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O curso de Pedagogia: percepções sobre a formação recebida

CAPÍTULO 2 – O PERFIL DOS ALUNOS CONCLUINTES DO CURSO DE

3.2 Delineando os perfis das alunas concluintes de Pedagogia

3.2.1 O curso de Pedagogia: percepções sobre a formação recebida

As disciplinas cursadas mencionadas

- Fundamentos teóricos e práticos da Educação Infantil II: aprendizagens relativas aos “espaços da criança, o que seria uma escola ideal, as diversas crianças, as diversas infâncias.”

- Psicanálise e Educação: compreensão da constituição de cada indivíduo como um ser único.

- Alfabetização e Letramento: essencial para o preparo profissional. Foi a que mais gostou de frequentar. As aprendizagens mais importantes são relativas ao respeito pelo processo de desenvolvimento de cada criança, considerando os diferentes estágios percorridos para a apropriação e uso da escrita e da leitura. - Leitura e Interpretações de Textos Clássicos: a que menos gostou e mais teve dificuldades. Oferecida no primeiro semestre de curso, exige dos alunos “pensar e refletir”, requer o domínio da linguagem para decifrar e manipular estruturas complexas de pensamento, tarefa para o qual a escola pública não lhes preparou.

- Fundamentos teórico-práticos do ensino da Geografia: a que mais teve facilidade por conta do professor que organizava as aulas de forma mais dinâmica: “(...) Cada aula a gente fazia uma coisa. Uma aula a gente tinha interpretação de textos e a gente tinha que desenhar um caminho pra aquela história; em outra aula, a gente tinha que construir um painel; uma outra aula a gente foi a campo conhecer o bairro”.

Residência Pedagógica

- Ainda não realizou a Residência, pois trabalha e preferiu fazer após o cumprimento de todos os créditos das disciplinas do currículo. De todo modo, tem expectativas: por um lado, há o anseio de vivenciar e experimentar a profissão, por outro, há receios quanto às exigências e cobranças dos professores preceptores da universidade e ao “tipo de criança que se possa encontrar, talvez, criança que sofra maus tratos” e a possibilidade de envolvimento com essas situações vulneráveis.

Aprendizagem mais significativa obtida no curso

- Reconhecimento de que as pessoas são diferentes, tem suas singularidades e é preciso respeitá-las: “(...) É muito importante saber que cada um tem seu tempo, é de uma forma, tem uma personalidade”.

Lacunas e aspectos frágeis da formação

- Despreparo para a alfabetização: As críticas são relativas ao pouco tempo destinado para essa disciplina na matriz curricular do curso, oferecida em apenas um semestre: “(...) É o problema que eu enxergo mais grave, é onde eu sinto mais deficiência, mais fraqueza mesmo, é onde eu não tenho segurança”.

- Despreparo para lidar com a diversidade: “(...) Hoje se fala muito de inclusão e a gente não sabe lidar com aluno cego, com deficiente mental, quem tem down... O que a gente tem de obrigatório é só LIBRAS, que é o surdo... não se pensa no aluno com deficiência dentro da formação. Esses alunos estão dentro da sala e não são pensados. A gente é formado para lidar com eles, só que a gente chega lá e aí? O que eu faço? Como que eu vou fazer?”. Considera, ainda, que o curso de formação deveria ter maior duração para dar conta dessas demandas.

Mudanças percebidas em si mesmo e conhecimentos considerados importantes para o exercício profissional

- Desenvolvimento da capacidade de reflexão: disciplinas e leituras realizadas tiveram importante influência. “(...) A faculdade em si me fez pensar mais, ser uma pessoa mais crítica”.

- Conhecimentos fundamentais: “(...) Mais do que só conteúdo, o professor precisa saber ensinar, ter uma sensibilidade pra entender que cada um é diferente e, acima de tudo, não esperar o aluno ideal e, sim, lidar com o que vai aparecer mesmo... Ele precisa entender a realidade mesmo daquela turma e saber fazer com que aquelas crianças aprendam”. Identifica, portanto, o conhecimento da matéria; o conhecimento didático do conteúdo e o conhecimento dos alunos e de suas características.

Vanessa

As disciplinas cursadas mencionadas

- Políticas Públicas da Educação Brasileira: aprendizagens relativas à compreensão do fenômeno educativo e suas articulações com aspectos mais amplos do sistema de ensino: as políticas e seus processos de implantação, os conflitos e interesses que envolvem não apenas a educação em âmbito nacional, mas internacional também.

