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O Equilíbrio Econômico-Financeiro em Rodovias Brasileiras 38

No Direito Público, a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão é fundamentada em uma evolução do conhecido princípio de imutabilidade dos contratos. As origens do equilíbrio econômico-financeiro remontam ao direito francês da primeira metade do século XX, e ao entendimento de que a prestação de um serviço público deve ser contínua e, portanto, é de interesse permitir alguma flexibilidade do contrato, de forma a atingir uma equivalência entre os encargos e retribuições do parceiro privado, sem o acúmulo de ônus que levem a uma eventual paralisação do serviço, que contrariaria o interesse público geral. (VASCONCELOS, 2004)

Segundo Di Pietro (2002), os princípios maiores que regem a teoria do equilíbrio econômico- financeiro em contratos de concessão são:

• Equidade: impede que uma das partes possa se locupletar em detrimento da outra;

• Razoabilidade: devida proporção entre custo e benefício, entre a modicidade tarifária e a remuneração da concessionária;

39 • Continuidade do serviço público: que aponta o equilíbrio como direito indispensável para a continuidade do contrato, de forma que a concessionária não seja onerada a ponto de paralisar o serviço ou prestá-lo de forma inadequada;

• Supremacia do interesse público: referente ao interesse coletivo de continuidade do serviço, cabendo à Administração Pública a definição de medidas adequadas de reequilíbrio para assegurar essa continuidade;

• Isonomia: impede que circunstâncias excepcionais, não previstas inicialmente no contrato, beneficiem ou onerem de forma desproporcional uma das partes

Com esses preceitos em consideração, a doutrina passou a considerar que a imutabilidade dos contratos exige o permanente equilíbrio entre encargos e obrigações (DI PIETRO, 2002). O direito ao equilíbrio econômico-financeiro foi positivado na ordem jurídica brasileira na Constituição de 1967, e o primeiro decreto-lei contando com a expressão foi de 1986. A partir daí, foi incluído nas posteriores Lei de Licitações e Contratos Públicos e na Lei Geral das Concessões, na década de 1990.

No entanto, o direito ao reequilíbrio não elimina o fato de que a execução do serviço é por conta e risco do concessionário, de forma que variações em sua lucratividade façam parte do empreendimento e das características inerentes ao negócio, no qual o lucro não é fixo. Dessa forma, a revisão de contratos deve ocorrer em circunstâncias excepcionais e imprevisíveis. Para mitigar conflitos, os contratos devem indicar, na medida do possível, os encargos da álea econômica que não serão considerados para efeito de equilíbrio econômico-financeiro, como variações nos custos de implantação do empreendimento e diferenças entre o tráfego observado e as projeções. (DI PIETRO, 2002)

De forma direta, o mecanismo de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro de um contrato de concessão é o reajuste ou revisão das tarifas cobradas dos usuários, seja de forma periódica ou extraordinária. De forma indireta, a alteração no programa de investimentos, com redistribuição no tempo dos investimentos alocados no fluxo de caixa, dilatação do prazo contratual ou aporte direto de recursos públicos não previstos. Essas possibilidades devem já ser permitidas pelo contrato da concessão. Os mecanismos indiretos apresentam a vantagem de recompor o equilíbrio econômico financeiro sem a necessidade de alterar a tarifa cobrada do usuário, o que evita conflitos com a população, impactos direta e imediatamente sentidos pelos usuários e danos políticos. (VASCONCELOS, 2004).

40 A própria correção periódica da tarifa por um índice inflacionário passado é considerada uma forma de recomposição do equilíbrio, ainda que já prevista em contrato. A revisão da Tarifa Básica de Pedágio foi o instrumento diretamente mencionado nos contratos das primeiras concessões federais como variável para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. Dentre as motivações citadas em contrato para a revisão são alteração de tributos, acréscimo ou supressão de encargos do Programa de Exploração Rodoviária e ocorrências supervenientes que acarretem aumento dos custos da concessionária. A inclusão de novas obras para execução pelas concessionárias foi, de fato, um expediente bastante usado na primeira fase de concessões federais, servindo de justificativa para aumentos reais de tarifa. (VERON E CELLIER, 2010)

Como exemplo do entendimento do governo federal em relação ao risco de tráfego, o item 20 do contrato de concessão entre a União e a Concessionária Rio-Teresópolis esclarece que “a

concessionária assume, integralmente, o risco de trânsito inerente à exploração da rodovia, incluindo-se neste o risco de redução do volume de trânsito, inclusive em decorrência da transferência de trânsito para outras rodovias existentes.” (BRASIL, 1995). O mesmo

entendimento é explicitado nos contratos de concessões estaduais, como no programa paulista, que determina que “variações de receita decorrentes de alterações da demanda de tráfego em relação

ao previsto no plano de negócios não serão consideradas para efeito do equilíbrio econômico- financeiro, sendo considerado risco exclusivo da concessionária a correta avaliação do possível impacto sobre a exploração do sistema rodoviária decorrente da evolução futura dessa demanda.”

(SÃO PAULO, 1998)

Ainda nos contratos de concessões rodoviárias paulistas, é definido que a concessionária assume os riscos de redução do tráfego em relação às projeções consideradas na proposta, exceto em casos em que esta redução resulte de ato unilateral do poder concedente (SÃO PAULO, 1998). Sobre essa questão, Azevedo e Alencar (1998) são enfáticos, ao afirmar que estudos de previsão de demanda mal feitos, além da operação do serviço com negligência e inoperância, são de responsabilidade intransferível da concessionária, não servindo de motivação para solicitação de reequilíbrio da equação financeira inicial.

Como exemplo do posicionamento do governo federal em sua primeira rodada de concessões rodoviárias, o Edital da Concessão da Rodovia NovaDutra também aborda diretamente essa questão. Nele, foi determinado um valor máximo de tráfego que poderia ser considerado pelos

41 licitantes em suas propostas de tarifa. Para a comissão, o volume adotado pela empresa licitante serviria exclusivamente para análise das propostas, e qualquer desvio, para mais ou para menos, não implicaria em revisão tarifária, por ser o risco de trânsito integralmente da concessionária.

Evidentemente, entre a alocação fria dos riscos ao parceiro privado determinada pelas cláusulas contratuais, e os impactos efetivamente sentidos pela concessionária em seu fluxo de caixa, existe a possibilidade real de não cumprimento das obrigações previstas por insuficiência de receitas devido ao tráfego inferior ao previsto. Ainda que não se dê direito ao reequilíbrio tarifário, a concessionária pode de fato encontrar-se em situação de desproporção entre receitas e obrigações, o que serve de princípio para o equilíbrio, além de fomentar o risco de interrupção do serviço. Em tais situações, a concessionária exerce pressão sob o ente regulador. Vasconcelos (2004) aponta que, contrariando o dispositivo legal e contratual, o ente regulador autoriza a mitigação do risco de tráfego assumido pelas concessionárias mediante alteração da tarifa de pedágio.

Outras medidas citadas por Vasconcelos (2004) para mitigação do risco de tráfego das concessionárias da primeira rodada de concessões federais foram a instalação de bloqueios em pontos de saída das estradas e realocação, desmembramento ou criação de novas praças de pedágio. Por fim, as modificações nas obrigações do cronograma de obras.

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