• Nenhum resultado encontrado

ESTRATÉGIA ORGANIZACIONAIS COMPETÊNCIAS COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS

2.5 A educação corporativa

2.5.1 O contexto de surgimento

Apesar de a educação, há muito tempo, já ser considerada condição essencial para o desenvolvimento das nações, esse debate ganhou força a partir dos anos 60 do século passado, quando pesquisadores da área de Economia resolveram estudar, mais atentamente, os seus efeitos econômicos. Foi quando os formuladores da teoria do capital humano apregoaram que as competências adquiridas nas escolas aumentam a produtividade do trabalhador e facilitam os processos de mudança e de incorporação de novas tecnologias (IOSCHPE, 2004).

Schultz (1961) aponta que o valor da educação – sentido lato – consiste em aumentar as competências e habilidades das pessoas para que possam lidar com situações de desequilíbrios econômicos, de mudanças e de rupturas. A hipótese estabelecida é a de que pessoas instruídas teriam maiores possibilidades de identificar esses desequilíbrios, calcular os custos e benefícios, aproveitá-los e equacioná-los adequadamente. Assim, os maiores retornos que a economia de um país pode obter decorrem dos investimentos realizados na melhoria da qualidade de seus recursos humanos, que é conseguida pela popularização da educação. Para o autor, o nível de escolaridade é o principal fator por meio do qual se pode explicar o perfil de renda de um trabalhador.

Nelson e Phelps (1966) ressaltam que nos setores produtivos onde o nível de mudanças é baixo e as atividades são repetitivas, as competências básicas adquiridas nos níveis elementares da escola são suficientes. Entretanto, para atividades mais complexas, que envolvem mudanças e inovações constantes, não basta ser treinado para o exercício de um cargo. Nessas condições, ter educação formal de nível mais elevado aumenta a capacidade de absorção de novos métodos e tecnologias. Com efeito, nas economias avançadas, em que as

mudanças ocorrem com maior intensidade, existe a tendência de valorização das pessoas com grau mais elevado de educação, uma vez que se adaptam mais fácil e rapidamente às novas condições e exigências do trabalho (IOSCHPE, 2004).

Nas últimas décadas, com a aceleração das descobertas científicas, as mudanças rápidas nos padrões tecnológicos e o aumento da complexidade das organizações ampliaram, ainda mais, as razões que posicionam a educação como um investimento de alto retorno. À medida que cresce a complexidade do trabalho, aumenta, também, a demanda por capacidades cognitivas mais apuradas.

Estudo realizado pelo Banco Mundial em 192 países, no ano de 1995, concluiu que apenas 16% do crescimento econômico decorriam do capital físico (máquinas, instalações físicas e infraestrutura), 20% provinham do capital natural e 64% eram derivados do capital humano e social. As análises efetuadas em países que tiveram sucesso econômico, como os chamados “tigres asiáticos” e o Japão, chegaram a conclusões semelhantes. Da mesma forma, os altos investimentos efetuados continuamente em recursos humanos foram responsáveis pelos extraordinários avanços ocorridos em países de economia avançada, tais como Israel, Canadá, Holanda, Bélgica, dentre outros (KLIKSBERG, 2003, p.23).

Dado que o conhecimento se renova em períodos de tempo cada vez mais curtos, a educação deve ser permanente e, portanto, nenhum nível educacional pode ser considerado suficiente ou terminal (SOUZA, 2005). No clássico livro intitulado “O Trabalho das Nações”, Reich (1993) aponta que a ideia de que a pessoa deveria concluir seus estudos em torno dos 25 anos de idade não faz mais nenhum sentido, nas condições atuais da sociedade. Drucker (1993) argumenta que, na economia do conhecimento, a principal competência exigida pela maioria das ocupações será a capacidade contínua de aprendizagem. Kliksberg (2003) afirma que o século XXI apresenta-se, nitidamente, como a época em que a educação nunca é concluída em razão do contínuo desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Como corolário, na perspectiva do cidadão, a educação tem sido percebida como um dos bens sociais mais disputados, com grande valor utilitário para se alcançar o bem-estar social e coletivo. Aumenta, a cada dia, a crença das pessoas no sentido de que, para prosperarem materialmente e ganharem mobilidade social, dependem, cada vez mais, do seu nível educacional e da sua capacidade de adquirir e renovar conhecimentos (BRUNNER, 2002).

