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MIGRAÇÃO CONTEMPORÂNEA: DESLOCAMENTOS E FORMAS DE MOBILIDADE

1.2 Dados e contextos: a visibilidade do problema do tráfico de pessoas

1.2.1 O discurso do tráfico de pessoas no Brasil e os instrumentos normativos

O Protocolo de Palermo foi ratificado pelo Brasil em 2004, e influenciou a modificação do artigo 231 do Código Penal brasileiro. Antes, este contemplava apenas mulheres como vítimas do tráfico, e em 2005, com a promulgação do novo Código Penal, passou a tipificar dois crimes: o tráfico internacional de pessoas (definido no artigo 231) e o tráfico interno de pessoas (contemplado no artigo 231-A), bem como a reconhecer outros sujeitos como suas vítimas189. Em 2009 houve alterações no Código Penal, e o tráfico internacional passou a ser tratado com fins de prostituição ou outra forma de exploração sexual; na redação do artigo 231, tráfico internacional de pessoas passou a significar: “Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro”190. Apesar da mudança nesse artigo, o tráfico de pessoas ainda era definido pelo sistema jurídico brasileiro como cumplicidade na mobilidade de pessoas para prostituição, independentemente de haver coerção ou de a migração ter sido para prostituição livre e de a pessoa não ser explorada191.

Foi na vigência dessa redação do artigo 231 que a pesquisa de campo foi realizada (2011, 2012 e 2013), ou seja, ao tratar do tráfico de pessoas, as pessoas entrevistadas levavam em

188 SPRANDEL, Marcia Anita; DIAS, Guilherme Mansur. A temática do tráfico de pessoas no contexto brasileiro. Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v.18, n.35, p.155-170, 2010 (p.168).

189 BRASIL. Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005. Publicada em 29.3.2005. (Altera os arts. 148, 215, 216, 226,

227, 231 e acrescenta o art. 231-A ao Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal e dá outras

providências.) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11106.htm. Acesso: 7 de fevereiro de 2017.

190 Mudanças ocorridas através da Lei 12.015/2009. Ver BRASIL. Lei no 12.015, de 7 de agosto de 2009. Publicada

em 10.8.2009. (Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código

Penal, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do

inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal e revoga a Lei no 2.252, de 1o de julho de 1954, que trata de

corrupção de menores.) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2009/lei/l12015.htm. Acesso: 22 de dezembro de 2010.

191 Cf. SILVA, Ana Paula da; BENTO, Andressa Raylane; BLANCHETTE, Thaddeus Gregory. Sonho de

Cinderela: uma análise estrutural de um mito sobre o tráfico de pessoas. In: GUERALDI, Michelle. (Org.).

Desafios para o enfrentamento ao tráfico de pessoas. Brasília: Ministério da Justiça-Secretaria Nacional de

Justiça-Coordenação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, 2014. p.138-168. (Cadernos temáticos sobre tráfico de pessoas; v.5)

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consideração aquela redação ou o que ouviram falar sobre o assunto, fosse através de instituições, fosse pela mídia192. É importante ressaltar que algumas questões eram levantadas por pesquisadores em relação à redação do artigo 231 vigente na época da pesquisa, como, por exemplo, o fato de que o uso de violência, o engano ou a fraude apresentavam-se como condição de agravamento da pena, mas não eram elementos que definiam o tráfico193. Além disso, o

artigo não punia o exercício da prostituição nem o cliente, mas a atração de pessoas para a prostituição ou a facilitação194 para essa atividade, conforme expressava o artigo 228: “induzir

ou atrair alguém à prostituição ou a outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone”. Embora o artigo 231 contemplasse, além da prostituição, outras formas de exploração sexual, não abrangia outros tipos do delito presentes no Protocolo de Palermo, como pontua Ela Wiecko Castilho, pois não falava em “trabalhos ou serviços forçados, escravidão ou formas análogas à escravidão, servidão ou transplante de órgãos”195.

Assim, no Brasil, a legislação de 2009 sobre o tráfico de pessoas, embora trouxesse a possibilidade de atender todos os casos, independentemente da identidade de gênero, o atrelava à prostituição e à exploração sexual.

