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CAPÍTULO II Os Principais Conceitos da Investigação

7. Violência Escolar e Mudança Social

7.1 O conceito de violência

A definição de violência, tanto do ponto de vista epistemológico, como acerca das características do ato de violência é uma matéria complexa e analisada segundo diversas perspetivas ou áreas do conhecimento. Neste âmbito, também não existe uma definição consensual dos vários autores. Acresce que há diferentes significações que podem caracterizar a violência, nomeadamente agressividade, crueldade, maldade, agressão, conflito, entre

outras, pelo que importa compreender, também neste estudo, um pouco melhor estes conceitos.

Poder-se-á problematizar, a tentativa de definir um conceito abrangente e perspetivado pelos cientistas sociais de diferentes formas. No entanto considera-se que precisamente por estas razões importa fazer alguma precisão terminológica. Pese embora este risco assumido, de deixar de lado outras perspetivas igualmente importantes, acerca do significado da palavra violência referem-se, algumas expressões utilizadas.

Segundo (Lorrain 1999:16) na evolução do conceito de violência podem considerar-se dois eixos fundamentais: o primeiro foi defendido por Durkheim (1858-1917) e afirma que o professor (educador) para assegurar o ensino/aprendizagem deve fazer prova da autoridade com recurso à violência. Esta prática era considerada normal, como fazendo parte do ensino e foi uma conceção dominante, desde a antiguidade, até ao século XIX; o segundo eixo consiste numa revolta dos estudantes contra a instituição escolar que assumiu várias formas em vários períodos da história.

Ao longo da história são vários os exemplos de uma educação das crianças e dos jovens baseados na força física. A história da educação escolar remonta ao século VI antes de Cristo, na Antiguidade Clássica, nomeadamente na Grécia, onde a educação das crianças e jovens tinha como valor fundamental o seu endurecimento, embora a educação fosse reservada a uma minoria.

A moral da igreja recomendava, também uma severidade na educação das crianças para as preservar da maldade (taras). Esta visão foi denunciada por um pedagogo holandês, no século XV que afirmava que “uma escola parecia uma prisão; são tantos os choros e gemidos sem fim” (op.cit.). Desta forma, a violência nas escolas fazia parte de um ritual de socialização e de entrada dos jovens na vida adulta. Aprendia-se a manusear as armas, a combater as aldeias vizinhas e a proteger os filhos contra os que pretendiam invadir a aldeia ou vila. Nessa época, a violência era uma forma de assegurar a sobrevivência do grupo, através do sacrifício dos seus membros criando-se, ao mesmo tempo uma coesão social.

No século XVI assistiu-se a uma mudança na conceção sobre a educação. Alguns dos principais humanistas, nomeadamente Erasmus (1467-1483), Rabelais (1494-1553) e Montaigne (1533-1592) criticaram o ensino baseado na teologia considerando-se a

aprendizagem um domínio emocional e não racional. Insistiram na ideia de que o aluno deve sentir-se bem com o seu mestre que o deve escutar.

Mais tarde, no século XVIII, os filósofos do iluminismo ao desenvolvem um interesse crescente pela educação contribuíram de uma forma decisiva para a formação dos cidadãos. Neste âmbito Rousseau (1712-1778) colocou a criança no centro das atenções e considerações pedagógicas, defendendo que o mestre deve ter em conta a especificidade do seu aluno com quem deve dialogar, sem violência e assegurar que recebe uma educação moral, intelectual e manual. No entanto, no século XIX, ainda se recorria à violência nas escolas francesas, apesar destes avanços humanizantes no tratamento dos alunos.

A industrialização dos países europeus iniciada no século XVIII, em Inglaterra desenvolveu a economia europeia. As indústrias, os serviços, as empresas necessitavam, cada vez mais de uma mão de obra qualificada e especializada. Neste âmbito, no século XIX e XX, os governos promoveram políticas públicas de formação e qualificação dos recursos humanos. As políticas educativas permitiram um maior acesso das crianças ao ensino aumentando a população escolar.

A educação é uma das principais prioridades das políticas públicas desenvolvidas pelos Estados modernos, sendo um aspeto fundamental do desenvolvimento social, económico e de cidadania. A cidadania é uma conquista da democracia que se baseia nos direitos humanos. A conceção autoritária e de punição física dos alunos nas escolas foi-se alterando, no sentido de uma escola democrática, onde os direitos devem ser respeitados.

