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Narrador onisciente: uma das características do narrador é a possibilidade de fazer comentários sobre a sua vida e a vida dos personagens ou sobre o cenário da narrativa.

a) Narrador onisciente intruso: tal narrador coloca-se como bem desejar dentro da narrativa, pode narrar como se estivesse dentro da história, fora, na periferia, no centro ou mudando e adotando várias posições no decorrer da narrativa.

b) Narrador onisciente neutro: difere do primeiro porque não dá instruções ou faz comentários, fala em 3ª pessoa, descreve a personagem para o leitor e tende ao sumário utilizando-se da cena, geralmente, em momentos de diálogo e ação.

Essa tipologia, segundo Leite (1985), é organizada do geral para o particular. Além disso, atenta para uma diferença entre narrativas modernas e tradicionais: predominância de cenas nas modernas e do sumário nas tradicionais. Vejamos, agora, exemplos das vozes do protagonista, do narrador e de um personagem secundário dos contos analisados:

(155) No, muchas gracias; yo quería un inglés./ Não, obrigado; queria um inglês. (Noventa minutos de rebotica – Camilo José Cela)

(156) Era bello, fino, se llamaba Esteban, jamás quería salir de la casa./ Era belo, fino, se chamava Esteban, jamais queria sair da casa. (Bruja – Julio Cortázar)

(157) Entonces entró en su casa, que era verdaderamente hermosa, y se dedicó a amueblarla poco a poco. Era divertido./Então entrou em sua casa, que era verdadeiramente bonita, e se dedicou a mobiliá-la pouco a pouco. Era divertido. (Bruja – Julio Cortázar)

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Partindo do pressuposto de que o fenômeno de variação linguística não

ocorre de forma aleatória, é de vital importância identificar os grupos de fatores36 linguísticos e extralinguísticos que tendem a favorecer ou desfavorecer o uso de uma determinada variante em estudo. De acordo com Scherre e Naro (2007, p. 148):

Os grupos de fatores são uma forma de operacionalizar hipóteses a respeito do funcionamento dos fenômenos linguísticos variáveis, que podem ou não estar ligados a modelos linguísticos claramente estabelecidos.

Para se obter os valores de cada um dos grupos de fatores, conforme Pintzuk (1988), foi desenvolvido por Rousseau e Sankoff (Cedergren &Sankoff, 1974) o pacote computacional denominado VARBRUL. Este possibilita que o fenômeno de variação linguística seja analisado estatisticamente. Para cada fator (variável independente), na rodada estatística, é atribuído um valor numérico (peso relativo) que indica a probabilidade37 desta variável independente favorecer ou desfavorecer a aplicação de uma regra variável. Segundo Guy e Zilles (2007, p. 41):

Isso envolve calcular um valor para cada fator da análise; esse valor vem a ser um número entre 0 e 1, que indica em que medida e em que direção o fator afeta a taxa de aplicação da regra. Esses valores são interpretados conforme o seguinte padrão: um valor acima de 0,5 corresponde a um fator que favorece a aplicação da regra, um valor abaixo de 0,5, corresponde a um fator que essencialmente não tem efeito na regra (ou seja, em nada contribui para sua maior ou menor aplicação).

Um valor igual a 0,5 é interpretado como neutro e um valor muito próximo de 0 indica que a regra variável nunca se aplicará no contexto daquele fator, temos então um “nocaute38 negativo”. Por outro lado, se obtemos um valor muito próximo de 1, isso

36 Segundo Guy e Zilles (2007, p.239): “Um grupo de fatores representa uma das variáveis independentes,

seja ela linguística ou social, que o pesquisador quer testar como uma possível influência no comportamento da variável dependente.”

37 De acordo com Guy e Zilles (2007, p. 239): “A probabilidade de um evento representa a chance de ele

acontecer”.

38 Há a ocorrência de um nocaute, quando, em um determinado momento da análise, uma variável

dependente apresenta valores de frequência de 0% (nocaute negativo) ou, ainda, de 100% (nocaute positivo).

134 indica que a regra variável sempre será aplicada no contexto daquele fator. Nesse caso, temos um “nocaute positivo” (Guy e Zilles, 2007).

Optamos, em nossa pesquisa, por utilizar o pacote de programas estatísticos do VARBRUL, pois segundo Guy e Zilles (2007, p. 105 e 107):

a) é um conjunto de programas computacionais de análise multivariada39, especificamente estruturado para acomodar dados de variação linguística;

b) numa rodada típica do VARBRUL, muitas células não têm dado, ou têm somente um dado. A operação do VARBRUL tolera muito bem tais desvios de distribuição equilibrada, mas eles seriam fatais para alguns outros métodos;

c) ele vem com rotinas que permitem recodificação e outros manuseios dos dados, o que é, muitas vezes, difícil ou demorado e inconveniente de fazer em pacotes gerais.