Em 2016 ocorreram alterações no Código Penal brasileiro através dos artigos 13 e 16 da Lei 13.344: foi inserido o artigo 149-A, referente ao tipo penal de tráfico de pessoas, e revogados os artigos 231 e 231-A, ampliando a tipificação e a natureza desse crime. Segundo o artigo 149-A, que traz a nova tipificação de tráfico de pessoas, este significa:

192 Assim a linguagem do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual acionada pelas/os interlocutores levou

em consideração o que era difundido com relação à redação do artigo 231, vigente no período no campo de pesquisa. Outra questão importante, sobretudo por levar em conta o apego aos programas de televisão brasileiros retransmitidos nas Guianas para aqueles que têm acesso ao sinal de antena parabólica, foi a transmissão da telenovela Salve Jorge, exibida entre outubro de 2012 e maio de 2013 (logo depois da pesquisa de campo nas Guianas), que abordou a problemática do tráfico internacional de brasileiras, o que deve ter gerado uma série de discussões entre os brasileiras/os que acompanhavam o desenrolar da novela, já que a abordagem girava em torno de organizações criminosas, falsas ofertas de emprego, mulheres em cárcere privado e vítimas de violência constante, etc. Na Holanda, brasileiros interlocutores da pesquisa falaram que além de o enredo ter se configurado em torno de um romance, as outras questões levantadas serviam de alerta para mulheres que estavam pensando em viajar para o exterior, principalmente para trabalhar no mercado do sexo.

193 PISCITELLI, Adriana. Brasileiras na indústria transnacional do sexo. Nuevo Mundo, Mundos Nuevos.

12.3.2007. Disponível em: http://nuevomundo.revues.org/3744. Acesso: 30 de outubro de 2014. Ver, também, SILVA, BENTO e BLANCHETTE, op. cit.

194 São os artigos 227, 228 e 229 que tratam das diferentes formas de lenocínio. Em se tratando da sujeição de

criança e adolescente à prostituição e exploração sexual, é o artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ver BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Publicada em 16.7.1990. (Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso: 12 de dezembro de 2016.

195 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. A legislação penal brasileira sobre tráfico de pessoas e imigração ilegal/irregular frente aos protocolos adicionais à convenção de Palermo. Cascais, 2006, p.8. (Texto apresentado

89 Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV - adoção ilegal; ou V - exploração sexual.

No Brasil, na esfera política o governo tem demonstrado predisposição em implementar ações196 para detectar e coibir o tráfico de seres humanos (seminários, programas de apoio a vítimas, formação de agentes do Estado, campanhas de prevenção, criação de comitês e núcleos de enfrentamento do tráfico de pessoas, pesquisas197, etc.), em parceria com ONGs nacionais e internacionais, e instituições públicas em diversos estados. As mudanças no Código Penal foram influenciadas pelas discussões e debates, e, particularmente, pelos resultados de duas investigações realizadas pelo Poder Legislativo: em 2011, o Senado Federal acatou um requerimento que pedia a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o tráfico de pessoas no país198. Concentrando-se no período de 2003 a 2011, seu

relatório final foi aprovado em 2012. Com o mesmo objetivo, a Câmara dos Deputados, também em 2011, protocolou uma CPI, encerrada em 2014. As duas geraram uma série de reuniões, audiências e discussões, e seus relatórios fazem diversas recomendações de mudanças na legislação e propostas de projetos de lei no que concerne a esse crime.

No que se refere às “numerosas campanhas de sensibilização sobre o tráfico, que aparecem em todos os cantos do mundo”, estas “reproduzem imagens de mulheres

196 Em 2006 foi criada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Em 2008 entrou em vigor I

Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - PNETP, encerrado em 2010. No mesmo ano foi criado o Grupo de Trabalho visando a coordenação da elaboração do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - PNET, ainda em vigor.

197 O Ministério da Justiça do Brasil tem encomendado a realização de pesquisas oficiais, além de realizar pesquisas

em parceria com organizações internacionais como o International Centre for Migration Policy Development (ICMPD) e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Ver, entre outros relatórios: SILVA, Jacqueline Oliveira. (Coord.). O tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual no Rio Grande do Sul:

informe de pesquisa. Porto Alegre: Secretaria Nacional de Justiça-Ministério da Justiça/UNODC, 2005; BRASIL.

