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I. Imputabilidade diminuída até ao Código Penal de 1982

4. Novas perspectivas

Os tribunais demonstravam, em casos como os mencionados

126

, ser ainda

sensíveis às pressões sociais, associadas ao repúdio da absolvição fundamentada

em loucura, fenómeno ainda encarado com receio e desconfiança. Revelava-se,

desta forma, uma cisão entre uma perspectiva jurisprudencial ainda ancorada na

estigmatização da doença mental e um quadro legislativo que estava já em conexão

com a substituição doutrinária paradigma do Direito Penal clássico – o qual

assentava a sua construção na ideia do homem como ser dotado de livre arbítrio,

como «destinatário livre e senhor dos seus actos da Declaração dos Direitos do

Homem de 1789»

127

, e na finalidade de retribuição das penas, a qual seria frustrada

nos casos de inimputabilidade

128

– pelo da Escola Positivista, cuja visão do crime se

assumia como um desvio da natureza, aliada a um conceito biológico de doença

mental – ambas as ideias como consequência lógica do determinismo que marcou

esta Escola

129

–, culminou na adopção, pela doutrina, do paradigma biopsicológico

momentos do relatório é chamada à colação), diz -se que tanto as viscerais como as cerebrais só seriam comparáveis às de um célebre assassino francês autopsiado em 1872 naquilo que teria ficado conhecido, para os anais da medicina forense, como «o caso Sandon» (Quintais, L., 2012, pp. 43-45).

124 Cf. Quintais, L., 2012, pp. 43-45.

125 Cf. Antunes, M. J./Costa, F. S., 2006, pp. 101-102.

126 Manuel Curado recorda outros casos relevantes, como o «caso do divórcio polémico, já

nos anos vinte, entre Alfredo da Cunha e Maria Adelaide Coelho da Cunha (Coelho, 1923; Cunha, 1920; Feio, 1920, 1922).

«Estes casos célebres e muitíssimos outros de menor notoriedade inflamaram a opinião pública da época e levaram a que muitos intelectuais se pronunciassem sobre o aspecto mais sensível da luta entre os magistrados e os médicos: a questão da inimputabilidade criminal por razões de anomalia psíquica» (Curado, M., 2007, p. 107).

127 Cf. Antunes, M. J., 2002, p. 50.

128 Na ideia de que «se a pena se destina a punir o crime e assim realizar a justiça, pagando

um mal com outro mal, de modo a que cada um receba o que merece pelos seus actos, àquele que é incapaz de compreender o significado do mal praticado, ou de algum modo não foi livre nas suas acções, não cabe qualquer pena» (Almeida, Carlota Pizarro de (2000), Modelos de inimputabilidade:

da teoria à prática, Coimbra: Almedina, p. 23).

129 Assim, no «final do século XIX, numa época em que a liberdade individual, tão preciosa

para o Iluminismo do século XVIII, já necessitava de algum cerceamento, haja vista a possibilidade de crise no sistema capitalista, que já vinha sendo confrontado pelo marxismo, surgiu outra Escola Penal, qual seja, a Escola Positiva, que tinha os seguintes princípios: determinismo (crime determinado pela constituição biopsíquica e não uma questão de liberdade de escolha), responsabilidade social (ênfase na protecção da sociedade e não da lei), medida de segurança (no lugar da pena) baseada na periculosidade e não na culpa e delito como fenómeno natural, portanto,

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da inimputabilidade. O consequente afastamento da lógica de retribuição deu lugar

ao desenvolvimento das teorias de prevenção como fim das penas

130

, passando a

fundamentação da inimputabilidade a ter por base as ideias: de que do agente

inimputável não se poderiam esperar a motivabilidade pela norma

131

ou

sensibilidade face à punição, sendo a sua reinserção social e prevenção de

reincidência melhor alcançadas através de «tratamento adequado, de acordo com

os seus condicionalismos específicos e de acordo com o seu estado actual»

(prevenção especial); e/ou da inutilidade da punição do doente mental como

exemplo para a comunidade jurídica (prevenção geral)

132

.

Este paradigma não foi, contudo, livre de contestação. Se, por um lado, a

evolução das ciências dedicadas ao estudo dos fenómenos subjacentes

atravessavam um momento de significativa mutação e progresso – que não foram

estranhos ao legislador e doutrina penalista

133

–, também a interpretação jurídica

devendo ser estudado pelo método das ciências naturais. O foco, então, passou a ser o indivíduo criminoso» (Ramos, M. R. R./Cohen, C., 2002, p. 217).