- Psicanálise e Educação: foi a que mais gostou, possibilitou a compreensão da constituição de cada indivíduo como um ser único e a discussão de conflitos presentes no trabalho docente (disciplina, autoridade do professor e inclusão em sala de aula, por exemplo).

- Fundamentos teóricos e práticos da Educação Infantil: a que menos gostou, em razão das discussões terem focalizado as experiências e modelos ideias de organização da EI, que não contemplavam as especificidades da realidade brasileira e as condições de funcionamento das instituições escolares localizadas no munícipio em que situa a universidade. Por outro lado, reconhece que as discussões empreendidas a respeito das políticas públicas voltadas para a Educação Infantil e do processo de transição para o Ensino Fundamental I foram aspectos positivos e que contribuíram para a sua formação. - Leitura e Interpretações de Textos Clássicos: disciplina que mais teve dificuldades.

- Residência Pedagógica em EJA: foi a que mais teve facilidade porque gostou da experiência: “(...) Não tive conflitos, foi legal o contato com os jovens e os adultos, uma troca de conhecimento muito significativa, diferente do que acontece nos outros níveis de ensino, que parece que você tá ensinando mais o aluno a se comportar na sociedade do que aprender de fato”.

Residência Pedagógica

- Contribuição significativa na formação. Da EI apontou ter percebido o estabelecimento nas escolas de uma rotina muito rígida, “(...) é tudo tão regrado, tudo tem um horário”. As professoras privilegiavam o cuidar, em detrimento do educar. Quanto às experiências no EF, destacou a boa interação da professora com os alunos e o desenvolvimento de aulas pautadas exclusivamente no uso de livros didáticos, uma “aula orientada que não despertava muito interesse em questionar, perguntar”. Por fim, na Residência de Gestão lamenta não ter participado de maneira mais efetiva das atividades atribuídas à gestão escolar, pois os diretores mantinham-se mais à distância, delegando-lhe tarefas não diretamente relacionadas a essa função como, por exemplo, a confecção de cartazes para a escola.

- Compreender o outro e respeitar o tempo de aprendizagem de cada criança.

- Experiências de RP: apesar do pouco tempo que se passa na escola, é possível “(...) captar muita coisa, ver como é o ambiente, as relações. O mais interessante na Residência, é que a gente atua junto com a professora, a gente se envolve... é uma presença ativa na escola”.

Lacunas e aspectos frágeis da formação

- Despreparo em relação ao domínio de conteúdos específicos das diversas séries de escolaridade: reconhece a centralidade desse conhecimento e destaca sentir muito medo de não conseguir desempenhar bem sua função. Parte do pressuposto de que futuramente estudando e consultando internet, livros e enciclopédias dará conta de superar suas dificuldades no que diz respeito aos conteúdos curriculares. - Ressalta que essa lacuna é fruto de seu processo de escolarização básica e que já deveria ter esses conhecimentos ao ingressar no curso de Pedagogia: “(...) não sei se cabe à universidade, uma vez que já deveria ter isso desde o período escolar”.

Mudanças percebidas em si mesmo e conhecimentos considerados importantes para o exercício profissional

- Desenvolvimento da capacidade de reflexão. Contato com diversas experiências: “(...) A faculdade mudou muito a minha cabeça nesses aspectos, coisas que eu era totalmente ingênua. Eu saí da casa dos meus pais, fui morar em república, né, e durante a faculdade tive muita experiência diferente – o intercâmbio em Portugal é uma dessas... Então, assim, eu tava num ambiente totalmente deslocado, convivendo com pessoas com características totalmente diferentes, seja social, econômica e cultural... Então, assim, o modo de pensar, o modo de agir mudou muito”

- Ampliação de referências: a iniciação científica e o intercâmbio em Portugal durante o período de um ano asseguraram uma vida universitária mais rica e a aproximação com um universo cultural diferenciado.