Apesar dessas evidências, por maiores que sejam os esforços dos Estados nacionais no sentido de aprimorar a qualidade da educação propiciada aos seus cidadãos, os sistemas formais de ensino não conseguem preparar a força de trabalho no nível de prontidão requerido pelas organizações 18.

É fato que os adultos, de um modo geral, estão ingressando no mercado de trabalho sem as competências exigidas pelos negócios empresariais. Em razão disso, as organizações precisam complementar a formação escolar e assumir o controle sobre a educação profissional de seus colaboradores, para assegurar vantagem competitiva. Por esse motivo, tem aumentado o comprometimento das empresas com o desenvolvimento das competências dos empregados e o aprendizado tem se tornado, cada vez mais, função do trabalho.

A esse respeito, Davis e Botkin (1994) afirmam que a educação propiciada pelas empresas deverá, nas próximas décadas, tornar-se a principal fonte de aquisição de conhecimento com valor utilitário para o setor empresarial.

Para Kliksberg (2003), as mudanças tecnológicas que estão acontecendo simultaneamente em múltiplas áreas – biotecnologia, informática, robótica, ciências dos materiais, comunicações, etc. – estão direcionadas para sistemas produtivos baseados nos conhecimentos das pessoas. Logo, empresas que investem na educação do seu pessoal obtêm um retorno bem maior do que aquele obtido por investimento em instalações e equipamentos. O conhecimento e a educação, que é o seu principal suporte, são fatores estratégicos para a competitividade das empresas.

Essa realidade tem exigido novos posicionamentos em relação ao processo educacional orientado para desenvolvimento das competências no espaço da empresa. Para manter uma força de trabalho com elevado potencial de agregação de valor, muitas organizações têm

18 Nos países de economia avançada (Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália, Alemanha e Espanha, dentre

outros) a formação profissional tem sido objeto de discussão permanente de governos, empresas e entidades sindicais. As negociações trabalhistas incluem a reciclagem profissional nos acordos coletivos de trabalho, como forma de mitigar os efeitos da crise de emprego, que se acentuou com o movimento de reestruturação produtiva das empresas. Avançou-se, também, no processo de certificação das competências profissionais para valorizar e reconhecer a capacitação do trabalhador. No Brasil, historicamente, a formação profissional não tem sido objeto prioritário de negociação entre o capital e o trabalho. Quanto à certificação das competências, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional instituiu o Sistema Nacional de Certificação Profissional – marco jurídico para essa questão. Embora esse sistema ainda não esteja consolidado, têm ocorrido avanços significativos no debate sobre o assunto. A esse respeito ver: Sarsur, 2007; Pujol, 1999; Merle, 1997; e Dufour, 1997.

investido no aprimoramento ou, até mesmo, na reinvenção da tradicional função de treinamento e desenvolvimento (T&D), que passou a constituir importante instrumento de renovação de conhecimentos e de construção da competitividade empresarial baseada na aprendizagem (READY et al., 1994).

Uma das consequências mais visíveis desse movimento é o crescimento exponencial das parcerias entre empresas e instituições de ensino superior (IES), públicas e privadas, para a viabilização dos treinamentos in-company, ou seja, programas desenhados para atender às necessidades específicas de cada organização. O objetivo é recorrer à expertise dessas instituições para incorporar conhecimentos e desenvolver competências associadas aos negócios. Esses programas são, geralmente, ministrados por professores e/ou consultores externos e sinalizam para o nível corporativo (VICERE e FREEMAN, 1990).