130 Assim: «O modelo, preconizado pelos adeptos desta corrente, centrava-se nos conceitos

de defesa social e perigosidade do agente, assumindo este último elemento a função de critério e medida de sanção penal e, desta forma, substituindo, funcionalmente, a culpa» (Alves, Sílvia, 2016, “A execução da medida de segurança privativa da liberdade: um olhar sobre a enfermaria de segurança do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa”, in: Revista portuguesa de ciência

criminal, ano 26, n.º 1-4, p. 138).

131 Neste sentido: «Más claramente, si la pena debe ‘prevenir’ los delitos, no podrá dirigirse más

que a sujetos que estén en grado de asumir el mensaje contenido en la norma, y entre éstos no parece que puedan admitirse los sujetos ‘no imputables’, que por definición se consideran ‘no susceptibles de motivación’ mediante la comminación penal. Así pues, si la pena, en la óptica de la prevención especial, en primero término debe asumir – conforme la orientación dominante – la función de resocialización, la conexión psicológica entre hecho y autor, en todo caso necesaria para dar sentido a la resocialización, de nuevo no puede ser reconocida más que en la posibilidad que el sujeto tuvo de actuar de otro modo en el momento de la realización del hecho. En ausencia de este requisito, en efecto, se trataría de reeducar con la pena a un sujeto, a cuyo respecto no sólo no tiene sentido inquirir si el mismo precisa ser reeducado, sino que con toda probabilidad tampoco está en grado de captar el significado de la pena ni, por consiguiente, de modificar su propio comportamiento en la dirección pretendida» (Bertolino, Marta, 1991, “Perfiles viejos y nuevos de la imputabilidad penal”, in: Cuadernos de política criminal, n.º 45, p. 612).

132 Cf. Simões, P., 2014, p. 62-63.

133 Como se reconheceu na Proposta da Carta de Lei de 17 de Agosto de 1899, sobre os

Serviços Médico-legais (Secretaria d’estado dos negócios eclesiásticos e de justiça, em 22 de

Fevereiro de 1899 – José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral): «Não podia, a nosso ver,

qualquer fórmula de organização medico-forense, no momento scientifico em que nos achamos, ficar silenciosa perante a revolução dos princípios criminais que convulsionam as sociedades modernas, n’uma lucta de idéas e de escolas que disputam primazias, a perfectibildidade do problema degenerativo dos indivíduos e das colectividades.

«Foi este o pensamento dos artigos 12.º e 43.º da proposta. A simplicidade, porém da

estatuição, creando apenas essas entidades, e deixando-lhes plena liberdade na orientação dos serviços especiaes que lhes são incumbidos, revela claramente o estado movediço da sciencia anthropologico-criminal, na hora presente.

«Com effeito, seria falível e demasiado perigoso firmar regras e preceitos, quando se enlaçam

37

da legislação em vigor se foi alterando

134

, por força da afirmação, na doutrina

penal, do novo paradigma normativo, «claramente tributário da própria evolução

da psiquiatria»

135

. Veja-se o caso de José Beleza dos Santos, defensor de um critério

normativo de determinação da inimputabilidade e da inclusão do «poder de avaliar

a sua ilicitude ou punibilidade e de proceder de harmonia com esta valoração»

136.

A interpretação da legislação portuguesa do Século XIX como consagrante do

paradigma biológico foi também criticada por Eduardo Correia, que a considerava

«errónea», uma vez que aquela contemplava, quer a possibilidade de o agente

actuar «privado do exercício das faculdades intelectuais» «por qualquer outro

motivo» (art. 43.º/3) – e assim sendo, sugerindo «que, nos outros casos em que se

vemos os trabalhos hercúleos de Lombroso, os esforços athleticos de Garofalo, de Ferri, Marrô, Fioretti, etc., da escola italiana, desviados da sua primitiva constituição, por Tarde e outros, da escola francesa; quando assistimos ao ressurgimento da escola neo-clássica dos criminalistas socialistas, tomando vôos na França, na Bélgica, na Espanha, na Alemanha, e até na própria Itália, sob os auspícios de Proal, Desjardin, Jouly, Guillot, Luchini, etc. Por isso entregámos aos médicos anthropologistas os estudos das questões que se vao debatendo no campo da ciência. E a indicação dos resultados positivos e práticos que se forem colhendo, para os apresentar ao governo, habilitando-o assim a uma remodelação eficaz e oportuna da legislação penal, segundo prescrições inabalavelmente scientificas» (Augusto, A., 1905,

p. 67).