Em Portugal, a legislação produzida sobre esta matéria, nos sucessivos governos exprime uma conceção de autoridade democrática, nem sempre de fácil aplicação prática no quotidiano escolar. As leis mudam constantemente e o papel do professor tem um maior escrutínio dos pais, alunos e outros elementos da comunidade educativa.

O interesse acerca do tema da violência escolar, no sentido de se adotarem algumas medidas, com vista a uma diminuição deste problema pressupõe a ideia de segurança dos jovens e dos cidadãos, em geral. Neste âmbito, faz parte de uma política de proteção da juventude e da sociedade, pelo que este problema não se limita, apenas às iniciativas das escolas, mas articula-se com outras instituições de segurança nacional, nomeadamente as polícias e os tribunais (Guillotte 1999; Hayden & Blaya 2002). A conjugação de esforços de várias entidades existe, tanto no que respeita à quantificação do problema, através de dados

estatísticos, como de medidas políticas de educação e segurança nas escolas. Algumas das medidas que se podem salientar, são as seguintes: o reforço da segurança nas escolas, com agentes de segurança nas imediações, medidas legislativas de reforço da autoridade dos professores, medidas de penalização dos pais dos alunos através de multas, entre outras.

Nalguns países europeus e não-europeus onde objetivamente se têm revelado graves incidentes de violência escolar, os cidadãos têm uma impressão de insegurança quase generalizada, pelo que o reforço das leis visa uma “tolerância zero” aos comportamentos de risco nas escolas. O sentimento de insegurança que se vive em muitas sociedades pode, também influenciar os julgamentos acerca dos comportamentos das outras pessoas, em função do sentimento que se tem.

Os comportamentos violentos, nomeadamente de delinquência juvenil, são comportamentos de infração considerados com gravidade e que violam as normas instituídas por uma determinada sociedade, pelo que estão sujeitos à aplicação de sanções e penas como forma de garantir a ordem social.

Nos estabelecimentos de ensino ocorrem diversos tipos de comportamentos dos alunos, podendo ser considerados de menor ou maior gravidade. A classificação dos comportamentos dos alunos nas escolas pode ter uma componente subjetiva, nomeadamente tendo em conta o perfil dos profissionais que os analisam. Neste âmbito, por exemplo um profissional de justiça fixa critérios do âmbito legal, os profissionais de saúde estabelecem critérios médicos e profiláticos, os profissionais da educação privilegiam critérios desenvolvimentais e ideológicos. Uma outra forma de se posicionar sobre os comportamentos de violência escolar consiste, fundamentalmente em se compreender, sem aparentemente tomar partido escutando como uns e outros têm representações sobre este fenómeno (Guillote 1999:5). No que respeita à primeira perspetiva, uma das posições mais extremas é precisamente a dos profissionais da justiça-polícia que adotam preferencialmente uma aceção penal da violência. Para eles, são os critérios legais de delinquência que presidem à classificação do ato violento (Duglery 1994; Moreau 1994 cit in Guillotte 1999:6). Deste modo, a classificação de um ato de delinquência juvenil é uma tarefa complexa que exige uma explicação dos critérios que lhe estão subjacentes. Segundo Amado & Estrela (2007:339) um ato delinquente “consiste numa infração criminosa prevista no Código Penal, mas praticada por menores”. Mas a delinquência tem outras expressões mais frequentes, embora menos aparatosas: vandalismo, roubo, violação, assédio, abordagens impróprias, etc.

A diversidade de estudos e a complexidade das variáveis, dificilmente permitem uma visão integrada do fenómeno da violência escolar. Nalguns estudos sociológicos, nomeadamente nos Estados Unidos (Baker, Rubel, 1980; Gottfredson 1985; Hellman, Beaton 1986; Parker 1991 cit in Guillotte 1999:9) e noutros países, nomeadamente em França (Fotinos 1995; Catarra Sicot 1996 cit in Guillotte 1999:9) desenvolveram-se inquéritos quantitativos de

vitimação. Neste âmbito procurou-se identificar alguns fatores de risco revelados pelos

inquiridos, de forma a traçar um perfil sobre o aluno violento, bem como propor medidas socioeconómicas para prevenir a violência escolar.

Num estudo desenvolvido em França (Catarra Sicot 1996 in op.cit.) identificaram-se alguns

fatores de risco da violência escolar: ter entre 10 e 13 anos de idade, ser do sexo masculino,

estar no 5º ou 6º ano de escolaridade, ter pais estrangeiros, ter pais divorciados, ter o pai desempregado, ter três ou mais irmãos, ser repetente mais do que uma vez, ser escolarizado numa escola onde o ambiente não é bom, onde o meio envolvente é violento, sendo a escola influenciada pela violência exterior.

