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O controlo dos auxílios de Estado e os poderes da Comissão Europeia

CAPÍTULO II Os Acordos Prévios sobre Preços de Transferência

5. O controlo dos auxílios de Estado e os poderes da Comissão Europeia

Embora ao TFUE não defina ao pormenor os auxílios de Estado proibidos, dúvidas não existem quanto à previsão de um princípio geral de incompatibilidade dos auxílios de Estado que assenta na necessidade de criação de um level playing field140 na concorrência interempresarial e na concorrência entre as jurisdições que compõem a União Europeia. O processo de integração do mercado único teve como resultado intensificar a repercussão dos efeitos das práticas levadas a cabo em um Estado- Membro nos outros Estados-Membros, tornando desde cedo necessário o desenvolvimento de mecanismos que evitassem a propagação de efeitos nocivos das intervenções dos Estados-Membros nas economias nacionais.

A “manutenção de um sistema de concorrência livre e não falseada constitui um dos princípios fundamentais em que se baseia a Comunidade Europeia” e a “política comunitária em matéria de auxílios de Estado desempenha neste contexto um papel vital, uma vez que é geralmente reconhecido que esses auxílios podem falsear a livre concorrência, não só porque impedem uma afetação otimizada dos recursos, mas também porque têm o mesmo efeito que as barreiras aduaneiras e outras formas de protecionismo”.141

Embora a um olhar desatento ao artigo 107.º do TFUE possa avistar apenas uma proibição, a verdade é que controlo dos auxílios de Estado não visa impossibilitar os governos dos Estados-membros de cumprirem a sua missão de incentivar o desenvolvimento empresarial, mas antes garantir que qualquer prejuízo causado por distorções ao nível da concorrência é superado pelo objetivo prosseguido por eventuais auxílios concedidos.

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De acordo o Oxford English Dictionary, level playing field define uma situação em que todos os intervenientes têm uma oportunidade justa e igual de sucesso. No âmbito fiscal esta figura é constantemente invocada como padrão a garantir pelos Estados, veja-se, a título de exemplo, as recomendações do Fórum Global da OCDE, no seu relatório intitulado Tax Co-operation 2010: Towards

a Level Playing Field. Para uma análise mais aprofundada deste conceito, cfr. SUMMERS, Lawrence H., Should Tax Reform Level the Playing Field?, NBER Working Paper, n.º 2132, 1987.

141 Comissão das Comunidades Europeias, Primeiro Relatório sobre os Auxílios Estatais na Comunidade

A existência de controlo representa ainda uma forma eficaz de assegurar o direcionamento dos auxílios públicos a áreas de interesse comum da União (v.g. energias renováveis, melhoramento e criação de infraestruturas) contribuindo não só para a minimização do impacto negativo das distorções no mercado único, mas também para a realização de objetivos sociais que beneficiem diretamente os cidadãos e empresas.

De acordo com os dados mais recentes, em 2017 os Estados-Membros despenderam cerca de 116 mil milhões de euros com a concessão de auxílios de Estado, correspondendo a 0,76% do PIB da União Europeia.142

Apesar do montante considerável de despesa associada aos auxílios, é possível verificar uma evolução positiva na atribuição dos mesmos. Com efeito, nos anos 90, cerca de 50% do montante total de auxílios concedidos pelos Estados-Membros destinavam-se ao apoio ao desenvolvimento setorial e operações de resgate e desenvolvimento, enquanto atualmente cerca de 94% do total da despesa com auxílios de Estado é destinada a objetivos de interesse comum da União, designadamente, a áreas como a proteção ambiental, investigação e inovação, entre outras.143

Embora como já referido o artigo 107.º do TFUE tenha sofrido escassas alterações ao longo do tempo, o mesmo não sucedeu com ao nível das normas de regulação e controlo dos auxílios de Estado.

Desde 1958, os Estados-Membros estão obrigados a informar a Comissão Europeia sobre quaisquer planos de atribuição ou alteração de auxílios de Estado.144

Ao abrigo do artigo 107.º, a Comissão procede, em cooperação com os Estados-Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes, propondo aos mesmos as

142 Comissão Europeia, DG da Concorrência, State Aid Scoreboard 2018: Results, trends and observations regarding EU28 - State Aid expenditure reports for 2017, 2019.

143 Ibid.

144 Comissão Europeia, DG da Concorrência, Internal Working Paper on State Aid and Tax Rulings, 2 de

medidas adequadas ao que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado interno.145

Caso a Comissão Europeia considere que determinado projeto de auxílio não é compatível com TFUE, notifica os interessados para apresentarem as suas observações e, mantendo o entendimento de incompatibilidade após essa fase, a Comissão adota uma decisão em que obriga o Estado em causa a suprimir ou modificar esse auxílio, num prazo fixado.

Quando o Estado-Membro em causa incumpre a decisão da Comissão Europeia, aquela, ou qualquer outro Estado interessado, podem recorrer diretamente aos tribunais europeus, em derrogação do disposto nos artigos 258.º e 259.º do TFUE, ou seja, sem a elaboração do parecer fundamentado que normalmente precede um recurso aos mesmos tribunais.