Secretaria Nacional de Justiça. Indícios de tráfico de pessoas no universo de deportadas e não admitidas que

regressam ao Brasil via o aeroporto de Guarulhos. Brasília: Ministério da Justiça, 2006; PROGRAMA DE

ENFRENTAMENTO DO TRÁFICO DE PESSOAS. (Coord.). Tráfico internacional de pessoas e tráfico de

migrantes entre deportados(as) e não admitidos(as) que regressam ao Brasil via o aeroporto internacional de São Paulo. Brasília: Ministério da Justiça/Organização Internacional do Trabalho, 2007; SPRANDEL, Marcia et al. Jornadas transatlânticas: uma pesquisa exploratória sobre tráfico de seres humanos do Brasil para Itália e Portugal. Brasília: Ministério da Justiça, 2011; BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Pesquisa ENAFRON: diagnóstico sobre tráfico de pessoas nas áreas de fronteira. Brasília: Ministério da Justiça-

Secretaria Nacional de Justiça, 2013.

198 Para uma análise dessa CPI, ver DIAS, Migração e crime: desconstrução das políticas de segurança e tráfico de pessoas, op. cit.

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encaixotadas, empacotadas, embaladas e/ou estampadas com código de barras, como uma metáfora visual do crime”199 — e é nesse contexto que tem sido construída, no Brasil, a imagem

de uma pessoa traficada: o debate sobre as trabalhadoras do sexo brasileiras no exterior tem espaço nas mídias escrita e televisiva200 do país, que as consideram, de modo geral, vítimas do tráfico de seres humanos com fins de exploração sexual201 e de uma grande rede de criminosos.

Adriana Piscitelli aponta que folders que vêm sendo produzidos estão afinados com o Protocolo de Palermo, uma vez que apresentam imagens com ênfase no “cárcere, na privação de liberdade, evocando a ideia de algo forçado”202. Como mencionado, dados apresentados sobre tráfico de

pessoas merecem cautela, uma vez que são baseados em fontes e contextos diferentes, e, como adverte o Grupo Davida — formado por cientistas sociais que têm como foco de estudo a prostituição a partir da visão de trabalhadoras e trabalhadores do sexo — “qualquer tentativa de apresentar estatísticas sobre o tráfico exige um cuidado especial”203.

A Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (Pestraf), realizada entre 2001 e 2002 pela ONG Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria)204, indicou 131 “rotas”, no país, de tráfico internacional para fins sexuais, utilizadas por organizações criminosas que tinham como principais destinos Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Holanda, Itália, Paraguai, Portugal, Suíça, Suriname e Venezuela. As vítimas, em sua maioria, eram adultas e oriundas das seguintes cidades litorâneas brasileiras: Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e Vitória — e alguns casos foram registrados nos estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Pará.

A Pestraf, uma das primeiras pesquisas sobre o tráfico de pessoas realizadas no Brasil, e de grande repercussão no país e no exterior205, tornou-se referência ao “se citar dados e casos

199 SILVA, BENTO e BLANCHETTE, op. cit., p.140.

200 Através de reportagens e documentários, e mesmo na telenovela Salve Jorge. 201 PISCITELLI, Brasileiras na indústria transnacional do sexo, op. cit.

202 Idem, Trânsitos: brasileiras nos mercados transnacionais do sexo, op. cit., p.101. 203 GRUPO DAVIDA, op. cit., p.155.

204 A Pestraf é fruto de uma parceria entre o International Institute on Laws and Human Rights of DePaul

University — esta, uma universidade privada de Chicago (Estados Unidos) — e o Ministério da Justiça do Brasil. Recebeu financiamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (United States Agency for International Development-Usaid), da OIT e da fundação sueca Save the Children Para os resultados da Pestraf, ver LEAL, Maria Lúcia; LEAL, Maria de Fátima P. (Orgs.). Pesquisa sobre tráfico de mulheres,

crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial - PESTRAF: relatório nacional - Brasil.

Brasília: Cecria, 2002.

205 A repercussão do resultado da Pestraf culminou na CPI da Exploração Sexual de Menores, criada por meio do

Requerimento nº 02, de 2003-CN, que investigou situações de violência e a existência de redes de exploração sexual de crianças e adolescentes. A CPI foi realizada no período de junho de 2003 a junho de 2004. Para os resultados dessa CPI, ver: CONGRESSO NACIONAL. Relatório final da Comissão Parlamentar Mista de

