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CAPÍTULO 3: O CONHECIMENTO CIENTÍFICO CONTEMPORÂNEO:

3.3 O Conhecimento Contemporâneo: Complexidade e Integração

3.3.1 O Domínio Epistemológico Contemporâneo

A epistemologia científica ou teoria da ciência se fundamenta em conhecimentos pressupostos, notadamente da lógica, que se inserem nos domínios mais amplos da teoria do conhecimento ou da gnosiologia. Nesse recorte, a epistemologia científica não se dedica à investigação e à reflexão da forma de origem e dos desdobramentos do conhecimento, com o intuito de verificar suas possibilidades de construções verdadeiras ou falsas, que pertencem aos espaços da teoria do conhecimento. Para Zilles (2005), na epistemologia científica, os conhecimentos científicos se encontram apoiados em conhecimentos (teoria do conhecimento) ou em construções sistematizadas que já têm o caráter de conhecimento verdadeiro ou falso.

No âmbito da epistemologia científica, pode-se verificar que, no que concerne às condições de produção do conhecimento científico, a base da ciência moderna é toda construída sobre os critérios de verdade do conhecimento, que subjazem no próprio interior desse processo científico, tendo como lastro a teoria do conhecimento. Dessa maneira, a relevância desse processo se fixa na ação da investigação e da experimentação, com base nos ideais instrumentalistas de Bacon e Descartes. Há, todavia, um discurso epistemológico contemporâneo que procura um caminho entre esses extremos, em que, nas palavras de Santos (1989, p. 72), “a teoria exerce um comando indisputado sobre todo o processo de criação do conhecimento”.

Nesse aspecto, Zilles (2005) esclarece que, no campo do conhecimento científico, verdade e certeza são condições necessárias; contudo, aquela se apresenta como uma relação complexa e multidimensional entre proposições e realidade (teoria da adequação), com outras proposições (teoria da coerência) e a comunidade dos pesquisadores (teoria do consenso). Desse ponto de vista, faz-se necessário destacar que: “em ciência, a rigor, não há verdades evidentes. Os próprios enunciados relativos aos fatos são frutos de uma interpretação à luz dos conhecimentos aceitos. Einstein mostrou que as bases da física teórica não são, na verdade, evidentes, nem verdades deduzidas, mas hipóteses” (ZILLES, 2005, p. 156). As hipóteses correspondem, por seu turno, a um conjunto de enunciados prévios que, apesar de não se encontrarem devidamente comprovados, funcionam como base para as análises, discussões e produção do conhecimento.

Na epistemologia científica, há um deslocamento de foco dos estudos sobre os critérios de verdade e/ou de falseabilidade do conhecimento sobre a realidade para os métodos adotados na formalização do conhecimento no interior de uma ciência. Assim, pressupondo a

inexistência de uma verdade absoluta ou precisa, a produção científica mesmo nos moldes contemporâneos tem buscado aproximar desse nível de conhecimento. Há uma diversidade de perspectivas epistemológicas na história dos estudos dos fundamentos filosóficos e científicos, sendo estas classificadas em três grandes categorias: lógica, genética e histórica. De acordo com Japiassu (1977), a epistemologia lógica tem como base o positivo anglo- saxônico, dedicando-se ao estudo e à construção da linguagem científica, assim como à pesquisa sobre as regras lógicas que fundamentam todo enunciado científico correto. A epistemologia genética, que tem em Piaget seu principal defensor, analisa a prática científica a partir de uma psicologia da inteligência. E, finalmente, a epistemologia histórica, na qual se inserem os estudos de Bachelard e Canguilhem, que, a partir de uma abordagem ampla, propõe uma análise histórica da ciência, de suas revoluções e das démarches do espírito científico.

A partir desta última perspectiva, entende-se que a epistemologia possibilita o estudo e a compreensão do progresso do conhecimento científico em sua dinâmica e complexidade, uma vez que parte da história da ciência em busca do estabelecimento do estatuto das ciências formais (lógica e matemática) e empírico-formais (físicas, biológicas e sociais), por intermédio da categoria analítica da recorrência epistemológica. De forma mais precisa, Bachelard (1996) entende que a abordagem da epistemologia histórica permite o acesso aos fatos históricos enquanto ideias, destacando apenas aquelas que se constituem em elementos fecundos ao entendimento do progresso do conhecimento científico.

