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conceitos diferentes e possuem tratamentos distintos. Dito isso, impende verificar se o crescimento urbano terá impacto no incremento da criminalidade. Antes, contudo, cita-se a lição de Rosa Fischer:

O consenso sobre a associação entre crescimento urbano e aumento da criminalidade violenta não é apenas popular ou impressionístico, mas tende a afirmar-se na literatura sociológica sobre os processos de urbanização rápidos que acarretam desorganização social, inconsistências entre os valores sociais instaurados e as estruturas em transformação e, consequentemente, a emergência de condutas desviantes que escapam às possibilidades de controle social.107

6.2 O crescimento desordenado das cidades e o progressivo incremento na criminalidade

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MISSE, Michel. Violência: o que foi que aconteceu?. Disponível em: https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/upload/60/Viol%C3%83%C2%AAncia%20o%20que%2 0foi%20que%20aconteceu.pdf. Acesso em: 12 jun. 2019.

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POSTERLI, op. cit., p. 23. 106

ALBERGARIA, op. cit., p. 176. 107

FISCHER, Rosa Maria. O direito da população à segurança: cidadania e violência urbana. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 10-11.

A Revolução Industrial do século XIX precipitou um movimento migratório do campo para as cidades. Essa grande massa populacional teve negativo impacto na organização social, pois muitas urbes não tinham condições estruturais para atender a crescente demanda por emprego e moradia. O caso típico deste fenômeno pode ser observado na explosão demográfica vivenciada em Chicago, a qual passou de cerca de cento e dez mil habitantes em 1860 para aproximadamente dois milhões nos anos de 1910.108

Os sociólogos da Universidade de Chicago começaram a notar que houve um incremento nos índices de criminalidade com o inchaço da cidade, o que acabou fomentando pesquisas em torno deste evento urbano. Para se ter noção, “no ano de 1893, por exemplo, numa área de aproximadamente oito quilômetros quadrados, 25% da população que ali vivia tinha estado presa pelo menos uma vez naquele ano.”109

Os trabalhos desenvolvidos pela Escola de Chicago conseguiram evidenciar que, em decorrência do aumento populacional, a desorganização social provocada pela urbanização era suficiente para que tivéssemos uma maior quantidade de crimes na região.

A grande quantidade de pessoas, a alta mobilidade (logo, a falta de pertencimento daquela região), a expansão urbanística e a ausência de estruturas sociais repercutiram no avanço dos delitos na cidade de Chicago, conforme destaca Sérgio Shecaira:

A explosão de crescimento da cidade, que se expande em círculos do centro para a periferia, cria graves problemas sociais, trabalhistas, familiares, morais e culturais que se traduzem em um fermento conflituoso, potencializador da criminalidade. A inexistência de mecanismos de controle social e cultural permite o surgimento de um meio social desorganizado e criminógeno que se distribui diferenciadamente pela cidade.110

A Escola de Chicago demonstrou existir uma relação direta entre urbanização desenfreada e sem planejamento com a criminalidade urbana. Vale dizer, as precárias

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MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4ª ed. São Paulo: Editora RT, 2002, p. 344.

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FREITAS, Wagner Cinelli de Paula. Espaço urbano e criminalidade: lições da escola de Chicago. São Paulo: IBCCRIM, 2002, p. 47.

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moradias e a falta de esgotamento sanitário, por exemplo, são condições favoráveis para se potencializar o número de infrações nas grandes cidades. “Nos bairros pobres – a periferia, a favela, o cortiço – onde nasceram verdadeiras cidades informais e reside parte considerável da população mundial, certamente a violência encontra seu espaço.”111

O caos urbano e a criminalidade não são vistos apenas nos Estados Unidos. Com efeito, pode-se observar que este fenômeno também é perceptível no nosso país, na medida em que um dos efeitos danosos da desorganização social é justamente o aumento da criminalidade. César Barros Leal, ao estudar a delinquência urbana no Brasil e no México, concluiu que a urbanização desenfreada contribui para o incremento da violência.112

No mesmo sentido, Sérgio Shecaira arremata:

Note-se que Chicago oferecia um expressivo exemplo desse processo de desorganização social, em face do grande número de imigrantes estrangeiros e de migrantes do Sul dos Estados Unidos (principalmente negros),113 em nada diferente do que o Brasil vivenciou em algumas de nossas grandes capitais, como o Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Estes fenômenos de abrupta expansão geravam indícios de desorganização social com aumento excessivo de doenças, crimes, prostituição, desordens, insanidade e suicídios.114

Portanto, pode-se perceber que o crescimento da quantidade de crimes está intimamente interligado à urbanização descontrolada. As cidades densamente urbanizadas e industrializadas fomentam a prática de crimes.115 Assim, “a rápida urbanização, associada à inexistência de planejamentos e crises econômicas, provoca

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CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Elysium: espaço urbano, criminalidade e a escola de Chicago. In: MACHADO, Bruno Amaral; ZACKSESKI, Cristina; DUARTE, Evandro Piza (org.). Criminologia e cinema: narrativas sobre a violência. São Paulo: Marcial Pons, 2016, p. 320.

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LEAL, César Barros. Delinquência urbana e segurança pública: Brasil e México. In: LEAL, César Barros; JÚNIOR, Heitor Piedade (orgs.). A violência multifacetada: estudos sobre a violência e a segurança pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 31.

113 Apesar da variável raça não ser o objeto desta pesquisa e para não incorrer no “esquecimento” ou “silêncio” racial, vale registrar que a citação ao segmento negro merece maiores e futuras reflexões, especialmente pela Criminologia crítica, para que não haja estigmatização, vulnerabilidade e seletividade por parte do sistema penal.

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LEAL, op. cit., p. 160-161. 115

COSTA, Arthur Trindade Maranhão. Entre a lei e a ordem: violência e reforma nas polícias do Rio de Janeiro e Nova York. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p. 121.

total desorganização do solo, o que dá origem a bairros sem nenhuma infraestrutura” e, por sua vez, “os processos de violência e degradação ambiental, indicadores importantes de má qualidade de vida urbana, são gerados principalmente a partir de assentamentos irregulares, como loteamentos clandestinos e ocupação de áreas de risco.”116

6.3 Os diversos delitos cometidos no Dnocs antes da saudável intervenção