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Os mandamentos da lei de Deus eram ao mesmo tempo doutrinas religiosas e leis. O não cumprimento dessas leis divinas era visto tanto um pecado quanto um crime, uma vez que naquela época não havia distinção entre as duas esferas.

Atualmente, na mentalidade dos cristãos brasileiros, a não observância do preceito religioso é pecado. O crime seria a violência da lei penal do estado. O conceito de crime varia no tempo e no espaço.

Assim, o homossexualismo, a prostituição, a idolatria, a heresia, que durante tanto tempo foram considerados crimes gravíssimos aqui no Brasil – e ainda o são em certos países-, deixaram de figurar em nossas leis penais, continuando, no entanto, a merecer a rotulação de pecado por parte de alguma Igrejas. (Almeida, 2004,p.10).

Uma contradição que se observa no Brasil é a existência do que se denomina crimes invisíveis e as posturas de reivindicação por ética do brasileiro. Os crimes invisíveis seriais pequenas infrações penais como, por exemplo, portar carteira de estudante não o sendo, dirigir sem habilitação, conseguir um atestado médico falso, e até mesmo furar fila. Este último dado, que pode ser visto como uma questão de má-educação ou devido a

contingências como pressa, é somente mais um elemento que complementa a contradição entre o discurso do brasileiro e suas atitudes.

O que importa observar a título dessa pesquisa que se desenrola, porém, é que tais “pecadinhos perdoáveis” podem indicar um comportamento que condiz com a recepção empática de “malandros” no Brasil. Artefatos culturas do Brasil expressam essa “Cultura da malandragem.” Um exemplo é a letra da música de Bezerra da Silva, a qual fez parte da trilha musical da novela Caminho das Índias, exibida pela Rede Globo de televisão no ano de 2009. A música tema de um dos personagens da novela reforça-se como um ícone da apreciação do chamado malandro ao ser relacionado com tal personagem da história (César, interpretado pelo ator Antônio Calloni):

E malandro é malandro e mané é mané Podes crer que é

E malandro é malandro e mané é mané Podes crer que é

Malandro é o cara que sabe das coisas Malandro é aquele que sabe o que quer Malandro é o cara que ta com dinheiro E não se compara com um Zé Mané Malandro de fato é um cara maneiro E não se amarra em uma só mulher

Já o Mané ele tem sua meta Não pode ver nada que ele cagueta Mané é um homem que moral não tem Vai pro samba paquera e não ganha ninguém Está sempre duro é um cara azarado

E também puxa saco pra sobreviver Mané é um homem desconsiderado

E da vida ele tem muito que aprender17

Ressoa substancialmente aos ouvidos ou à mente de quem ouve ou lê a música/letra a correlação que se estabelece entre ser honesto e ser bobo.

O objetivo nesse estudo não consiste em explanar sobre a malandragem. As observações expostas apenas contextualizam uma cultura que flerta com infrações, as quais podem soar cômicas e até reacionárias por parte do público que consome tais artefatos ou por parte dos indivíduos que convivem com estes comportamentos escusos dos brasileiros.

Outro ponto observável no Brasil é um fato para o qual Almeida (2004) chama a atenção, dizendo sobre algo que na criminologia crítica é chamado de seletividade do sistema penal:

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não são todos os que praticam crimes que são punidos, quase sempre, a clientela selecionada para a punição são as pessoas pertencentes às classes sociais menos favorecidas, ou melhor, os pobres. O número de crimes praticados pelos mais favorecidos economicamente (classe média e alta) é, ressalta Almeida, provavelmente, bem superior e causa um prejuízo bem maior à sociedade se comparado ao crime dos chamados excluídos. Pode-se observar o problema da seletividade no momento em que o denominado crime de corrupção acontece cotidianamente no país, mas o número de pessoas condenadas aproxima-se de zero. Em pesquisa realizada pela Transparency International (uma ONG), o Brasil foi classificado como o 17° pais mais corrupto do mundo.18 O autor ressalta o problema de atribuir demasiado valor a esse tipo de pesquisa, considerando a dificuldade inerente à pesquisa de crimes. Todavia, os percentuais de condenações são muito baixos.

Alessandro Baratta ensina que há dois processos de criminalização:

A) A criminalização primária, que se verifica no próprio sistema penal abstrato, ou seja, na

criação dos tipos penais;

B) A criminalização secundária, exercida pelos órgãos oficiais encarregados da persecução

penal, que agem de maneira preconceituosa com relação a pessoas pertencentes aos estratos sociais menos favorecidos, às quais dirigem predominantemente a sua atenção. (Almeida, 2004, p. 28)

A seletividade do sistema penal não é um problema somente brasileiro, ocorrendo nos Estados Unidos da América situação semelhante. A Anistia Internacional tem feito denúncias sobre o uso da pena capital como um instrumento de discriminação social.

A criminalidade dos pobres causa pânico nas pessoas em geral por ser mais próxima em termos concretos de sua realidade, por ser mais tangível e visível: furtos, roubos, homicídios. Outros crimes como desvio de dinheiro publico, lavagem de dinheiro afetam estruturalmente o país, mas não há um medo nas interações cotidianas entre as pessoas. Tal fato não retira o acontecimento da onda de revolta na população diante do índice de criminalidade de centros urbanos como o Rio de Janeiro e são Paulo. Pessoas clamam por segurança e leis mais severas. Muitos se dizem a favor da pena de morte.

A instigação desse trabalho está numa suposta contradição, em que a figura fílmica bandido, causadora de medo, não dança na cadência da concessão comercial, geradora de virtuosismos estilísticos. Uma contradição ligada ao comportamento do brasileiro que,

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ALMEIDA, G. O crime nosso de cada dia: Entendendo como o Brasil trata o crime e o criminoso. :Niterói, RJ: Impetus, 2004.

amedrontado, chama por justiça contra criminosos, sente empatia pelo bandido na sala de cinema e comete crimes invisíveis.

O fazer uma sociologia cultural é fomentado pela ânsia em fincar os pés no chão e embeber-se de cultura brasileira.

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