134 Esta alteração corresponde, em geral, à inversão do paradigma biológico anteriormente

verificado. É, no entanto, de elevado interesse constatar como Levy Maria Jordão, logo a propósito da versão inicial do Código Penal de 1852, defendia, no seu comentário ao art. 23.º, 1.º, uma interpretação ampla do conceito de loucura – «o Codigo pela expressão genérica – loucos – quis

designar os individuos que se acham em estado de alienação mental, e não tomou essa palavra no sentido stricto e rigoroso, que em medicina se lhe liga; é este um defeito que notamos na lei; melhor fôra ter dito que não eram criminosos os individuos que se achassem em estado de alienação mental»

(Jordão, L. M., 1853, p. 81) – menos arreigada nas concepções da medicina: «A apreciação destes

diversos estados da mentalidade por quem deverá ser feita? Kant, nos fins do século passado, sustentou que competia aos philosophos; porem Metzger e muitos outros sustentaram a competência dos médicos, opinião que geralmente tem prevalecido, posto que as affecções mentaes podem ser do domínio da psychologia ou da medicina, conforme as causas que as determinam» (Jordão, L. M., 1853,

p. 84).

António Ferreira Augusto argumentava, cautelosamente, nos termos seguintes: «Para julgar

e apreciar questões tão delicadas é preciso descer aos estudos teóricos, à discussão de certos princípios, às doutrinas da observação, ao exame do exemplar que perante os tribunais se apresenta para assim se julgar da sua responsabilidade, ou parcial ou total e assim avaliar se o acto foi praticado dentro ou fora da esfera do delírio ou da doença mental de que aquele se diz ou parece estar afectado. É preciso, como diz Riant, distinguir o que é dos domínios da ciência e o que pertence exclusivamente à apreciação dos tribunais; é preciso exteriorizar o crime e materializar o direito penal. Devemos, porém, confessar que o voto dos peritos nesta especialidade de processos a que são chamados é de subida importância e só devem ser repelidos quando estejam em completa oposição com o que nitidamente consta do processo e com o que mais geralmente é adoptado pelos grandes mestres» (Augusto, A., 1900, pp. 293-294).

135 Cf. Antunes, M. J., 2002, p. 466.

136 «Partindo embora do artigo 11.º da Lei de 3 de Abril de 1896, Beleza dos Santos chega a

um critério normativo de determinação da imputabilidade, não sem previamente reconhecer que fórmulas como as daquele artigo, que “aparecem em diferentes códigos e leis não são claras nem completas e é preciso acrescentar-lhes um elemento normativo, de carácter jurídico ou moral, que delimite o seu alcance”. Para concluir depois que “determinar se alguém é ou não imputável é investigar se êle tinha ou não, no momento do crime, o poder de avaliar a sua ilicitude ou punibilidade e de proceder de harmonia com esta valoração”» (Antunes, M. J., 2002, pp. 466-467).

38

exclui a imputabilidade, se supõem também certos efeitos psicológicos (…) a

privação das faculdades intelectuais»

137

–, quer a situação de «falta de

discernimento» (art. 43.º, n.º 1), o que demonstraria como «sempre estiveram

presentes no espírito do legislador os efeitos psicológicos ligados a certos

pressupostos biológicos»

138

.

Vários foram os Autores a defender uma interpretação da referida de acordo

com este critério misto, isto é, resultante da combinação de elementos biológicos e

psicológicos. Assim afirmava Hernani Marques

139

e Maria Cardoso, declarando ser

esta a interpretação correcta dos arts. 26.º, 42.º e 43.º do Código Penal vigente à

altura a de uma «orientação mista ou bio-psicológica»

140

. Acautelando, a propósito

do artigo 11.º da lei de 3 de Abril de 1896, que, se era certo o legislador se tinha

«servido» se um critério misto, não era menos verdade que não tinha chegado «a

137 Cf. Correia, Eduardo, 1993, Direito Criminal, I, Coimbra: Almedina, p. 350. 138 Cf. Correia, E., 1993, p. 351.

139 Explicando como «entre a simples excentricidade mental e a demência completa há um

grande número de estados intermédios; e essa expressão “loucura”, não tendo um significado preciso, técnica ou juridicamente, poe-nos perante uma questão que o Código não resolve – a de saber quais as doenças que constituem o estado de loucura ou de alienação mental, a ponto das pessoas que delas enfermam não serem susceptíveis de imputação (art. 42.º) ou não terem imputação – visto que apenas fala no art. 26.º em “inteligência e liberdade”. E essa questão, toda ela delicada, está precisamente em determinar as anomalias que afastam ou não a inteligência e a liberdade, segundo a redacção daquele artigo.

