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A Vila Dnocs não surgiu da noite para o dia. Ao longo de mais de 40 anos, a contar da década de 1960, os barracos foram erguidos ao arrepio da lei, sem que o Estado pudesse exercer seu controle de maneira eficiente. Se a terra era pública, caberiam aos órgãos de fiscalização o monitoramento constante da área e a inibição imediata das casas que estavam sendo construídas. “O controle do uso, do parcelamento e da ocupação dos espaços urbanos –, visam à tutela dessas funções urbanísticas, mediante normas que se destinam a proporcionar, também, ao lado da funcionalidade, a segurança.”94

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FARIAS, Paulo José Leite. Ordem urbanística e a prevenção da criminalidade. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal, ano 42, nº 168, out.-dez. 2005, p. 174.

Com a quantidade de terra desocupada, várias pessoas começaram a se mudar para o assentamento e houve um crescimento no local de maneira desordenada e desenfreada. Não existiam definições claras das ruas e dos lotes. Cada um erguia seu barraco com os meios que possuía, demonstrando que o movimento de expansão urbana corria à revelia do Poder Público.

Isso é facilmente notado quando se compara que existiam 20 casas na década de 1960 e chegou a ter 450 no ano de 2005.95 A pesquisadora Noemia Porto também detectou este crescimento desordenado da Vila Dnocs, verbis:

O local onde atualmente se encontra a Vila DNOCS foi sendo ocupado, num primeiro momento, pela chegada desordenada de diversas famílias. Ao ativarem a memória sobre o local, os moradores mencionam que o DNOCS existe há, pelo menos, 30 ou 40 anos. Gustavo, que morou por longos anos próximo ao DNOCS, e hoje tem parte da família que ainda reside lá, foi categórico ao afirmar que o DNOCS começou como uma ‘invasão’, havendo promessa há 40 anos de que haveria regularização dos lotes e construção das casas. Segundo o Presidente da Associação dos Moradores da Vila DNOCS (AMOCOD), a ocupação começou com algumas famílias, em torno de 60, e o número foi crescendo até chegar a centenas (em torno de 400). Aliás, segundo ele, foram necessárias reformulações e adaptações dos projetos de urbanização para contemplar, o quanto possível, o número crescente de famílias que estavam no local e as que chegavam. Trata-se do conhecido fenômeno das periferias auto-construídas e da constatação de que ‘a cidade planejada não estava preparada para acolher os novos habitantes e corresponder às suas pretensões.’96

Importante destacar que o crescimento não foi acompanhado dos serviços públicos básicos, como esgotamento sanitário, rede de águas pluviais, asfalto e iluminação. Por ser uma ocupação irregular, o Estado não reconhecia a legitimidade da posse dos moradores e, em contrapartida, não realizava investimentos na região, a fim de não estimular a manutenção e a expansão do assentamento.

Os lotes não atendiam a metragem mínima. Não havia qualquer autorização estatal e, muito menos, chancela do Cartório imobiliário. Apesar da Vila Dnocs estar

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Projeto de regularização urbana da Vila Dnocs, elaborado pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF CODHAB. Disponível em: http://abc.habitacao.org.br/wp-content/uploads/2018/01/P16-CODHAB-DF-Vila-DNOCS-REG-power-point.ppt. Acesso em: 4 jan. 2019.

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situada em área plana e sem risco para a vida dos habitantes, o Distrito Federal não tinha interesse em legalizar a região.

Isso não impediu, porém, que a ocupação se consolidasse a partir da década de 1990 e se tornasse uma situação irreversível. Novas pessoas foram chegando e houve uma expansão desordenada e insalubre, fazendo com que o Poder Público agisse para regularizar a área e promovesse uma infraestrutura mínima aos moradores como meio de se garantir uma vida digna a todos.

De fato, os moradores começaram a se organizar em associação e exigir dos governantes e políticos a regularização completa da área e a construção de moradias para os ocupantes da região. A mobilização foi tão grande que acabou fazendo com que o Poder Executivo encaminhasse um projeto de lei à Câmara Legislativa do DF, dando origem à feitura da Lei Complementar nº 742, de 16 de outubro de 2007, a qual passará a ser analisada no capítulo seguinte.

6 A URBANIZAÇÃO DA VILA DNOCS E O IMPACTO NA CRIMINALIDADE

O urbanismo e a criminalidade não são fenômenos inseparáveis. De fato, existe uma nítida correlação no processo de urbanização saudável e a diminuição do número de delitos. Quanto mais se recuperam espaços públicos, implementam serviços básicos de saneamento, iluminação, calçadas, lazer e moradia, há uma tendência de redução do quantitativo de crimes e das desordens urbanas.

Não bastam, também, moradias precárias e defeituosas, devendo-se primar pela qualidade e proximidade dos grandes centros urbanos. A política de afastamento das pessoas com menores recursos financeiros da região central das cidades é um fator de discriminação e geradora de tensão social, além de poder ser considerado um ato de violência contra a população de baixa renda. Nesse sentir, Paulo Carmona ilustra:

Da mesma forma, a ausência, a deficiência ou a precariedade de habitação estão diretamente relacionadas com a violência urbana e a criminalidade. Com efeito, a moradia, assentada no princípio da função social da propriedade imobiliária, é um direito social e fundamental, por ser uma necessidade intrínseca à existência digna do ser humano. (...)

Entretanto, outro elemento imprescindível na política habitacional para população de baixa renda não é observado, qual seja, a qualidade da moradia, pois são produzidas milhares de unidades habitacionais padronizadas, de construção precária, tamanho reduzido e localização periférica, longe das oportunidades de trabalho. Por isso, tais programas habitacionais trazem, inevitavelmente, efeitos antissociais, gerando violência.97

Dentro deste contexto, cabe verificar o processo de urbanização levado a efeito na Vila Dnocs e qual o impacto que teve nos números da criminalidade, através de um comparativo de períodos anteriores e posteriores às conclusões das obras de infraestrutura e a entrega de casas. Essa análise da série histórica de determinados delitos será um relevante termômetro a indicar um dos benefícios da urbanização de comunidades carentes, qual seja, a prevenção da criminalidade.