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O Capitalismo Industrial

No documento Paula Angela de Figueiredo e Paula (páginas 35-42)

1. O CAPITALISMO E A ESTRUTURA DE SEUS DISCURSOS

1.4 O Capitalismo Industrial

Ao mesmo tempo em que uma ciência em seu ideal de neutralidade legitimava ideologicamente o modo de produção capitalista defendendo que o avanço científico e sua aplicação sistemática à produção levariam a um progresso social, também apresentava pela primeira vez na história os problemas e contradições da ordem social estabelecida há séculos com suas evidentes desigualdades.

O capitalismo industrial inicia-se no século XVIII, quando a Europa passava por uma mudança significativa no que se refere ao sistema de produção. Este beneficiou diretamente a burguesia da Inglaterra ao conceder maiores liberdades para empreender acordos diplomáticos e articular os diversos setores da economia britânica ao interesse das atividades comerciais. Pela primeira vez as autoridades monárquicas estiveram submetidas ao interesse de outro poder com forte capacidade de intervenção política.

Não é por acaso que foi nesse mesmo lugar que o capitalismo passou a ganhar novas forças com a Revolução Industrial, fortalecendo o sistema capitalista e solidificando suas raízes na Europa e em outras regiões do mundo. A Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, encerrando a transição entre feudalismo e capitalismo na medida em que a economia se ampliava para além do estágio agrário, cujo meio de produção mais relevante era a terra. A fase de acumulação primitiva de capitais, característica do período mercantil, se encerra, completando ainda o movimento da revolução burguesa iniciada na Inglaterra no século XVII. O capitalismo mercantil, eminentemente de

produção e acumulação, dará lugar ao capitalismo industrial e a uma sociedade de consumidores.

Com a Revolução Industrial11, houve um enorme impacto sobre a estrutura da sociedade, pois se deu a substituição da energia humana pela energia motriz e do modo de produção doméstico pelo sistema fabril. Esse processo de transformação foi acompanhado por notável evolução tecnológica, o que fez com que a produção agrícola e industrial aumentasse em escala geométrica.

Se no século XVI todas as atividades que não fossem rurais eram consideradas “estéreis” do ponto de vista econômico, na época da Revolução Industrial aparecia outro fator de produção: o capital, aqui entendido como o conjunto do equipamento fixo que permite a produção. Adam Smith (1983 apud NUNES, 2007) é fruto de uma realidade claramente diferente da realidade econômica e social da França dos fisiocratas, na qual só o trabalho agrícola se configura como trabalho produtivo, ou seja, capaz de produzir um produto líquido. Essa extensão do “poder produtivo do trabalho” fez com que Adam Smith se apercebesse de que na agricultura os rendeiros arrecadavam um rendimento que não era um salário, e compreendeu que esse rendimento não se confinava apenas à agricultura, pois surgia agora de forma clara na indústria, atividade em que o capital vinha encontrando o seu mais amplo campo de aplicação. Isso fez com ele teorizasse outra categoria de trabalho para além das várias formas de trabalho concreto que se encontram na vida real. O trabalho abstrato, “embora possa tornar-se suficientemente inteligível, não é de modo algum tão natural e óbvio.” (SMITH, 1983 apud NUNES, 2007, p. 57).

De acordo com Nunes, Adam Smith se deu conta de que seria necessária uma teoria

do valor-trabalho, ligando a teoria do valor ao trabalho em geral, entendido como a origem e a medida do valor. Nunes diz que essa foi uma novidade teórica particularmente importante, reconhecida por Marx como sendo o “ponto de partida da economia moderna” (2007, p. 57).

