tres reprimiendo la respiración./ Logo sentávamos os três reprimindo a respiração. (El verano feliz de la señora Forbes – Gabriel García Márquez)

Os resultados encontrados, de maneira geral, estão em conformidade com o que propõe Givón (2001, p.287 e 288): associação entre o Aspecto inerente do verbo e as formas verbais de passado. Para o autor, a (im)perfectividade pode ser aferida em uma escala gradual (apresentada abaixo), a partir de dois traços: fronteira temporal (nítida vs. difusa) e duração (curta vs. longa).

Compacto52 Processo Culminado Atividade Estado Fronteira + + +/- - Duração - +/- +/- +

+ Imperfectividade

Em nosso estudo, os verbos de culminação apresentaram uma distribuição menor, ocupando a 4ª posição em número de ocorrências (132 dados). Givón (2001) propõe uma menor ocorrência para eles, ou até mesmo que eles estejam ausentes, pois os classifica, em contextos de imperfectividade, como mais marcados e menos previsíveis. Em segundo lugar, temos os verbos de atividade (705 dados) e, em terceiro lugar, os verbos de processo culminado (322 dados), que são considerados, por Givón

52 Givón (2001) refere-se a verbos de curta duração, o que corresponderia, na classificação de Vendler

170 (2001), como mais marcados e menos previsíveis, portanto apresentariam maior complexidade estrutural, logo, demandariam mais atenção, mais esforço mental e tempo de processamento. Segundo o autor, os verbos de estado são menos marcados e mais prevíveis (obtivemos mais ocorrências com este tipo de verbo, 934 dados).

Esses resultados apoiam, ainda, a Hipótese do Aspecto Lexical de Andersen (1986), a qual afirma que as formas perfectivas aparecem primeiro com os verbos que expressam culminação e processo culminado, seguidos por atividades e estados. Em contrapartida, as formas imperfectivas surgem primeiramente com os verbos de estado, depois com as atividades, para posteriormente se estender para os processos culminados e para as culminações, conforme pudemos constatar no corpus.

No tocante à associação das formas imperfectivas, principalmente, com os verbos de estado e de atividade, podemos citar, ainda, outras pesquisas que confirmam essa associação entre a morfologia verbal e o Aspecto Lexical. Segundo Lafford (2000), as formas imperfectivas estão associadas a eventos atélicos (estados e atividades) e depois a eventos télicos (processos culminados e culminações). De acordo com Laguna (2008), esta hipótese apóia-se em vários estudos sobre a aquisição de Espanhol como Segunda Língua, realizados por Andersen (1991), Bardovi-Harling & Reynolds (1995), Bergstrom (1995) e Robinson (1995). Outro estudo importante foi o realizado por Harley e Swain (1978). Eles entrevistaram estudantes de francês e constataram o uso do pretérito perfeito para ações e do imperfeito para os verbos de estado.

Com base no que foi exposto, vale destacar a caracterização proposta por Pontes (2009, p.95 e 96), em seu estudo com narrativas:

a) estados: apresentam uma duração indefinida, são atélicos e estáticos; b) atividades: são dinâmicas, atélicas e durativas;

c) processos culminados: são dinâmicos, télicos e durativos;

d) culminações: denotam eventos instantâneos, télicos e dinâmicos.

Essa caracterização de cunho semântico-lexical auxiliar-nos-á na proposição de critérios para a caracterização escalar de formas aspectuais imperfectivas de passado que apresentaremos ao final deste trabalho.

Passemos, agora, para a correlação entre os tipos de verbos e as funções categóricas imperfectivas de passado em Espanhol.

171

Tabela 04 – Atuação do aspecto inerente na codificação das funções categóricas do passado imperfectivo. Funções imperfectivas Estado Aplicação/ Total/ Percentual Atividade Aplicação/ Total/Percentu al Culminação Aplicação/ Total/Percentu al Proc. Culminado Aplicação/ Total/ Percentual Iterativa --- 26/32/81,2% ---- 06/32/18,8% Presente 36/64/56% 26/64/40,8% 02/64/3,2% --- Futuro 10/32/32% 20/32/62% --- 02/32/6% Simultaneida de --- 51/65/78,5% --- 14/65/21,5% Cortesia 02/06/33,4% 03/06/50% 01/06/16,6% --- Lúdica 89/188/47,3% 72/188/38,3 --- 27/188/14,4% Contrariedade 07/32/21,8% 25/32/78,2% --- ---

Com base nos dados apresentados na tabela 04, verificamos que os verbos de culminação, seguidos pelos verbos de processo culminado, constituem contextos pouco favoráveis para o uso das funções imperfectivas em foco, inclusive o primeiro tipo de verbo só apresenta dados para as funções de cortesia e de presente. Este resultado pode ser atribuído aos matizes de pontualidade e de culminação da ação prototípicos deste tipo de verbo; já para os verbos de processo culminado atribuímos as baixas porcentagens apenas ao caráter télico (finalização da ação) que limita o uso de formas imperfectivas atreladas a esse tipo de verbo.

Em contrapartida, os verbos de estado e de atividade constituem contextos favoráveis para o uso das funções categóricas de passado imperfectivo. Os resultados obtidos corroboram a escala proposta por Givón (2001), já que atestam a correlação entre os verbos de estado e de atividade com o uso das funções imperfectivas. Para o primeiro tipo de verbo, obtivemos resultados mais significativos associados às funções presente (56%) e lúdica (47,3%). Com relação aos verbos de atividade, os percentuais

172 mais salientes estão relacionados às funções iterativa (81,2%), simultaneidade (78,5%) e contrariedade (78,2%).

Na caracterização das formas-funções de passado imperfectivo em Espanhol, julgamos pertinente as diferenças de cunho semântico. Isto ajudaria na compreensão dessas formas, principalmente, no que diz respeito à problemática diferenciação dos usos dos pretéritos, pois faltam critérios mais claros para caracterizar as formas imperfectivas. Vale salientar, ainda, que, no estudo das formas perfectivas e imperfectivas, os livros didáticos e as gramáticas limitam-se à diferenciação, por exemplo, entre os pretéritos perfeito (simples e composto) e imperfeito do indicativo, com base no critério de completude e incompletude da ação, deixando de considerar os outros critérios, tais como: dinamicidade, duratividade e delimitação no eixo temporal. Por conta disso, é difícil para o falante nativo ou não a utilização desses tempos na produção textual, conforme afirmam Alegre (2007) e Masip (1999). Podemos sugerir que há uma conexão entre a aprendizagem da morfologia Tempo e Aspecto e a aprendizagem da distinção semântica dos tipos de verbos que está associada às formas imperfectivas de passado.

5.2.3. Nível textual - discursivo