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CAPÍTULO II: O CURRÍCULO DO ENSINO BÁSICO EM MOÇAMBIQUE

2.2 O currículo do Ensino Básico em Moçambique

O currículo do ensino básico em Moçambique foi, primeiramente, introduzido no contexto do Sistema Nacional de Educação, (SNE) em 1983, através da Lei 4/83, de 23 de Março. Essa lei abrangeu toda a estrutura educacional de Moçambique, em todos os níveis de escolaridade, desde a educação primária até a universidade. Foram introduzidos um novo currículo escolar e novos programas de ensino, que traduziam a nova realidade do país. Como destaca o relatório da Conferência sobre o Desenvolvimento Curricular, “a introdução do SNE em 1983 significou o

32O currículo de um único professor para um grupo de alunos permite flexibilizar e organizar o espaço, distribuir o tempo, variar de tarefas académicas, significando uma gama reduzida de estilos pedagógicos, de esquemas de relações pessoais, de estratégias de controlo, mensagens menos contraditórias entre si e pautas de adaptação mais simples para os alunos.

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fim das soluções ad-hocde revisão de programas de ensino e da elaboração de materiais didáticos de forma avulsa e dispersa” (Moçambique, 1992, p.7).

O currículo desenvolvido na década de 1980, a quando da introdução do SNE, e os materiais didáticos para os alunos e professores foram concebidos tendo em conta “as metodologias de trabalho, os princípios políticos e conceitos pedagógicos-didáticos próprios da época” (Ministério da Educação MNED, 1997, p.4). Os livros dos alunos33 caraterizavam-se por não reconhecer “os seus conhecimentos prévios, trazidos da vivência no meio em que estavam inseridos, e os programas e manuais para os professores não permitiam que esses desenvolvessem a sua criatividade, visto que eram demasiadamente prescritivos, detalhando cada momento da aula”, (MNED, 1996, p.7).

A estrutura do SNE de educação introduzido através da lei 4/83 foi revista pela lei 6/92, de Maio. Esta lei marca uma total reestruturação do sistema e estrutura educacionais do país até então vigentes, na medida em que procurou reajustar o quadro geral do sistema educativo e adequar as disposições contidas na lei n 4/83 às condições sociais, políticas e económicas do país. Mais, precisamente, tratou-se de retirar dos programas e dos manuais escolares a influência ideológica do ensino a conceção marxista e monopartidária e autorizar a participação privada no ensino34.

Nessa altura, Moçambique acabava de se beneficiar de financiamentos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM) a partir de 1987. Nas exigências dessas agências financeiras, internacionais, para o país continuar a beneficiar de apoio era obrigatório introduzir o regime político multipartidário e o liberalismo económico. Foi nesse contexto, que foi aprovada a nova constituição que introduziu o regime multipartidário e a economia de mercado, pela Assembleia Popular, em 1990.

O país vive, desde os meados da década 80, transformações profundas com a introdução do Programa de Reabilitação Económica (PRE) que, mais tarde, com a integração da componente Social, passou a designar- se PRES. O programa foi e é caracterizado, fundamentalmente, pela adopção das leis de economia do mercado. Em 1990, introduz-se o sistema político multipartidário, através da adopção de uma nova

33Essa situação que marcou os livros dos alunos na década de 1980, mantém-se infelizmente presente no sistema

educativo moçambicano.

34A privatização do ensino em Moçambique faz com que os filhos dos com posses tenham melhor educação porque

de modo geral, estes estudam nas escolas privadas melhor equipadas e bem supervisionadas. Essa situação é semelhante àquela que ocorreu na Inglaterra e nos EUA quando iniciou a escolarização.

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Constituição, que consagra Moçambique como um Estado de Direito e reconhece, constitucionalmente, o sistema político multipartidário, (Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação/Ministério da Educação (INDE/MINED), 2003,p.10).

Foi assim que para adequar o Novo Plano Currículo do Ensino Básica (NPCEB) às exigências do novo contexto que temos referido e ao contexto internacional, do Ensino Básico marcado pela Conferência Mundial de Jomtern e de Dacar, foram introduzidas reformas que culminaram com a introdução NPCEB em 2004.

Torna-se necessário, desde já, ressaltar que o principal desafio, que se colocou ao currículo ora em referência, foi tornar o ensino mais relevante, no sentido de formar cidadãos capazes de contribuir para a melhoria da sua vida, da vida da sua família, da sua comunidade e do país, dentro do espírito da preservação da unidade nacional, manutenção da paz e estabilidade nacional, aprofundamento da democracia e respeito pelos direitos humanos, bem como da preservação da cultura moçambicana.