- Conhecimentos fundamentais: domínio dos conteúdos específicos, necessidade de se ter uma concepção sobre educação e uma “visão mais humana e sensibilizada sobre o outro”, procurando compreendê-lo em suas dificuldades. Considera que o curso proporcionou reflexões relativas à necessidade de uma aprendizagem significativa e possíveis caminhos para o alcance desse objetivo. Dado que “a faculdade não dá conta de ensinar os conteúdos e o modo de ensiná-los”, a menos que se dilate o tempo destinado para a formação, é preciso o professor assumir uma postura de continuar estudando.

Ana Paula

As disciplinas cursadas mencionadas

- Estudo sociológico da escola: aprendizagens relativas à compreensão da educação, da escola e das pessoas que trabalham nesta instituição e a fazem funcionar: “(...) você começa a entender a escola e as pessoas de uma forma diferente, não tão romântica, assim. Vê que existe diferença de classe social e que a escola foi, muitas vezes, criada pra isso. A disciplina trouxe uma visão da realidade pra gente”. - Residência Pedagógica: possibilitam uma aproximação efetiva com a realidade da escola pública: “(...) Porque, muitas vezes, a gente fica com aquela visão que o professor tem do que é a EI, do que é a criança, o aluno, e que não é a realidade da escola pública, do que dá pra você planejar e do que não dá, que atividades você pode desenvolver e as que não dá. Eu acho que os estágios dão um ‘acorde!’ na gente, porque nada é tão bonitinho, igual a gente vê na teoria, né?”.

- Alfabetização e Letramento: disciplina que mais gostou. Essencial para o preparo profissional. A experiência mais significativa foi a elaboração dos memorias que propiciaram reflexões sobre o próprio processo de alfabetização: “(...) A reflexão começou de dentro pra fora, de como a gente se alfabetizou, os pontos positivos e negativos, para a partir daí a gente pensar na alfabetização de outras pessoas, dos métodos que têm, qual o melhor e o pior”.

- Leitura e Interpretações de Textos Clássicos: a que menos gostou. Além das dificuldades relativas à leitura dos textos, aponta que os professores de Filosofia, ao contrário dos de Pedagogia, são alheios às condições de ingresso dos alunos no ensino superior e suas dificuldades para compreender conceitos filosóficos. Tanto os alunos de outros cursos do campus, como os próprios professores que ministram as aulas teriam, em sua opinião, preconceitos em relação aos alunos de Pedagogia: “(...) A gente sofre muita humilhação porque o pessoal de Filosofia acha que a gente é burro se faz Pedagogia”. Sugere que o

Departamento de Educação trabalhe em parceria com o Departamento de Filosofia, pois desse modo as disciplinas poderiam estar mais relacionadas à educação e atender os interesses dos estudantes.

- Fundamentos teórico-práticos do ensino da Matemática: a que mais teve facilidade por conta do trabalho dos professores: “(...) eles eram muito claros no que eles queriam. Por mais que essa disciplina me assustasse no início, eu achei fácil porque os professores traziam experiências, traziam atividades pra que a gente percebesse como que a criança pensava quando resolvia uma atividade”. Utilização de diversos recursos para aprendizagem das operações matemáticas: ábaco, material dourado, tangram e uso de software educacional.

- Teorias do Currículo: oferecida no primeiro ano do curso; foi a disciplina que mais teve dificuldade para compreender as leituras realizadas. Além disso, afirma que a dificuldade também advinha do fato de que não compreendia, de início, como que o currículo se constituía como uma forma de poder na escola: “(...) Você entra na faculdade com uma visão, você achava que currículo era só um pedacinho de papel falando o que você ensinava, o que não ensinava. Aí, você vê que a coisa é mais tensa, mais complexa, aí você toma um choque”.

Residência Pedagógica

- Expectativas iniciais: tinha medo, sobretudo porque não tinha experiência no magistério. Relata que primeiro fez a RP em EI, pois considerava mais fácil, ao contrário do EF e do confronto com a alfabetização das crianças. Descreve situações em que as professoras formadoras da escola delegaram-lhe tarefas e intervenções em sala de aula, sem que tivesse planejado antecipadamente suas ações: “(...) Essa primeira experiência foi muito difícil, foi de medo e, no início, de impotência, mas depois elas deixavam de fazer coisas para que eu fizesse e eu acabei aprendendo muito, tanto com as crianças, quanto com elas mesmo, porque elas não queriam fazer e eu fazia”.