A análise estatística da variação linguística foi realizada através da utilização do programa GOLDVARB40, para os cálculos de frequência, pesos relativos e identificação da ordem de significância dos diferentes grupos dos fatores testados. Para identificar a ordem de significância dos grupos de fatores testados, utilizamos testes estatísticos que, de acordo com Guy e Zilles (2007), fornecem valores padronizados de referência; de maneira geral, essa referência é a hipótese nula (Ho) que afirma que nada está acontecendo, que as variáveis independentes não influenciam as dependentes. Por exemplo, se queremos verificar motivações para o uso de pretérito imperfeito x forma perifrástica, precisamos mostrar que a hipótese nula não atua. Para rejeitar a hipótese nula, o pesquisador deve verificar se os resultados são considerados estatisticamente significativos, ou seja, se há menos de 5% ou 1% de chance de que os dados tenham sido extraídos de um universo em que a Ho seja verdadeira. Para calcular a probabilidade de a hipótese nula ser verdadeira, utiliza-se o teste de qui-quadrado que, de acordo com Guy e Zilles (2007, p. 92): “... nos dá, com efeito, uma quantificação de

39Segundo Guy e Zilles (2007, p. 105): “A análise se chama “multivariada” porque permite investigar

situações em que a variável linguística em estudo é influenciada por vários elementos do contexto, ou seja, múltiplas variáveis independentes.”

135 distribuições ao longo de um contínuo que vai da distribuição equilibrada prevista pela hipótese nula até a distribuição categórica, totalmente, desequilibrada.”41

Por se tratar de fenômenos variáveis e não categóricos, a presente pesquisa classifica-se como quantitativa, pois desenvolveu a contagem das ocorrências da variável, descreveu as tendências e os fatores que influenciaram o uso de uma ou de outra variante, usando, para isso, métodos estatísticos.

4.3. Restrições e dados desconsiderados

Na análise dos dados, só consideramos as formas verbais repetidas, quando essas se diferenciam na função desempenhada ou, ainda, quando ocorrem em um contexto comunicativo diferente, o que confere outro sentido semântico à forma verbal repetida. Conforme Silva (2007), a repetição de uma mesma forma verbal com o mesmo sentido pode prejudicar o resultado da pesquisa na contagem de ocorrências, já que acarretaria na repetição dos mesmos parâmetros de análise. Nos exemplos abaixo, a mesma forma verbal “volver” foi considerada, pois apresenta uma função diferente para cada contexto comunicativo: no primeiro exemplo, codifica a função progressiva e, no segundo, a função habitual.

(158) Luego volvíamos la cara para poder ver otra vez hacia arriba y miramos las ramas bajas de los amoles que nos daban tantita sombra... /Logo voltávamos o rosto para cima para poder ver outra vez e vimos os ramos baixos dos amoles que nos davam um poco de sombra.... (El llano en llamas – Juan Rulfo)

(159) Comprobé a los treinta años que volvía a ser vulnerable a pesar de la cama./ Comprovou aos trinta anos que voltava a ser vulnerável apesar da cama. (El enemigo – Virgilio Piñera)

4.4. Considerações finais deste capítulo

41 Para informações mais detalhadas sobre o cálculo do qui-quadrado e sobre o teste de significância

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Neste capítulo, apresentamos a metodologia que conduziu a realização do estudo da multifuncionalidade das formas imperfectivas de passado em Espanhol e, ainda, da análise da variação linguística nas funções em que essas formas estão em competição. Inicialmente, explicitamos: a) o corpus da pesquisa (24 contos escritos por autores de Língua Espanhola, selecionados a partir dos parâmetros extralinguísticos: zona linguística do Espanhol e autores); b) os grupos de fatores distribuídos nos níveis semântico-lexical, semântico-sintático e textual-discursivo e c) considerações acerca dos procedimentos de análise estatística; utilização do GOLDVARB (versão 2005). Além disso, discutimos a utilização da narrativa como corpus de uma pesquisa e pontuamos as restrições e os dados desconsiderados. Procederemos, no próximo capítulo, à análise dos dados, a partir da qual identificaremos as funções codificadas pelo pretérito imperfeito e pela perífrase imperfectiva e os grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos que tendem a favorecer ou desfavorecer o uso das formas em estudo.

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