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PARTE I — ASPECTOS POLÍTICO-SOCIAIS DA INFORMAÇÃO 1 O uso social da informação

3. Informação e esfera pública

3.3. O declínio da esfera pública e a desfiguração do princípio da publicidade

Na formação da esfera pública, o princípio da publicidade encontra-se presente como regra contra a política do segredo. É o instrumento através do qual as decisões polí ticas são submetidas ao julgamento e à revisão da opinião pública capaz de exercer um controle crítico, descreve Habermas. O enfraquecimento da esfera pública esvazia essa função a partir do momento em que é invadida pelo privado e a lei perde suas características de generalidade passando a ser empregada como forma de administrar os interesses privados. Como observa Habermas, a ampliação da esfera pública, conduzida pela opinião pública burguesa proprietária, acabou por resultar na sua desfiguração e de seus princípios constitutivos. Ao lado da modificação das estruturas da lei, a publicidade perde a força de estímulo de formação da opinião pública e de racionalização da dominação política. Ampliada, a esfera pública não é mais identificada e permanece cada vez mais distante dos processos de decisão e de poder. A publicização da informação assume caráter legitimador, é feita para que os atos sejam submetidos à apreciação pública e ganhem legitimidade através da aprovação da maioria.

“O público mediatizado, dentro de uma esfera pública imensamente ampliada, é incomparavelmente mais citado de diversos modos e com maior freqüência para fins de aclamação pública, mas, ao mesmo tempo, ele está tão distante dos processos de exercício do poder e da distribuição do poder que a racionalização deles mal pode ser ainda estimulada através do princípio da publicidade, do tornar público. Muito menos pode, então, esperar que ele possa ser garantido” (HABERMAS, 1984, p. 212).

Habermas identifica as alterações dos princípios da esfera pública através da evolução do que ele trata como “sua instituição por excelência” (p. 213), a imprensa. A alteração do enfoque dessa instituição demonstra a apropriação da orientação da opinião pública pelo público proprietário dos meios de produção e distribuição da informação, que passa a se

dirigir a um público de massa, ou a esfera pública ampliada que não tem acesso à formação da opinião pública.

Na primeira fase, os jornais impressos não passam de mera redação de avisos, de interesse estritamente comercial, atendendo a uma demanda da emergente classe burguesa. Mas já na virada do século 19 identifica-se uma reorientação da imprensa burguesa, que passa a assumir um caráter predominantemente político. É o surgimento da imprensa de opinião, que se presta à divulgação dos ideais burgueses e o editor passa de mero vendedor de notícias para comerciante com a opinião pública. O jornal assume um caráter mediador e potenciador, deixando em segundo plano seu caráter mercantil. Segundo Habermas, muitos periódicos são deficitários, mantidos por seus editores-proprietários como instrumentos de divulgação de ideais políticos. Uma característica que prevalece até mesmo quando se inicia um processo de profissionalização da redação. Essa realidade começa a se transformar já na segunda metade do século 19, quando a imprensa reassume chances de lucro de empresa comercial e retoma sua característica mercantil através da propaganda. E, enquanto se comercializa e aumenta a eficácia jornalístico-publicitária, a imprensa torna-se mais manipulável e suscetível às pressões de determinados grupos privados. “Enquanto antigamente a imprensa só podia intermediar e reforçar o raciocínio das pessoas privadas reunidas em um público, este passa agora, pelo contrário, a ser cunhado primeiro através dos meios de comunicação de massa” (p. 221).

Nessa fase, Habermas registra a valorização da função da publicidade de cunho comercial, com crescimento do poder sobre a manipulação do gosto da massa. Surgem dos profissionais de relações públicas, especializados em trabalharem a imagem perante a opinião pública, vindo a público — via imprensa — sob o argumento da defesa do interesse comum. Suas ações são orientadas pelo good will que, na verdade, mascaram verdadeiros interesses individuais dos grupos que representam. A publicidade continua sendo o princípio da esfera pública através da qual se legitimam vontades da maioria, já não mais através do livre debate crítico, mas da legitimação por aclamação da maioria. O público ampliado, excluído do circuito do poder e de decisão, só raramente é chamado, num processo praticamente plebiscitário. A função da publicidade dentro da esfera pública é severamente alterada.

“À medida que a reprodução social ainda depende da decisão de consumir e que o exercício do poder político depende da decisão eleitoral das pessoas privadas, existe um interesse no sentido de se ter influência sobre isso — aqui, para elevar a venda; ali para aumentar formalmente a participação eleitoral formal deste ou daquele partido ou então dar informalmente um maior peso à pressão de determinadas organizações.” (p. 209)

Nessa situação, a burocracia estatal também é levada a assumir o mesmo caráter publicitário que prevalece nas grandes empresas privadas, dentro do processo de integração com a sociedade. Em função da ampliação da esfera social, o Estado vê-se obrigado a negociar com associações e grupos sociais, fazer um arranjo com a esfera pública, o que resulta em transferência parcial de tarefas administrativas. Assim, explica Habermas, surge a necessidade de promover a acomodação interesses organizados. Há acordos extraparlamentares, o que significa excluir a esfera pública institucionalizada estatalmente, mas isso não isenta da necessidade de publicidade; entra em cena a tarefa de “trabalhar a opinião pública”, para a qual contam com acompanhamento sistemático de seus profissionais. Junto com o princípio da publicidade, a esfera pública perde suas características e funções, o mesmo acontecendo com suas instituições estatais. “Na medida em que há essa interpenetração de Estado e sociedade, a esfera pública perde certas funções de intermediação e, com ela, o Parlamento enquanto esfera pública estabelecida enquanto órgão do Estado” (p. 231).

Esse é o resultado do fortalecimento da esfera social, que promove a interpenetração entre as esferas pública e privada, ao assumir poder de influência sobre as instituições estatais, através das quais vão se legitimar perante o público de massas.

Essa interpenetração das esferas, que Habermas identifica como o declínio da esfera pública burguesa, atinge diretamente as instituições estatais que, diante do público assumem a tarefa de se legitimarem através da manipulação da opinião pública dentro da esfera de governo. Uma manipulação que favorece a apropriação da esfera pública por

interesses individuais, num cenário que permite o direcionamento da informação em prol de interesses específicos17.