«Como o Código não resolve as questões que ele próprio levanta, há que procurar solucioná-las

através da Lei de 3 de Abril de 1896 que no seu artigo 11.º dispõe» (Marques, Hernani, 1936, Direito Criminal, Coimbra: Coimbra Editora, p. 362), concluindo depois: «Não basta que o indivíduo tenha a consciência dos próprios actos, para que possa possuir a integridade mental: é necessário também o “livre exercício da vontade”. (…) que mais não é do que a possibilidade de um indivíduo agir de

harmonia com a avaliação que faz dos seus actos. (…) o nosso direito, assim convenientemente

interpretado, segue a orientação dos códigos e projectos mais modernos, ou seja o critério psicológico

psiquiátrico-jurídico, segundo o qual é irresponsável o indivíduo que, por insuficiência mental ou

perturbação mórbida, não pode apreciar o carácter lícito ou ilícito do acto e determinar-se de harmonia com essa apreciação.

«Além deste critério, há o critério psicológico, seguido pelo Código alemão, que atende não só à

existência de doença mental, mas também aos efeitos que ela pode ter produzido no espírito do delinquente, para fins de responsabilidade; e o critério psiquiátrico, seguido pelo Código francês, conforme o qual a responsabilidade não existe, desde que haja determinada doença mental»

(Marques, H., 1936, pp. 365-366).

140 Na sua tese de licenciatura (1947) intitulada Os doentes e anormais mentais e a

responsabilidade penal à face do direito português: «Na verdade, este artigo 26.º afirma um critério indiscutivelmente psicológico, critério ao qual tem de subordinar-se o entendimento das disposições seguintes, no número das quais se compreendem aqueles artigos 42.º e 43.º.

«Quere dizer, as expressões “loucos” e “loucura” hão-de entender-se como respeitando aos que,

pelo facto da loucura, procedam sem a “necessária inteligência e liberdade”.

«Pode afirmar-se, pois, que a nossa lei penal segue uma orientação mista ou psico-biológica. «Tal orientação ressalta ainda, vincadamente, do n.º 3 do próprio artigo 42.º, onde se

condiciona a inimputação ao facto de privação das faculdades intelectuais, independentemente da vontade do agente» (Cardoso, Maria, 1947, Os doentes e anormais mentais e a responsabilidade penal à face do direito português, Tese de licenciatura em Ciências Jurídicas apresentada na Faculdade de

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precisar a fórmula usada, deixando para o intérprete a determinação do significado

e alcance das expressões “consciência dos próprios actos” e “livre exercício da sua

vontade”, empregadas na citada lei de 1896; “necessária inteligência e liberdade”,

contida no também citado artigo 26.º; e “exercício das suas faculdades intelectuais”,

inserta no n.º 3 do artigo 43.º do código penal», acabava por defender que a todas

elas se deveria «atribuir sentido semelhante», como «capacidade de apreciar

moralmente os próprios actos e agir consoante essa apreciação», de que «não se

excluiu do referido conceito a possibilidade dessa valoração moral»

141

. Quer a

«doença mental, propriamente dita», quer a «anomalia psíquica», deveriam ser

compreendidas no termo «loucura», uma vez que as expressões técnicas corriam

«o risco de se tornarem obsoletas, pela constante evolução e progresso da ciência

psiquiátrica»

142

e o que interessava, de acordo com a lei, era a afectação das

faculdades da inteligência e liberdade

143

.

A jurisprudência acompanhou, pelo menos aparentemente, esta linha de

pensamento, distinguindo como «constatar a anomalia é função pericial e

determinar se o agente é inimputável, compete ao tribunal em face do resultado do

exame e dos demais elementos do processo», constituindo os exames periciais

«mero elemento informativo a apreciar livremente em conjunto com as demais

provas», não a decisão

144

.

Já havíamos referido a orientação crítica de Fanciulli sobre a «semi-

imputabilidade», admitindo apenas a «diminuição da pena, quando concorrem

certos extremos» e recusando liminarmente a ideia de «medir por graus a

consciência ou a liberdade dos actos». O Autor estava relativamente isolado na

doutrina. Caeiro da Matta, por exemplo, aceitava a existência de uma «larga zona

intermédia com infinitas gradações» entre «os dois limites extremos da perfeição e

da imperfeição humanas», apelidando o Código de «demasiado simplista para a

solução de um problema tão complexo», uma vez que apenas previa a pena e a

absolvição, não cumprindo a função da justiça de «considerar os caracteres da sua

141 Cf. Cardoso, M., 1947, pp. 76-77. 142 Cf. Cardoso, M., 1947, p. 86. 143 Cf. Cardoso, M., 1947, p. 88.

144 Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Dezembro de 1950. Boletim, n.º 22,

pág. 137, citado em Faveiro, Vítor António/Araújo, Laurentino da Silva (1966), Código penal

português anotado, 4.ª ed. Revista e actualizada com legislação, doutrina e jurisprudência, Coimbra:

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imperfeição ou da sua anormalidade e em escolher o remédio a opor, isto é, em

aplicar uma medida de defesa social em relação com a natureza do agente»

145

.

