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O discurso jurídico visto através do vértice normativo-ideológico

Esquema 4 Esquema referente ao discurso epistemológico

4 O MAPA QUE TRILHA UMA ORDEM SOBRE O DISCURSO VISUAL: A

4.1 O discurso jurídico

4.1.1 O discurso jurídico visto através do vértice normativo-ideológico

Na condição de práticas sociais, o discurso jurídico constrói indeterminadamente e de acordo com seu tempo, o seu ordenamento. Porém, diante da complexidade inerente a este construto legal, a noção de “[...] unidade [...]” e de “[...] validade [...]”, deve revestir a “[...] norma origem [...]” que fundamenta o ordenamento a ela vinculado e “[...] exige que se remonte regressivamente à origem e, progressivamente, da origem, proceda-se os desdobramentos dos princípios nela contidos” (FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 187).

Nesta perspectiva, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF), para tratar da educação brasileira, emerge com o seu ordenamento tecido por séries de signos materializados através de distintos enunciados. Estas séries enunciativas de natureza jurídica têm bases em normas que são postas como regulamentos e atuam em diferentes âmbitos no contexto social. São escrituras que reconhecem e confirmam normas que favorecem condições de funcionamentos aplicáveis na sociedade, com vistas aos direitos e às garantias do cidadão brasileiro. Referente ao seu texto normativo-ideológico, a CF/1988 versa sobre os direitos e garantias fundamentais para a sociedade brasileira, arrolando enunciados como: “[...] a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o pluralismo político.” (BRASIL, 2012c, p. 11). Estes signos que aparecem articulados e organizados em conjunto de enunciados abrem o texto constitucional e, de modos e em condições distintas, neste e em outros documentos regressivamente são articulados, também, para falar sobre a Educação e sobre os sujeitos da EJA.

Nas séries enunciativas postas no capítulo III, seção I, da CF/1988, emerge a legislação sobre a Educação brasileira onde são mobilizados enunciados que dizem: “A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e a sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 2012c, p. 121). A LDB 9.394/96, em relação às normas da CF/1988, apresenta um desdobramento jurídico hierárquico, encontrado na seção V, ao dizer: “Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e adultos, que não puderam efetuar seus estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas [...]” (BRASIL, 1996). Acerca desta regularidade presente no discurso jurídico, merece relevo a obediência à ordem jurídica de origem no que tange à hierarquia entre os dois textos e à ratificação do segundo operando em função enunciativa com o primeiro.

Igualmente, são visíveis as regularidades no tocante às políticas públicas criadas para a EJA, prova disso, verifica-se no texto da Resolução nº 18/2007, que garante o LD para o aluno da EJA do curso de alfabetização e determina que esta ação deva ser realizada pelo PNLA do PBA. Neste achado enunciativo, constata-se que desde a promulgação da CF/1988, o seu capítulo III apresenta o Estado garantindo o direito ao cidadão brasileiro de cursar a educação básica e ser suprido com o material didático-escolar. Este enunciado fala sobre o “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático [...]” (BRASIL, 2012c, p. 122). Observa-se que o discurso jurídico e didático-pedagógico aparece materializado nesta norma do texto constitucional, mas, o LD estará nas escolas, efetivamente para uso do educando da alfabetização da EJA, através da Resolução nº 18/2007, ou seja, 19 anos depois. Por seu turno, a inscrição da CF/1988 é ampla ao assegurar o direito ao LD, não só ao educando do curso de alfabetização, este enunciado fala em atender a toda a educação básica, incluindo o educando jovem. Todavia, no caso da EJA, o suprimento do LD para a totalidade dos educandos e cobertura do ensino fundamental, chegará às mãos dos educandos 21 anos depois, através da norma jurídica nominada de Resolução nº 51/2009, que cria o PNLD-EJA. Neste caso, verifica-se que, apesar destes educandos do ensino fundamental da EJA estarem entre aqueles do ensino básico nacional, não participaram do direito ao LD no tempo em que foi assegurado a todos.