Embora reconhecendo o fato de o NPCEB ter sido desenhado para se adequar à nova conjuntura política e social, é preciso, contudo, notar que, a economia de marcado marca com demasiados pontos todo o plano curricular. Pois, quando se fala da necessidade de tornar o ensino relevante no sentido de contribuir para a melhoria da vida dos educandos, das suas famílias e do país em geral, anuncia-se a necessidade de cada educando procurar pelos seus meios os recursos de sobrevivência que possa necessitar retirando, neste caso, a responsabilidade que o Estado tinha, antes, de garantir o emprego através de afetações dirigidas. Igualmente, a visão mercantilista do ensino vai, de certa forma, contribuir negativamente para o sucesso das consideradas inovações deste plano curricular como iremos ver quando estivermos a analisar as inovações propostas.

O segundo ponto relevante que foi seriamente equacionado e integrado na construção do novo plano curricular relaciona-se com o fato da sociedade moçambicana estar empenhada na preservação da unidade nacional, manutenção da paz e estabilidade nacional, aprofundamento da democracia e respeito pelos direitos humanos, bem como a preservação da cultura moçambicana, fatores indispensáveis para a garantia do desenvolvimento socioeconómico.

Este ponto resulta, como já fizemos referência, de dois fatores relacionados: o primeiro fator insere-se na necessidade da preservação paz na medida em que o país acabava de sair da guerra civil, de dezasseis anos, que devastou seriamente o tecido socioeconómico, daí que para garantir

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a reconstrução económica e social é fundamental a paz, a unidade nacional que se traduzem na estabilidade nacional. O segundo fator, referente ao aprofundamento da democracia, relaciona- se, em parte, com a imposição dos credores internacionais quanto a introdução do multipartidarismo e do respeito pelos direitos humanos. O aprofundamento da democracia, entendido no sentido de que antes se praticava uma democracia mono partidária.

Pode-se, de certo modo, admitir que no NPCEB estejam presentes as teorias críticas e pós- críticas, todavia, na prática a teoria técnica é a mais dominante, sendo orientadora de todas as atividades que marcaram a conceção, a implementação e avaliação do currículo em referência.

Em todo o caso, não será perder tempo, antes de passarmos para o ponto seguinte, relacionar um pouco as caraterísticas gerais do currículo do Ensino Básico no mundo ocidental às caraterísticas gerais do NPCEB.

Assinalemos para começar que o NPCEB, para além das áreas, consideradas, clássicas congrega outras áreas que contribuem para o saber ser e estar da criança na sociedade, designadamente: noções de higiene pessoal, educação para o transito, educação sexual, educação moral e cívica, só para citar.

Relativamente às áreas que constituem o núcleo básico do NPCEB na visão de Skilbeck (1984) não existe grande divergência, pois as únicas áreas que achamos ausentes na constituição das disciplinas que corporizam esse plano são as de modos de conhecimentos científicos e tecnológicos com as suas aplicações na vida produtiva e o mundo do trabalho, do ócio e estilo de vida.

É preciso, desde já, chamar atenção para o fato do NPCEB possuir o excesso de disciplinas tendo como base a idade biológica e psicológica dos alunos que frequentam este nível de ensino. Pois,

da 1 a 2a classes, que corresponde ao primeiro ciclo, o aluno está sujeito a adquirir os conteúdos

de cinco disciplinas teóricas diferentes: Língua portuguesa, Matemática, Educação Visual, Educação Musical e Ofícios. Geralmente, nesta fase, os alunos têm entre 6 e 7 anos de idade, por isso achamos ser sobrecarregado.

Em nossa opinião, se em vez de aparecer no horário as disciplinas de Educação Visual, Musical e Ofícios independentes uma da outra, aparecem todas aglutinadas numa disciplina de Arte e

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Ofícios. Isso iria permitir que o aluno tivesse apenas três disciplinas teóricas e uma prática. E se essa organização curricular fosse extensiva aos ciclos seguintes faria que os alunos do nível primário manusearem menos disciplinas e, dedicassem parte significativa do seu tempo as disciplinas de cariz académicas.

Depois de termos feito uma caraterização do NPCEB à luz das características gerais dos planos curriculares ocidentais do Ensino Básico passemos, de seguida, à análise pormenorizada da teoria que marca o currículo em apreço.