11 Pinto (2002, p. 89) entende que esta não é a mais correta denominação para definir este processo contínuo de transformações sócio-econômicas. Isso porque se entende por revolução a transformação radical, brusca, enquanto a chamada Revolução Industrial engloba “vários surtos de mudanças decorrentes de sua própria acomodação”, usualmente conhecidos como fases. De acordo com Robsbawn (1996), a primeira aconteceu com a transformação econômica advinda da tecnologia do vapor, que configurou o capitalismo mercantil no estágio agrário. A segunda, advinda da tecnologia do carvão, inaugurou o capitalismo industrial e deu fim ao feudalismo; e, a terceira, provocada pela tecnologia digital, que favoreceu o capitalismo financeiro ou capitalismo monopolista do Estado iniciado no século XX e intensificado a partir da década de sessenta. De acordo com Santos (2005), essa fase tem no sistema bancário, nas grandes corporações financeiras e no mercado globalizado, as molas mestras de desenvolvimento. Santos (2005, p. 79) sugere provisoriamente como sendo o período de um capitalismo desorganizado, uma designação que ele próprio considerava inadequada, mas sugestiva da “natureza profunda das transformações em curso nas sociedades capitalistas”.

De acordo com Nunes (2007), Smith analisa a sociedade capitalista e observa que a estrutura social é basicamente dividida em duas classes sociais: uma classe laboriosa, desprovida de capital, que têm apenas de seu “a sua força e habilidade de mãos” e os

proprietários do capital, que, por disporem de capital acumulado, estão em condições de contratar indivíduos industriosos e de se apropriarem de uma parte do valor que estes

trabalhadores produtivos acrescentam ao valor das matérias primas por eles fornecidas. Smith (1983) observa que, por vezes, acontece de um ou outro trabalhador possuir o capital suficiente, tanto para comprar as matérias-primas necessárias ao seu trabalho, como para se manter até ele se achar terminado, e para poder levar o produto do seu trabalho até ao mercado. Nessas condições, esse produtor independente “é simultaneamente patrão e operário e usufrui da totalidade do produto do seu trabalho, ou da totalidade do valor que ele acrescenta às matérias-primas sobre as quais se aplica.” Mas ele sublinha que esses trabalhadores independentes são meramente residuais nas economias e na sociedade emergente da revolução industrial, nas quais o trabalhador é uma pessoa e o proprietário do capital, que o emprega, é outra.

No início do capitalismo industrial a divisão do trabalho era ainda incipiente e provocava sérias dúvidas em pessoas ou famílias que tinham o costume de se envolver, direta ou indiretamente, na produção de quase todos os bens e serviços de que precisavam se utilizar. Adam Smith (1983) utilizou os primeiros capítulos do livro A riqueza das nações para convencer a todos das vantagens da divisão do trabalho. Foi com esse objetivo que fez uso do famoso exemplo da fábrica de alfinetes.12

12 Um operário não treinado para essa atividade (que a divisão do trabalho transformou em uma indústria específica) nem familiarizado com a utilização das máquinas ali empregadas (cuja invenção provavelmente também se deveu à mesma divisão do trabalho), dificilmente poderia talvez fabricar um único alfinete em um dia, empenhando o máximo de trabalho; de qualquer forma, certamente não conseguirá fabricar vinte.

Entretanto, da forma como essa atividade é hoje executada, não somente o trabalho todo constitui uma indústria específica, mas ele está dividido em uma série de setores, dos quais, por sua vez, a maior parte também constitui provavelmente um ofício especial. Um operário desenrola o arame, um outro o endireita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete; para fazer uma cabeça de alfinete requerem-se 3 ou 4 operações diferentes; montar a cabeça já é uma atividade diferente, e alvejar os alfinetes é outra; a própria embalagem dos alfinetes também constitui uma atividade independente.

Assim, a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproximadamente 18 operações distintas, as quais, em algumas manufaturas são executadas por pessoas diferentes, ao passo que, em outras, o mesmo operário às vezes executa 2 ou 3 delas. Vi uma pequena manufatura desse tipo, com apenas 10 empregados, e na qual alguns desses executavam 2 ou 3 operações diferentes. Mas, embora não fossem muito hábeis, e, portanto não estivessem particularmente treinados para o uso das máquinas, conseguiam, quando se esforçavam, fabricar em torno de 12 libras de alfinetes por dia.