Também o incontornável Mendes Correa defendia a importância da

«constituição dum terreno intermediário, dum campo de transição, como é, em

medicina legal, o dos semi-responsáveis e da responsabilidade diminuída, e, em

psiquiatria, o dos simples desequilibrados e dos semi-loucos», dada a

«impossibilidade de fixar um limiar preciso da anormalidade»

146

, não deixando,

ainda assim, de alertar para os excessos, isto é, a «tendência para alargar

demasiado essa zona fronteiriça»

147

, que «mata o que há de beleza e de sublimidade

na existência humana, e gera um estado de espírito, desamparado de ideias

estimulantes, impregnado de scépticos desdéns, imerso num atroz e doloroso

pessimismo, que exclui toda a alegria de viver»

148

– em razão da necessidade de

manter uma certa noção de responsabilidade impõe a conclusão de que a «justa

avaliação dos factores psicológicos dos actos não é alcançada, no homem

mentalmente são, com tamanho rigor que a irresponsabilidade concedida

unanimemente aos doentes do espírito possa generalizar-se, segundo o critério

determinista, a todos os homens»

149

. Chamava, assim, a importância para – pese

embora a discórdia inerente aos juízos sobre a alienação mental

150

– se alvitre por

«colocar, na maioria dos casos, no plano principal do estudo de cada delinquente, os

esforços para a definição da sua individualidade moral», devendo as «as

145 Cf. Matta, Caeiro da (1911), Direito Criminal Português, vol. II, Coimbra: França Amado, p.

298.

146 Cf. Correa, António Augusto Mendes, 1931, A nova antropologia criminal, Porto: Faculdade

de Ciências da Universidade do Porto, p. 67.

147 Desenvolvendo: «É a patologia invadindo a fisiologia, a psiquiatria sobrepondo-se à

psicologia normal. As figuras históricas desfilam sem excepção nas galerias clínicas. Os defeitos dos grandes homens, que pouco ou nada significam em homens vulgares, surgem a muitos críticos como os determinantes ou as consequências do desenvolvimento das suas faculdades de excepção. Ousa-se formular um diagnóstico retrospectivo sobre uma sintomatologia lacunar e problemática, que não sofre confronto com a que, colhida directamente sobre os próprios doentes, tantas vezes não basta para um diagnóstico seguro» (Correa, A. A. M., 1931, p. 67).

Sobre a responsabilidade penal diz: «O problema metafísico da responsabilidade está

arredado da nova criminologia, e ainda bem, esta formula simplesmente a questão da responsabilidade legal, que envolve a da saúde psíquica e não uma dissertação obsoleta sobre o livre- arbítrio e o determinismo» (Correa, A. A. M., 1931, pp. 300-301)

148 Cf. Correa, A. A. M., 1931, pp. 67-68. 149 Cf. Correa, A. A. M., 1931, p. 301.

150 Assim: «Infelizmente, a não ser em casos bem patentes de alienação mental, nem mesmo os

técnicos estão, por vezes, de acordo sobre a irresponsabilidade de certos indivíduos, reconhecida por uns, contestada por outros. É que a zona fronteiriça entre a higidez e a doença é de limites incertos e muito ampla. Não falemos já no desacordo corrente entre as concepções vulgares e as concepções scientíficas da loucura e da irresponsabilidade» (Correa, A. A. M., 1931, p. 303).

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mensurações, as observações descritivas somatogénicas, o emprego de tests mentais,

os inquéritos sobre os meios de origem, a pesquisa de sintomas clínicos de todas as

ordens, etc. (…) considerar-se subsidiários ou auxiliares desse problema nuclear»

151

.

A imputabilidade diminuída acabou por se desenvolver como conceito

teórico

152

: pensada para as situações em que a «loucura» não deveria afastar, por

completo, a imputabilidade, mas tão-só diminuí-la, uma vez que «apenas» teria

como efeito o enfraquecimento ou diminuição da «consciência dos próprios actos»

ou do «livre exercício da vontade»

153

. A imputabilidade foi, assim, aceite como um

«conceito susceptível de graduação», dada a possibilidade de a «vontade como a

consciência moral de certos indivíduos se podem mostrar afectadas ou