Além disso, faz-se necessário destacar na epistemologia histórica bachelardiana a sua preocupação com a contextualização do conhecimento como parte de um sistema geral que possibilita sua maior inteligibilidade. Trata-se de considerar que cada conhecimento se realiza e progride dentro de condições históricas bem definidas. “Por isso, a epistemologia deverá interrogar-se sobre as relações suscetíveis de existir entre a ciência e a sociedade, entre a ciência e as diversas instituições científicas ou entre as diversas ciências. O que importa é que se descubram a gênese, a estrutura e o funcionamento do conhecimento científico” (JAPIASSU, 1977, p. 66).

A ciência, nessa perspectiva, é abordada a partir de suas condições sócio-históricas amplas e epistemológicas mais restritas. Essa abordagem implica um deslocamento dos critérios e fundamentos que referenciam toda a discussão. Nesse novo domínio da epistemologia científica, é importante considerar as observações feitas por Domingues (2004b) sobre os níveis metodológicos, a saber, a descrição, a explicação e a interpretação, que situam melhor as reivindicações do processo de conhecer contemporâneo, principalmente,

ao procurar correlacioná-lo com as condições de produção em que se inscreve e se desenvolve atualmente.

Segundo Domingues (2004b), a descrição se apresenta como instrumento metodológico da constituição de base empírica da ciência, que se dá a partir de observações e da experiência. Esse nível metodológico compreende recortes, seleções e abstrações da realidade, operando em níveis micro, por intermédio do afunilamento ou da verticalização, e macro, a partir de generalização ou horizontalização. Nessa composição descritiva, os pesquisadores de campos específicos do conhecimento devem procurar, sempre que possível, apontar para suas construções teórico-metodológicas identificadoras, como forma de contribuir com a construção do excedente epistemológico. Por outro lado, é necessário destacar a complexidade desse processo, notadamente, nas ciências humanas e sociais, decorrente de seu objeto de estudo que fala, exigindo do pesquisador maior rigor metodológico na apresentação dos resultados dessas descrições, que podem não apenas ser diferentes, mas opostas e mesmo contraditórias.

O segundo nível metodológico corresponde à explicação, que, de acordo com Domingues (2004b), busca, a partir dos elementos obtidos pela descrição, entender como eles se comportam, considerando a sua origem, a sua estrutura ou o seu fim. Nesse nível metodológico, os desafios estão vinculados ao delineamento das problemáticas de pesquisa, tomando como ponto de partida duas vertentes que têm pautado a questão da cientificidade nas Ciências Sociais. A primeira vertente busca aproximar as Ciências Socais às Ciências Exatas e da Natureza, tendo como balizadores o positivismo e o neo-positivismo, procurando estabelecer três ideais de cientificidade: objetividade, empirismo e universalismo. Nesse aspecto, a atividade essencial diz respeito ao estabelecimento das variáveis centrais e secundárias e à medição do grau de relação entre essas variáveis. A segunda, por sua vez, assume as especificidades do objeto que fala e interpreta o mundo e, dessa forma, coloca-se como ciências compreensivas em busca do sentido.

O terceiro e último nível metodológico apresentado por Domingues (2004b) concerne à interpretação que alguns tendem a localizá-la junto à compreensão no nível da explicação. Dessa forma, um fenômeno descrito e explicado se apresenta também como interpretado e compreendido. Apesar de a explicação e a interpretação (compreensão) se colocarem justapostas e atuarem em um mesmo nível, em alguns momentos, faz-se necessário proceder à distinção que aquela abrange questões relativas aos fatos (coisas), ao passo que esta se dedica à significação ou ao sentido dos fatos ou coisas.

Ainda de acordo com Domingues (2004b), a explicação se dedica ao modus operandi dos fenômenos, buscando evidenciar como eles se comportam, uma vez que uns funcionam como causa e outros como efeito. A interpretação, por sua vez, ao se deslocar mais do mundo empírico e se voltar para o teórico, procura entender o modus significandi dos fenômenos. Nesse nível, o pesquisador procura pelo por que e para que das coisas ou seu sentido, que são correlatos aos sujeitos, e, portanto, incidem mais sobre estes, em detrimento dos objetos.

Essa ampliação dos procedimentos teórico-metodológicos que fundamentam a prática científica contemporânea, principalmente, considerando o terceiro nível apontado por Domingues (2004b), evidencia um conjunto de questionamentos do estatuto de cientificidade moderna. O fato é que, considerando as condições contemporâneas de produção do conhecimento científico, pode-se observar que a epistemologia científica vem passando por um conjunto de transformações vinculadas à reconfiguração da própria sociedade. Essas transformações têm na sua base a compreensão da complexidade da natureza e do reconhecimento da multiplicidade dos campos do conhecimento científico, que imprimem um conjunto de questionamentos, notadamente, direcionados aos critérios de objetividade, neutralidade e universalidade bastante caros à ciência moderna.