Ora, 1 libra contém mais do que 4 mil alfinetes de tamanho médio. Por conseguinte, essas 10 pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48 mil alfinetes por dia. Assim, já que cada pessoa conseguia fazer 1/10 de 48 mil alfinetes por dia, pode-se considerar que cada uma produzia 4.800 alfinetes diariamente. Se, porém, tivessem trabalhado independentemente um do outro, e sem que nenhum deles tivesse sido treinado para esse ramo de atividade, certamente cada um deles não teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia, e talvez nem

Waslander (1996) observa que a divisão social do trabalho é originada a partir da propensão do homem à troca, e não da decisão humana de gerar riquezas. Segundo o próprio Adam Smith, as diferentes necessidades humanas é que fazem com que as trocas sejam necessárias. Sem a ajuda e cooperação de muitos milhares não seria possível prover as necessidades nem mesmo de uma pessoa de classe mais baixa de um país civilizado, por mais que imaginemos – erroneamente – ser muito pouco e muito simples aquilo de que tais pessoas necessitam. Nas palavras de Adam Smith (1983), como é o poder de troca que leva à divisão do trabalho, a extensão dessa divisão deve sempre ser limitada pela extensão do mercado, pois, quando o mercado é muito reduzido, ninguém se sente estimulado a dedicar-se inteiramente a uma ocupação que ultrapassa seu consumo pessoal pela parcela de produção do trabalho alheio, da qual tem necessidade.

Numa sociedade assim concebida, em que os trabalhadores estão separados das condições objetivas da produção e pela divisão social do trabalho, seu próprio trabalho apresenta-se como uma mercadoria que se troca diretamente por outra mercadoria. Para Adam Smith, todo o valor é criado pelo trabalho vivo, deduzindo-se desse valor o montante do lucro e da renda que não vai pertencer aos trabalhadores. O trabalho necessário para produzir uma mercadoria cria um valor que é superior ao montante dos salários pagos aos trabalhadores. Essa diferença é o excedente que vai ser distribuído em rendas e lucros, e não é difícil ver aí o embrião do conceito de mais-valia de Marx.

É importante observar que a primeira fórmula serve de meio a um fim situado fora da circulação, que está ligado à apropriação de valores-de-uso, à satisfação de necessidades. Mas a circulação de dinheiro como capital, ao contrário, tem sua finalidade em si mesma, pois a expansão do valor só existe nesse movimento continuamente renovado. Por isso, “o movimento do capital não tem limites” (MARX, 1988, p. 171). Mészáros (2007) nos lembra de que a tendência do capital sempre foi de expansão e globalização, porque o sistema por natureza, tal como havia advertido Marx, não admite limites.

No capítulo III do livro II, Adam Smith define o que é trabalho produtivo e improdutivo. Basicamente o primeiro é o “que se fixa e corporiza-se em qualquer objeto particular ou mercadoria vendável que dura, pelo menos, durante algum tempo após a conclusão do trabalho [...], como se armazenasse certa quantidade de trabalho para ser utilizada, se necessário, em qualquer outra ocasião” (SMITH, 1983). A ideia que emerge com mesmo 1, ou seja: com certeza não conseguiria produzir a 240ª parte, e talvez nem mesmo a 4.800ª parte daquilo que hoje são capazes de produzir, em virtude de uma adequada divisão do trabalho e combinação de suas diferentes operações.

mais força parece ser a que identifica o trabalho produtivo com o trabalho que origina valor, ideia que se casa perfeitamente com aquela outra segundo a qual o trabalho abstrato é a única fonte de valor.

Trabalho improdutivo está ligado aos serviços pessoais e domésticos que eram, em regra, consumos de luxo. Esse trabalho, segundo Adam Smith,

Não produz qualquer valor, não se fixando nem corporizando em qualquer objeto durável ou mercadoria vendável que continue a existir uma vez terminado o trabalho e que permita adquirir, mais tarde, com igual quantidade de trabalho. (SMITH, 1983, p. 582).

Em consonância com essa concepção, Smith (1983) sustenta que os trabalhadores improdutivos são consumidores puros (tal como os proprietários de terras), uma vez que se mantêm consumindo “uma parte do produto anual da atividade dos outros indivíduos.” Dentro dessa mesma lógica, advoga a ideia segundo a qual os salários dos trabalhadores produtivos desempenham uma função de capital, enquanto que a parte da riqueza utilizada na manutenção de trabalhadores improdutivos é retirada do capital, passando a fazer parte da riqueza destinada ao consumo imediato. Notemos que aqui a noção de valor ainda estava ligada à realidade prática da produção de objetos materiais.