As empresas também passaram a valorizar mais os programas ofertados pelas instituições de ensino superior, sejam os cursos genéricos orientados para a formação de executivos, sejam os cursos de graduação e pós-graduação. Tanto assim, que aumentou, consideravelmente, o contingente de empregados encaminhados pelas organizações para cursar esses programas, sobretudo aqueles que se enquadram na categoria de Master of Business Administration – MBA19 (ALPERSTEDT, 2001; SIMPSON et al., 1994; VICERE, 1990).

Esse movimento fez com que muitas instituições de ensino superior, antes focadas exclusivamente na pesquisa acadêmica e nos cursos de graduação e pós-graduação, passassem a investir mais no desenvolvimento de suas escolas de negócios (business schools), para ampliar a oferta de programas educacionais desenhados em função das necessidades das empresas e dos desafios do mundo do trabalho (ALPERSTEDT, 2001).

No entanto, essas iniciativas não são suficientes para o atendimento da demanda crescente e específica das empresas. Alguns estudos revelam que a educação executiva, articulada por meio de parcerias entre empresas e universidades, ainda tem muito que evoluir e muitas organizações não estão totalmente satisfeitas com os programas ofertados (READY, et al., 1993).

19 Os MBAs são cursos de formação de executivos na área de Administração. Nos Estados Unidos, em geral,

correspondem ao grau de mestrado stricto sensu. No Brasil, a maior parte desses cursos enquadra-se na categoria de pós-graduação lato sensu – especialização (ALPERSTEDT, 2001).

O motivo mais frequentemente mencionado é que as instituições de ensino superior não conseguem desenvolver programas educacionais sintonizados com a realidade dos negócios das empresas. Especificamente no que se refere aos MBAs, segundo Neelankavil (1994), levantamento realizado com diretores de recursos humanos de empresas listadas no ranking da revista Fortune 1000 indicou que esses cursos não atendem integralmente às expectativas empresariais.

Atualmente, por motivo da crise econômica mundial que se instalou em 2008, algumas das principais escolas de negócios (Harvard e Stanford, nos Estados Unidos, Insead, na França, dentre outras) estão revendo seus modelos de cursos de administração e de MBA, para reconquistar a confiança das empresas e dos estudantes. O professor e pesquisador em administração Henry Mintzberg (2009) argumenta que esses modelos de curso, sobretudo os americanos, ensinam um processo decisório que é inapropriado para os alunos mais jovens, que representam um contingente cada vez maior dos quadros discentes desses cursos. É preciso preparar os estudantes para pensar, de forma crítica, sobre questões atuais que as empresas enfrentam no mundo dos negócios.

Para exercer um controle mais efetivo sobre o processo de aprendizagem e vincular as ações de capacitação às necessidades estratégicas dos negócios, muitas organizações têm investido na criação de suas próprias instituições de ensino. É nesse contexto que surgem as universidades corporativas, por intermédio das quais a empresa incorpora a ideia de aprendizagem contínua e foca o desenvolvimento das competências humanas demandadas pelas estratégias de negócios (MEISTER, 2005; GREESNPAN, 1999; MARGERISON, 1992).

Embora se costume mencionar que a primeira universidade corporativa da história foi implantada pela General Eletric-Crotonville, há pelo menos 50 anos, o interesse maior pelo assunto nos Estados Unidos só eclodiu na década de 1980 e, no Brasil, a partir de 1990 (MORIN e RENAUD, 2004).

Meister (2005) sintetiza as razões que contribuem para o crescimento do interesse das empresas pela educação corporativa: (i) a necessidade de a organização complementar o conhecimento adquirido pelos empregados nos sistemas tradicionais de ensino; (ii) a

volatilidade do conhecimento; (iii) o surgimento da organização enxuta e flexível, em que o colaborador tem seus papéis e responsabilidades ampliadas; (iv) a difusão dos conceitos de competência e cidadania empresarial; e (v) a emergência do chamado “trabalhador do conhecimento”, que prioriza a aprendizagem ao invés da segurança no emprego.