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O contexto de produção dos estudos estruturalistas

O tempo situado entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, extensivos aos anos de 1960 e 1970, têm por marco a sistematização dos conhecimentos por áreas disciplinares e implicaram a construção do chamado paradigma estruturalista. Desse ponto de vista unidisciplinar resultará a “Lingüística

da Língua” ou “Lingüística Estrutural” que assegurará o estatuto de ciência aos

estudos da linguagem, implicando a mudança de tratamentos a ela dispensados, na dimensão da língua. Desloca-se, assim, o foco até então centrado numa sociologia de caráter filosófico, histórico e humanista para aquele de caráter a-histórico, que orientará estudos no campo da linguagem, o que resultou na eliminação de fundamentos teóricos capazes de fazer referência ou de abarcar – a categoria da totalidade histórico-social humana.

Para Jantsch (1996) esse processo de cancelamento significou o abandono de um ponto de vista multidisciplinar em favor daquele unidisciplinar, voltado para a pretensão de um discurso científico unívoco. Assim,

(...) a modernidade que seguiu este caminho científico e tecnológico esquecem aquelas, observação de Bacon, segundo as quais, quando o objeto de conhecimento for o ser humano, não é possível tratá-lo como coisa. Não posso tratá-lo como coisa. Não posso pensar que a minha metodologia, feita para dominar coisas seja eficaz e legítima nesse terreno. Mas foi exatamente isso que aconteceu a partir do século XVIII, e principalmente no século XIX e XX, quando as chamadas ciências humanas ou sociais (...) dispontaram como ciências em um contexto filosófico e ideológico dominado pelo modelo quantitativista, matematizante e fisicalista. (p.42).

Nesse contexto, a vertente filosófica voltada para temas como a angústia e a morte, fundada no princípio da transcendência e na esperança histórica, cede espaço para o pensamento cientificista racionalista do que se resultará o abandono de valores humanistas que qualificam o Iluminismo. Essa sistematização científica, segundo Goldmann (1972), implicará à ruptura entre as concepções de estrutura e função, de sorte a garantir a neutralidade da força das ações históricas que, segundo o autor, situa-se no lugar construído pelo vínculo indissociável entre essas duas concepções.

Justifica-se essa mudança como decorrente da necessidade de se atribuir aos estudos lingüísticos padrões de cientificidade, capazes de facultar o seu reconhecimento como ciência autônoma, fundamentada em princípios teórico- metodológicos próprios. As idéias de Ferdinand Saussure passam a ser revestidas de grande importância para o cumprimento desse propósito, na medida em que possibilitam promover certa ruptura entre estudos diacrônicos e sincrônicos das línguas. A dimensão sincrônica focaliza a língua num dado ponto da linha do tempo para observar e descrever a sua estrutura e funcionamento, sem que se atribua relevo a quaisquer mudanças de caráter sócio-histórico cultural pelas quais ela passou. O relevo atribuído a tais mudanças decorrentes do fato não mais centrado em um único recorte da linha do tempo qualifica a dimensão diacrônica ou histórica. Trata-se de dois campos de estudos com princípios e métodos diferentes que, segundo Robins (1983), não devem se excluir, tanto na formação da lingüística quanto na do professor de línguas.

Outra ruptura saussuriana é estabelecida entre langue e parole. A parole se refere aos dados imediatamente acessíveis ao observador-analista; contudo, o

seu objeto de análise é a langue – o léxico e a gramática interiorizadas pelos membros de uma dada comunidade lingüística, pois são eles que lhe facultam compreender e falar a língua da comunidade. A langue é, agora, concebida como um sistema social imune a mudanças individuais, decorrentes da parole, pois todas as mudanças são previstas pelo sistema lingüístico, independente do homem, da sua história.

Postula Saussure que a langue – objeto de estudos do lingüista – deve ser tratada por um ponto de vista sincrônico: descrita como um sistema léxico-gramatical inter-relacionado e não como um conglomerado de entidades autônomas. Assim, cada elemento lingüístico dever ser definido em relação uns com outros, e jamais de modo absoluto. Nessa rede de inter-relações esses elementos são identificados pelas suas respectivas posições no sistema e não pelas suas substâncias, ou seja, na dimensão da fala. Numa dimensão sincrônica, essa rede deve ser considerada por dois eixos:

a) o paradigmático ou associativo – aquele referente aos sistemas de categorias, em que os elementos são considerados por uma perspectiva contrastiva; por meio da qual é possível diferenciar, por exemplo, o verbo do nome, tornando como parâmetro a diferença de flexão entre ambos:

1) Eu secretario a reunião.

2) O secretário da reunião fui eu.