Na introdução de A riqueza das nações, Smith refere-se ao trabalho produtivo como sinônimo de trabalho útil, embora mais tarde vá considerar que os serviços prestados pelos trabalhadores improdutivos podem ser úteis e até necessários. Como salienta Nunes (2007), Adam Smith marca a diferença entre a sociedade capitalista e a pré-capitalista, observando que a tendência da primeira é a de maximizar o lucro e acumular capital para o crescimento da riqueza. Nas economias pré-capitalistas a produção destinava-se à satisfação de necessidades: ou pelo consumo dos bens que cada um produz, ou por troca de uma parte desses bens por outros que esse indivíduo não produz, mas de que igualmente carece. A troca (direta ou monetária, servindo a moeda como simples intermediário nas trocas) visava apenas proporcionar a cada interveniente uma satisfação mais adequada das necessidades, mediante a obtenção de um valor de uso maior do que aquele que se dá. Na economia capitalista, o processo se assenta na iniciativa dos capitalistas que dispõem de dinheiro acumulado e o utilizam na compra de força de trabalho e de meios de produção, com vistas à produção de

mercadorias que se destinam à venda no mercado, para obter mais dinheiro do que aquele que utilizaram.13

Smith observa que as tentativas de impor ordem ao sistema econômico por meio do poder político do Estado acabavam gerando não tanto a ordem sonhada, mas discórdia, ineficiência e confusão. O Estado não é capaz de dispor os diferentes membros de uma grande sociedade com a mesma facilidade com que a mão dispõe as diferentes peças sobre um tabuleiro de xadrez, porque no grande tabuleiro de xadrez da sociedade humana, cada peça tem por si mesma um princípio de movimento que lhe é próprio e inteiramente distinto daquele que o poder legislativo do Estado poderia decidir imprimir.

Smith chamou a atenção para os efeitos positivos da ação do mercado como sendo outro tipo básico de resposta ao problema da coordenação das ações dos agentes econômicos numa dada sociedade. Smith alicerça a sua filosofia social na confiança no sistema de liberdade natural e a aceitação da justiça realizada pela “mão invisível”14. Enquanto a ordem imposta de fora pelo Estado conduz à desordem, a desordem aparente do mercado conduz ao seu oposto. Ela geraria não mais desordem, mas uma ordem espontânea e constituída de dentro pelo próprio entrechoque anárquico das partes.

Como observou Adam Smith (1983) cada homem, desde que não viole as leis da justiça, fica perfeitamente livre para perseguir seu próprio interesse a sua maneira, e colocar sua diligência e seu capital em competição com os de qualquer outro homem. Nas economias capitalistas,

Seja qual for a parte da sua riqueza que um homem empregue como capital espera que ela lhe seja sempre restituída com um lucro; aquele que dispõe de riqueza acumulada “só aplica capital numa indústria com vista ao lucro”, o que significa que o titular do capital “não teria qualquer interesse em empregar indivíduos industriosos se não esperasse obter, com a venda do seu trabalho, um pouco mais do que o necessário para reconstituir a sua riqueza inicial; e não teria qualquer interesse em empregar um maior número de bens, de preferência a um volume menor, se os lucros que aufere não fossem proporcionais ao volume do capital empregado. (SMITH, 1983, p. 148-149).

13 “Logo que começa a existir riqueza acumulada nas mãos de determinadas pessoas algumas delas utilizá-la-ão naturalmente para assalariar indivíduos industriosos a quem fornecerão matérias-primas e a subsistência, a fim de obterem um lucro com a venda do seu trabalho, ou com aquilo que esse trabalho acrescenta ao valor das matérias-primas. Ao trocar-se o produto acabado por dinheiro, por trabalho ou por outros bens, numa quantidade superior a que seria necessária para pagar o preço das matérias-primas e os salários dos trabalhadores, parte dela tem de constituir os lucros do empresário do trabalho, que arrisca o seu capital nesta aventura. O valor que os trabalhadores acrescentam às matérias-primas consistirá, portanto, nesse caso, em duas partes, uma das quais constituídas pelos respectivos salários, a outra pelos lucros do patrão, relativos ao volume das matérias-primas e salários por ele adiantados” (SMITH, 1983, p. 148-149).