- RP no EF: experiência muito boa. Acompanhou uma professora de segundo ano, numa sala com crianças em diferentes estágios do processo de aprendizagem da escrita e da leitura: “(...) A professora falou que eu podia ajudar no que eu quisesse, então ela deixava eu corrigir atividades, ir até às carteiras pra ajudar as crianças, eu me coloquei no lugar do professor por alguns momentos. Ela me falava: ‘olha, tal aluno é assim, então eu to dando um ditado, uma atividade específica e pra sala eu to dando tal coisa. Aquele aluno ele precisa de mais atenção. Se você quiser, vai lá olhar como ele tá aprendendo...’. Eu não tinha experiência com criança pré-silábica, por exemplo, e lá eu tive”.

- Destaca aprendizagens relativas à dinâmica de funcionamento do cotidiano escolar e da sala de aula, ao papel da professora de classe, que auxiliou e orientou no processo de elaboração de seu plano de ação pedagógico (PAP) aplicado. Também destaca que esta professora desenvolvia práticas de alfabetização distintas daquelas que aprendeu na faculdade: “(...) O choque começa nesse momento por causa que o que a gente tinha visto como a melhor forma de alfabetizar não era o que a gente encontrava em sala de aula. Mas a gente via que do jeito que a professora tava ensinando era a melhor forma, surtia efeito. Ela assumia que utilizava o método fônico, que era o método em que tinha se alfabetizado, que ela tinha aprendido vários outros na faculdade, mas achava que esse era o melhor... demorava um pouco pras crianças pegarem, mas depois elas iam rápido. Ela tinha tudo muito explicado na cabeça dela, ela era uma professora muito bem esclarecida e eu fiquei confusa porque eu não teria esses argumentos...”. - RP em EJA: também afirma que foi uma boa experiência e que gostou, ao contrário da RP em Gestão, pois não teve muitas possibilidades de acompanhar de fato o trabalho do diretor de escola: “(...) A gente ficava muito jogado na escola, sem ter o que fazer... apenas tinha uma professora mediadora do Estado, que é tipo uma coordenadora, que a gente ficava atrás dela. Sempre tinha um conflito – aluno que era enviado pro Conselho Tutelar, essas coisas – e a gente foi percebendo como é mesmo o trabalho de uma coordenadora”.

Aprendizagem mais significativa obtida no curso

- Percepção da educação como um fenômeno complexo, no qual diferentes fatores interferem: “(...) Eu comecei a ver a educação de uma outra forma... que a educação não é só aquilo que acontece na sala de aula, tem um jogo de interesse muito forte que influencia a área da educação”.

- A sala de aula como um grupo heterogêneo e como um espaço onde constantemente o professor tem que lidar com imprevistos e tomar decisões para resolver os conflitos que emergem: “(...) Nem todos vão aprender da mesma forma, no mesmo momento, porque se uma pessoa entra na sala desconsiderando isso ela não consegue trabalhar. Os imprevistos acontecem e a gente tem que lidar com eles a toda hora... a sala de aula não é parada”.

- Sensibilidade: o professor precisa ter um olhar atento e cuidadoso em relação ao aluno para perceber suas dificuldades e auxiliá-lo.

Lacunas e aspectos frágeis da formação

- Despreparo na área da Psicologia: “(...) A Psicologia movimenta muito o campo da educação,né? As pessoas falam do Piaget, do Vygotsky, muito se fala em nome desses autores e muitas vezes não tem muito a ver com aquilo que eles, de fato, falaram. E eu não posso falar de uma coisa que eu não tenho conhecimento. É muito importante você saber dessas fases de desenvolvimento da criança, então, eu acho que essa é a principal lacuna”.

Mudanças percebidas em si mesmo e conhecimentos considerados importantes para o exercício profissional

- Desenvolvimento da capacidade de reflexão e compreensão da educação como um fenômeno complexo. - Conhecimentos fundamentais: Identifica o conhecimento da matéria; o conhecimento didático do conteúdo, o conhecimento dos alunos e de suas características, o conhecimento do currículo, da legislação educacional e de como planejar uma boa aula. Além disso, destaca que: “(...) Você tem que saber o que é uma sala de aula... porque a sala de aula é isso: você supõe algumas coisas e a partir dali você já começa a dar andamento ao trabalho e você tem que saber também que vão surgir outras coisas que você não consegue antecipar”.

3.2.2 Projeção para o início da profissão docente: expectativas e dificuldades