Os auxílios de Estado sujeitos a notificação não devem ser implementados pelos Estados-Membros antes de ser adotada uma decisão final por parte da Comissão.146 Contudo, existem certas exceções à obrigação de notificação que decorrem de derrogações regulamentares, que existem ao abrigo do artigo 109.º, do TFUE, que determina que o Conselho pode, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu, adotar todos os regulamentos adequados à execução dos artigos 107.º e 108.º e fixar, designadamente, as condições de aplicação do n.º 3 do artigo 108.º, bem como as categorias de auxílios que ficam dispensadas desse procedimento.

Encontram-se dispensados de notificação: (i) os já referidos auxílios considerados diretamente compatíveis com o mercado único, estabelecidos no artigo 107.º, n.º 2, do TFUE147

(ii) os auxílios de minimis e (iii) os auxílios horizontais (i.e., relativos a certas categorias específicas que são do interesse comum da União, por exemplo, auxílios a

145

Artigo 108.º, n.º 1, do TFUE.

146 Artigo 108.º, n.º 3, do TFUE.

147 Concretizados no Regulamento (UE) n. ° 651/2014, da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara

pequenas e médias empresas, investigação, desenvolvimento e inovação, proteção do ambiente, cultura e conservação do património, entre outros)148

.

À parte das notificações enviadas por parte dos Estados-Membros, a Comissão normalmente apenas atua perante dúvidas concretas de que uma determinada medida constitui auxílio de Estado, tendo no entanto o poder de iniciar investigações ex officio. Ademais, as empresas e os cidadãos podem também e realizar queixas junto da Comissão Europeia, caso considerem estar perante violações das regras de auxílios de Estado.

No âmbito da sua investigação preliminar a Comissão pode requerer informação adicional ao Estado-Membro implicado, com base na qual decide se existem indícios suficientes para iniciar o procedimento de investigação formal.

As investigações formais da Comissão podem ter diferentes desfechos:

i) A Comissão pode decidir que a medida em causa não constitui auxílio de Estado, autorizando a sua implementação. No âmbito fiscal, por exemplo, isto ocorre quando uma medida é considerada geral e aplicável a todas as empresas a atuar naquele Estado.

ii) A Comissão pode adotar uma decisão positiva na qual determine que embora a medida constitua um auxílio de Estado, por realizar um interesse definido no TFUE, os seus efeitos positivos associados ultrapassam os negativos, sendo o auxílio compatível com o mercado único. Neste caso, assim que comunicada a decisão, o Estado-Membro pode proceder à implementação.

iii) A Comissão pode adotar uma decisão negativa, identificando um auxílio de Estado incompatível e não justificado. Neste último caso, o Estado- Membro não pode implementar a medida ou, caso a medida já tenha sido adotada, deve repor o nível de concorrência no mercado. Para este efeito, a

148 Estabelecidos no Regulamento (UE) N.º 2015/1588, do Conselho, de 13 de julho de 2015, relativo à

Comissão normalmente ordena que o Estado-Membro recupere os montantes recebidos ou poupados em resultado da implementação da medida. Em alguns casos, quando esteja em causa expetativas legítimas dos contribuintes, a Comissão pode adotar decisões negativas sem recuperação.149

Mais uma vez, perante um possível incumprimento destas decisões, a própria Comissão Europeia ou qualquer outro Estado interessado podem recorrer diretamente aos tribunais europeus

De forma a estabelecer um certo grau de transparência e previsibilidade na sua tarefa de controlo dos auxílios de Estado, a Comissão Europeia tem publicado de forma sistemática comunicações, orientações (tal como a Comunicação referida no ponto anterior) e enquadramentos onde fixa os critérios e princípios adotados nas suas decisões.150

Por fim, é importante notar que no caso dos auxílios existentes (anteriores à acessão do Estado-Membro à União), ou dos auxílios previamente declarados compatíveis pela Comissão, a situação é um pouco diferente. Quando no âmbito de uma nova análise a Comissão tiver dúvidas em relação à atual compatibilidade do auxílio, deve informar o respetivo Estado-Membro sobre as suas dúvidas, de acordo com o procedimento especial de cooperação previsto no artigo 108.º, n.º 1. Nestes casos a Comissão não pode ordenar a recuperação do auxílio, embora possa requerer ou mesmo ordenar ao Estado-Membro que altere ou revogue a medida em causa, de forma a prevenir que o auxílio continue a distorcer a concorrência no futuro, nos termos do n.º 2, do mesmo artigo.

149 Sobre o tema da proteção das expectativas legítimas no âmbito da recuperação dos auxílios de Estado, cfr., GORMSEN, L. L. & MIFSUD-BONNICI, C., Legitimate Expectation of Consistent Interpretation of EU State Aid Law: Recovery in State Aid Cases Involving Advanced Pricing Agreements on Tax, Journal

of European Competition Law & Practice, Volume 8, n.º 7, 2017.

150 Vide, a título de exemplo, as Comunicações de 1998 e de 2016, relativas à aplicação das regras em