14 “Mão invisível” é o termo inventado por Adam Smith para descrever como numa economia de mercado, apesar da inexistência de uma entidade coordenadora do interesse comunal, a interação dos indivíduos parece resultar numa determinada ordem, que os organizem e orientem.

À luz dessas afirmações, fica claro que o objetivo da produção deixa de ser a obtenção, por troca com os bens produzidos, de outros bens diferentes com valor de uso diferente, mas sim a expansão quantitativa do valor de troca. Adam Smith explicou a acumulação do capital (bem próximo do que pensava Locke) com base nas qualidades dos homens. No início, todos têm a mesma probabilidade (e o mesmo direito) de enriquecer. Mas verdade é que uns são trabalhadores (industriosos), frugais (parcimoniosos) e inteligentes, enquanto outros são indolentes (preguiçosos), perdulários e incapazes de gerir bem o dinheiro que ganham. Assim se explicaria que uns sejam ricos e outros não. Na última categoria de pessoas incluíam-se os trabalhadores que, por “culpa” sua, nunca poderiam ser ricos. Ao longo do século XVIII, a tese tão difundida da preguiça natural das classes trabalhadoras (o próprio Adam Smith fala da “tendência para a preguiça nos pobres”) esteve ao serviço dessa “justificação.”15

O raciocínio em Adam Smith é muito simples: o operário traz a sua força de trabalho, recebe o seu salário, e o capitalista entra com o capital, e recebe o lucro. Cada um tem acesso a uma parte do produto, segundo o seu aporte, no quadro da nova “justiça.” Da maneira como teoriza Smith, fica parecendo que o capitalismo foi um sistema que se instalou “naturalmente”, como se apontasse para uma evolução da sociedade. Ora, as coisas não deixam de ser justas apenas quando um contingente de trabalhadores começou a ter que vender sua força de trabalho por preços que mal garantiam a sua subsistência, porque havia um número superior de trabalhadores em relação ao número de vagas disponíveis no mercado. Marx (1988) demonstra com todas as letras e provas históricas que a passagem do feudalismo para o capitalismo não foi natural, mas atravessada pela força, pelo sangue e pelo terror. Cito- o:

Os expulsos pela dissolução dos séquitos feudais e pela intermitente e violenta expropriação da base fundiária, esse proletariado livre como os pássaros não podia ser absorvido pela manufatura nascente com a mesma velocidade com que foi posto no mundo. Por outro lado, os que foram bruscamente arrancados de seu modo costumeiro de vida não conseguiam enquadrar-se de maneira igualmente súbita na disciplina da nova condição. Eles se converteram em massas de esmoleiros, assaltantes, vagabundos, em parte por predisposição e na maioria dos casos por força das circunstâncias. Daí ter surgido em toda a Europa ocidental, no final do século XV e durante todo o século XVI, uma legislação sanguinária contra a vagabundagem. Os ancestrais da atual classe trabalhadora foram imediatamente punidos pela transformação, que lhes foi imposta, em vagabundos e paupers. [...] Assim, o povo do campo, tendo sua base fundiária expropriada à força e dela sendo

15 Sendo a riqueza vista como uma bênção de Deus, como nos lembra Nunes (2007), justificava-se que os pobres fossem tratados da mesma forma que os criminosos e os vagabundos. Locke tinha a mesma concepção e reflete o que Marx (1988) comentou sobre a acumulação original desempenhar na economia política aproximadamente o mesmo papel que o pecado original na teologia.

expulso e transformado em vagabundo, foi enquadrado por leis grotescas e terroristas numa disciplina necessária ao sistema de trabalho assalariado, por meio do açoite, do ferro em brasa e da tortura. (MARX, 1988, p. 275).

O problema na definição de quem produz o capital, visto nesse caso como o equipamento de propriedade do capitalista, não é tratado em Smith como em nenhum outro

No documento Paula Angela de Figueiredo e Paula (páginas 35-42)