Na esteira da CF/1988, a recursividade do ordenamento jurídico em programas nacionais emerge por meio de normas que regulam e orientam a existência das modalidades de educação no interior do sistema educacional brasileiro. No âmbito da modalidade EJA, o Guia do PNLA traz enunciados que formam um conjunto de regras com vistas a forjar uma concepção de LD destinado aos educandos da alfabetização da EJA, com base no seu “[...]

papel pedagógico [...]” e seu “[...] papel social [...]” (BRASIL, 2010a, p.15). Por sua vez, em séries de enunciados correlatos, o guia do PNLD-EJA, ao enunciar a sua concepção de LD, ressalta, igualmente, o seu duplo papel, ou seja, o “[...] papel pedagógico [...]” e o “[...] papel social [...]” (BRASIL, 2010b, p. 20), evidenciando nos dois programas a existência de regularidades enunciativas sobre a concepção do LD. Outras regularidades enunciativas encontram-se na execução do processo de avaliação deste material, considerando que estes dois programas operam como reguladores das normas que devem ser conservadas junto, tanto a outros órgãos governamentais, quanto ao conjunto de editores nacionais que apresentam propostas para produção do LD da EJA. Sob o signo de programas pedagógicos, os Guias dos PNLA e PNLD-EJA, utilizando correlatos enunciativos, põem em funcionamento as regras que orientam e organizam a execução dos seus processos de avaliação sobre os livros didáticos, os quais acontecem por meio de processos de submissão e controle dos seus conteúdos. Este trabalho de caráter jurídico-pedagógico ocorre periodicamente, oportunidade em que são renovadas as regras referentes às normas jurídicas e pedagógicas que regem a produção do LD-EJA.

Ratificando o signo do controle normativo e ideológico, o Decreto-Lei nº 1006/1938 se organiza a partir de enunciados que orientam a circulação do LD, autorizando o seu uso nas escolas brasileiras. Evidenciando o controle sobre o conteúdo do LD exercido por meio de normas do Estado, visto pelo viés da sua espessura histórica, mostra a execução desta norma através da autorização ou interdição de uns conteúdos em detrimento de outros, para compor os livros didáticos na escola ao longo da história da educação brasileira. A vigência da Resolução nº 51/2009 porta funções enunciativas, cujas inscrições põem em evidência o processo de avaliação, que aprova ou reprova os livros didáticos que são submetidos a este processo. Ao retomar o signo da avalição do LD, vê-se que as duas normas citadas, mesmo consideradas em condições distintas, trazem as marcas dos processos de controle do Estado brasileiro sobre o LD da EJA, ressaltados através da vigilância dos seus conteúdos, sobretudo, aqueles de caráter ideológico. Operando no interior destas séries de enunciados do discurso jurídico, quando vistas subordinadas às suas leis de origem, percebe-se que o primeiro documento não possui mais efeitos, devido à sua superação normativa temporal. Na particularidade da primeira norma, a sua existência serviu para funcionar em um Estado ditatorial, onde o conjunto de enunciados que circulavam representava um modo de controle absoluto do Estado sobre a educação e o LD. No caso da segunda norma, suas inscrições foram postas para funcionar em um Estado democrático, trata-se de uma norma vigente, mas

distinta daquela, representa um certo modo de controle político e ideológico, cuja espessura histórica possibilita entender funções enunciativas operando em dispersão.