A análise das causas da violência escolar dos jovens necessita de um enquadramento teórico e metodológico capaz de reduzir a complexidade, tendo em conta a diversidade de perspetivas teóricas e metodológicas existentes. Neste âmbito referem-se algumas das causas identificadas em vários estudos, nomeadamente fatores de natureza genética (Beaver et al. 2012), outros fatores de risco familiares (William & Stelko Pereira 2009-2010; Scharfe 2011). Considera-se que alguns problemas de relacionamento entre as famílias e as escolas, também podem influenciar os comportamentos dos jovens (Villas-Boas 1996, 2000; Desforges e Abouchaar 2003; Amado & Estrela 2007; Silva 2010). O grupo de amigos com características de delinquência (Formiga et al. 2007) e o ambiente com indícios de criminalidade (Gudiño et al. 2012). As características da organização e da administração escolar, também podem influenciar estes comportamentos (Debarbieux 2003).

Quanto às consequências dos comportamentos de violência dos jovens, em contexto escolar salientam-se os seguintes aspetos: ansiedade e depressão dos alunos e dos professores (Théorêt et al. 2006), insucesso escolar (Fonseca 2003; Tate 2012), comprometimento da paz social (González-Pérez & Bozo 2007); delinquência (Denault & Poulin 2012).

Os estudos psicológicos, nomeadamente no quadro clínico da psicopatologia têm contribuído para uma melhor compreensão dos comportamentos violentos dos jovens, quando se revelam

alguns sintomas psicológicos disfuncionais, nomeadamente a dificuldade em se estabelecer os limites do “eu” e do “não-eu”. Alguns destes comportamentos relacionam-se com processos de construção da identidade na infância (Chiland 1989 cit in Guillotte 1999:11). No entanto, as pesquisas sobre a violência escolar na europa, sobretudo em França têm evoluído num sentido de uma rejeição da perspetiva behaviorista colocando-se a ênfase na análise institucional e sociopolítica (Debarbieux & Blaya 2002).

A classificação de um ato violento cometido pelos alunos, pode ser sujeita a várias interpretações de natureza subjetiva, tanto ao nível teórico, como nas situações concretas. Por outro lado referem-se na literatura, também diversos conceitos, por vezes contraditórios ou complementares dificultando, em grande medida um consenso sobre esta temática. Nas escolas, os professores têm algumas dificuldades em lidar com as situações de violência dos alunos, nomeadamente quando interpretam os Regulamentos Internos, em virtude de que pressupõe um julgamento de valor ou uma referência às normas e/ou princípios éticos. Neste âmbito, segundo (Guillotte 1999:7), importa compreender se a conceptualização sobre a violência, do ponto de vista valorativo se pode traduzir, apenas numa noção por analogia ou no sentido real. Na literatura classifica-se a violência, segundo a natureza dos comportamentos, nomeadamente física e verbal. Segundo Guillotte (op. cit.), estas designações são uma forma de se fazer uma correspondência, entre as representações sociais das pessoas e a vida real.

Os conceitos de “intimidação” e “vitimação” são bastante utilizados em pesquisas sobre a violência escolar, nomeadamente tendo em conta uma perspetiva individual. O primeiro tem evoluído num sentido diferente do original, em virtude das muitas pesquisas que têm sido feitas. Em França, o conceito de “incivilidade” tem sido usado como correspondente do conceito sociológico de “intimidação” (op. cit.). No entanto, reduzir a violência à “intimidação” e “vitimação” pode ser uma abordagem insuficiente, na medida em que o problema é abordado, apenas do ponto de vista individual. Neste âmbito, uma abordagem sobre os comportamentos violentos, não se deve restringir aos fatores individuais, na medida em que poderá haver outros fatores, nomeadamente do contexto social, da organização escolar e das famílias que podem, também explicar esses comportamentos (Debarbieux & Blaya 2002).

A “linha de fronteira” entre a indisciplina grave e a violência é, em alguns comportamentos muito ténue o que dificulta, ainda mais a definição rigorosa e consensual dos conceitos. Neste

âmbito, por exemplo o conceito de “incivilidade” é ambivalente. Neste âmbito, tanto se pode referir a comportamentos que põem em causa as regras de convivência social, nomeadamente desordens, designadamente de faltas de respeito ou seja, comportamentos com pouca gravidade (Garcia 2006), como a comportamentos violentos ou “microviolência” (Debarbieux & Blaya 2002).