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sobre as supostas rotas de tráfico de pessoas no Brasil”206. No entanto, foi “alvo de diversas

críticas em função de problemas metodológicos”207, pois boa parte dos dados obtidos para a

construção das “rotas” que cita privilegiou como fontes a mídia e a Polícia Federal, fontes que requerem tratamento crítico208. Além disso, no seu relatório o tráfico de pessoas aparece atrelado ao turismo sexual, bem como a outros “intercâmbios sexuais e econômicos, como a prostituição e os casamentos com estrangeiros, e os deslocamentos internos, no âmbito do Brasil, para trabalhar na prostituição”209. Segundo Ana Paula da Silva e Thaddeus Blanchette,

As informações apresentadas pela PESTRAF não são, de maneira alguma, subsídios confiáveis através dos quais podemos tirar qualquer conclusão precisa referente ao tráfico de pessoas no Brasil. Tudo o que podemos dizer é que há evidências de que o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual de fato está ocorrendo no Brasil, pois pelo menos alguns dos estudos de caso demonstram isto [...]210.

Os autores acrescentam que a Pestraf, realizada com base em fontes e metodologias questionáveis, reforçou mitos e tem servido para alimentar dados da ONU e de outras organizações internacionais211, e tem influenciado debates, ações e políticas antitráfico no Brasil212. Assim,

o resultado prático mais concreto da PESTRAF tem sido a sua contribuição para um sentimento de pânico moral crescente no Brasil frente ao fenômeno do tráfico. Esse pânico, por sua vez, tem resultado na promulgação de uma política nacional de combate ao tráfico no Brasil que tem produzido pouco em

violência e redes de exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil”. Brasília, julho de 2004. 579p.

Disponível em: http//www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/84599. Acesso: 30 de maio de 2016.

206 BLANCHETTE, Thaddeus Gregory; SILVA, Ana Paula da. As rotas da PESTRAF: empreendedorismo moral

e a invenção do tráfico de pessoas no Brasil. Ártemis, v.18, n.1, p.12-27, 2014 (p.12).

207 PISCITELLI, Entre as “máfias” e a “ajuda”: a construção de conhecimento sobre tráfico de pessoas, op. cit.,

p.39.

208 GRUPO DAVIDA, op. cit.; BLANCHETTE e SILVA, As rotas da PESTRAF: empreendedorismo moral e a

invenção do tráfico de pessoas no Brasil, op. cit.

209 PISCITELLI, Trânsitos: brasileiras nos mercados transnacionais do sexo, op. cit., p.97.

210 BLANCHETTE e SILVA, As rotas da PESTRAF: empreendedorismo moral e a invenção do tráfico de pessoas

no Brasil, op. cit., p.21.

211 Entre as organizações citadas pelos autores, que se utilizam dos dados questionáveis (mas politicamente úteis

para seus propósitos) da Pestraf em seus relatórios, encontram-se a UNODC e a OIT (as duas, agências multilaterais da ONU), e a Organisation Internationale pour les Migrations. Ver INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION. Data and research on human trafficking: a global survey. Geneva: IOM, 2002; DIAS, Claudia Sérvulo da Cunha. (Coord.). Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2005; UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. The globalization of crime: a transnational

organized crime threat assessment. Vienna: The United Nations Office on Drugs and Crime, 2010.

212 Para uma análise crítica do relatório da Pestraf, ver BLANCHETTE, Thaddeus Gregory; SILVA, Ana Paula

da. On bullshit and the trafficking of women: moral entrepreneurs and the invention of trafficking of persons in Brazil. Dialectical Anthropology, v.36, p.107-125, 2012; e BLANCHETTE e SILVA, As rotas da PESTRAF: empreendedorismo moral e a invenção do tráfico de pessoas no Brasil, op. cit.

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termos de “proteção das vítimas”, mas muito em termos de vigilância e repressão, especialmente no que diz respeito à mobilidade internacional de brasileiras213.

É inegável que a Pestraf contribuiu para dar visibilidade ao problema do tráfico de pessoas na agenda pública brasileira, contudo não possibilita conhecer a real dimensão do problema no país. Além disso, o discurso que vem sendo produzido no Brasil sobre o tema, norteado por confusões conceituais e dados diversos, por vezes divergentes, merece debate mais amplo. Adriana Piscitelli, Ela Castilho e Kamala Kempadoo, por exemplo, têm problematizado que o discurso judicial e políticas antitráfico de pessoas têm criminalizado o trabalho sexual e reforçado o controle de fronteiras, afetando a mobilidade de pessoas no mercado do sexo214.