É possível verificar feixes enunciativos heterogêneos nas inscrições do Guia do PNLD-EJA ao falar sobre o LD e seus conteúdos, quando se referem a “[...] obra didática de alfabetização de Jovens e Adultos aquela especificamente destinada a apoiar o processo de ensino-aprendizagem que envolve a aquisição do domínio da língua escrita, numa perspectiva de letramento”. Em função com a noção de “[...] coleção didática o conjunto de volumes ordenados em torno de uma proposta pedagógica única [...]” (BRASIL, 2010b, p. 18, grifos dos autores). Quando colocado frente à questão curricular, estabelece que o citado documento deva remontar à LDB 9.394/96, observando o já inscrito: “Os conteúdos considerados são aqueles determinados na Base Comum Nacional, estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional [...]” (BRASIL, 2010b, p. 17). Amiúde, o que se pode verificar é que este documento para falar em conteúdos curriculares recorre a uma base nacional posta para o ensino fundamental, a qual é constituída por um conjunto de disciplinas, e neste sentido, abrem-se possibilidades de se falar sobre coisas diversas como, por exemplo: o conjunto de disciplinas e os seus conteúdos, possibilitando se referir ao currículo da EJA e ao conhecimento que deve ser ensinado. Puxando correlações enunciativas, a LDB 9.394/96, na seção V, fala sobre a questão do currículo para a EJA, ressaltando a recomendação da manutenção da “[...] base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos de caráter regular” (BRASIL, 1996). Este signo da possibilidade de prosseguimento da escolarização como uma garantia aos educandos da EJA correlaciona-se à questão curricular e a seus conteúdos, articula-se ao controle e a disseminação do saber escolar e do conhecimento, como enunciados que emergem articulados ao direito à educação que circula em recursividade destinada ao conjunto de brasileiros que historicamente tiveram negado o direito à educação.

Entre regularidades e dispersões presentes nos textos normativos, o ordenamento jurídico constrói regras hierárquicas capazes de fazer funcionar um determinado conjunto de regras. Posicionando-se regressivamente à norma de origem, emerge um conjunto de signos, às vezes estranhamente vinculados, postos para orientar a constituição do LD de língua portuguesa da EJA e os seus distintos conteúdos. Refletir sobre as normas que envolvem o discurso visual presente neste material escolar requer entender as suas formações discursivas e arregimentar enunciados em regularidades e dispersões que tratam, dentre outros, dos textos visuais presentes nestes livros didáticos. Ao considerar os textos visuais que circulam nos

livros didáticos da EJA arregimentados neste estudo, merece trazer em evidência o texto visual configurado na imagem de uma página de jornal de circulação numa capital brasileira.

Imagem 9 - Primeira página de jornal

Fonte: SILVA, C. de O; SILVA, E. G. de O; MARCHETTI, G, N. 2009b, p. 57.

Presente nesta imagem está a representação de uma página de jornal. Contudo, ao emergir no citado LD, o objetivo didático é de mediar o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa, salientando os gêneros textuais. Na condição de texto visual, esta imagem assume duas dimensões que interpelam o educando: numa primeira dimensão, como uma imagem que representa uma página de jornal, trata-se de um signo muito próximo da vida cidadã do jovem e adulto, educando da EJA. E como um enunciado visual, obedece a certa ordem interna às normas do discurso didático-pedagógico, naquilo que concerne ao conhecimento da língua materna, aos conhecimentos prévios do educando e como um operador da sua memória visual. Mas, este enunciado não seria materializado neste LD sem estar, a um só tempo, transpassado pelos discursos jurídico e didático-pedagógico e epistemológico, os quais autorizam através de distintos documentos, os conteúdos dos livros didáticos da língua portuguesa, e dentre estes, aqueles que devem contemplar diferentes gêneros textuais. Tendo em vista que este texto visual representa um jornal, a sua referência liga-se a um objeto que pode ser considerado um dos ícones entre as coisas que circulam no cotidiano do educando da EJA. Ressaltando o status de enunciado arqueológico, arrasta,

também, relevenates séries do discurso epistemológico, cuja representação aguça a reflexão sobre certa concepção ideológica sustentada pelo signo indicial e a força comunicativa deste objeto (o jornal) no meio societário.

Diante do posto, entende-se que as regras apresentadas, visando à constituição do LD da EJA, no tocante ao seu conteúdo visual, operam não exclusivamente através das séries que emergem pelo viés normativo-ideológico, operam também, dentre outras, através de enunciados de natureza social, histórica, antropológica e política. Nesta perspectiva, a seção seguinte visa chercher à connaître como se articula a trama que trata do signo jurídico, visto através do vértice sociopolítico.