O contraste entre “secretario” e “secretário” estabelecido na dimensão paradigmática é dado imediatamente pela mudança de tonicidade: secretario X

secretário que incide, respectivamente, sobre a sílaba “-ri”, e do “ta” garantindo o

reconhecimento da categoria do verbo em oposição à categoria do nome. Nesse caso, a tonicidade funciona como morfema: traço distintivo das categorias nominal em oposição à verbal, indicando que se trata de duas palavras distintas que exercem funções distintas no eixo sintagmático: o nome poderá exercer as funções

de sujeito ou de objeto; o verbo responderá pela construção do predicado verbal, para o qual se exige um complemento: a reunião.

O mesmo ocorre com as formas pronominais “nós”, “vós” e “nos”, “vos”, em que o acento tônico é traço distintivo para estabelecer entre eles oposição e se poder classificá-los como pronome do caso reto ou do caso oblíquo: os primeiros exercem a função de sujeito, os segundos de complemento. Mas, nesse caso, não há mudança de categorias, e sim de função, pois a distinção se remete à posição dessas pessoas do discurso, no mundo da vida: “o nós” e “o vós” focalizam aqueles que produzem ou desencadeiam a ação descrita pelo verbo, ou seja, são fontes dessas ações que se remetem a modos de proceder no mundo da vida – Nós iremos

ao cinema: “nós” = sujeitos da decisão (eu+tu+ ele ou ela). Já o “nos” e o “vos”

focalizam aqueles que não desencadeiam a ação descrita pelo verbo, mas que são alvos da mesma: Leve-nos ao cinema. Nesse caso o “nos” (eu+tu+ele ou ela), na posição de objeto se faz dependente do exercício da ação de outrem: aquele a quem se dirige para pedir que “leve” a si e a outros ao cinema. Embora queira ir, não pode desencadear tal ação, e ciente dessa sua condição de ser incapaz de deliberar, pede.

Por conseguinte, a oposição deixa de ter marcas formais e se circunscreve à função decorrente da posição desses elementos pronominais na estrutura da frase, de modo a fazer remissão à posição no mundo da vida. Mas esse tipo de oposição não é objeto de estudo dos estruturalistas, visto que o aspecto formal é sempre o objeto por eles privilegiado. Desta feita, a oposição entre, por exemplo: “O

secretário e/ou a secretária da reunião” é dada pela oposição, no eixo sintagmático

entre o uso do artigo “o” em contraste com o artigo “a”, pois os morfemas “a” e “o” dos sufixos “-ria” e “-rio” são vogais temáticas: insere tais vocábulos na categoria do nome. Desta feita, a flexão de gênero é sintagmática. (MATTOSO,1972).

b) o sintagmático – aquele referente à ordenação seqüencial dos elementos no enunciado. Nesse caso, em se considerando que a língua portuguesa é sintagmática – razão porque a ordem dos elementos constitutivos de seus

enunciados determinarem a identidade dos nomes em relação ao verbo, ou vice- versa – tem-se a oposição nome X verbo entre secretária, secretaria e secretário. Já a oposição entre A secretaria da empresa e A secretária da empresa não é estabelecida em função da ordem, pois as duas designações não se diferenciam quanto à ordem ou posição, no enunciado frasal. Desta feita, podem exercer a mesma função, como por exemplo, a de sujeito ou de objeto, razão por que a oposição paradigmática prevalece para se reconhecê-las como duas designações distintas, capazes de exercer a mesma função.

Observa-se, nas explicitações acima, que o modelo teórico saussuriano é construído pela dualidade fundada no princípio da pertinência: langue x parole;

sincronia x diacronia; paradigma x sintagma, de modo a precisar o objeto de estudo

do lingüista. Este deve se ocupar apenas como os elementos pertinentes ao sistema da langue: aqueles que se explicitam pela regularidade e não pela variação e, essa será objeto de estudos da sócio, da psico e da etnolingüística. Ao lingüista cabe descrever os elementos do sistema e suas regras combinatórias, por uma perspectiva sincrônica e não diacrônica, considerando o fato de a langue ser social e a parole individual, logo, a langue formaria um código social único, composto de regras invariantes que compete ao lingüista descrever. Abandona-se, portanto, o campo da variação inerente às atividades de fala, ao uso desse sistema de codificação, para considerar tal sistema social.

Essa dualidade se faz extensiva ao signo lingüístico, descrito pela relação indissociável entre significante ou imagem acústica e significado ou conceito. Assim, nos exemplos trabalhados, a distinção entre secretário, secretaria e secretario é dada por imagens acústicas distintas que implicam conceitos distintos e, por essa razão, trata-se de três signos diferenciados, visto que essas formas implicam a representação de três conceitos: aquela secretária ou secretário – designação de um papel social, exercido no mundo do trabalho; secretaria = lugar em que se exercem as ações do secretariar, assim, eu secretario ou ele secretaria remetem-se à ação de secretariar reuniões, em que o “eu” ou o “ele” apontam para o exercício desse papel no mundo do trabalho.