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O estrangeirismo e sua adoção

No documento ANTONIO CARLOS PINHO SILVA (páginas 81-84)

“O Office-boy flertava com a baby-sitter no hall do shopping center” (Marcos Bagno)

As línguas mudam, assim como as sociedades e as culturas. Há mudanças espontâneas que parecem resultar de motivações internas ao sistema lingüístico e mudanças que se configuram a partir de processos de aproximações entre sociedades e culturas. A partir disso, é possível constatar que o tráfego de expressões estrangeiras, resultante do contato entre culturas diferentes, amplia-se e difunde-se, primeiramente, como elementos de inovação no idioma que as transplantam, depois como adoção do termo.

Destacamos aqui o processo de inovação por empréstimo a partir de motivações externas ao sistema lingüístico, como é o caso da influência dos processos civilizador e de globalização. Diante dos contatos globalizantes presentes na atualidade, constatamos uma grande quantidade de termos empregados como inovadores que ora são adotados, por terem sua funcionalidade comprovada, ora desaparecem por não apresentarem necessidade expressiva do usuário. Podemos perceber, partindo desse raciocínio, que muitos

estrangeirismos têm vida curta, ou são incorporados naturalmente à língua, o que torna difícil determinar sua origem. Exemplo disso pode ser verificado em termos como: garçom, futebol, bife, entre outros

No que se refere à epígrafe que abre este item, observamos que sua estrutura sintática é própria da língua portuguesa, apesar dos vocábulos estrangeiros. No caso específico do termo office-boy, constatamos que essa expressão designa o funcionário de um escritório, normalmente, responsável por fazer, entre outras atividades, pequenos trabalhos em bancos. A expressão, originalmente da língua inglesa, aos poucos foi acomodando-se ao português, incorporando novas designações semânticas e ortográficas. Atualmente, quando nos referimos ao mesmo funcionário, dizemos apenas boi, termo que já traz sua predicação registrada por Antonio Houaiss (2001: 477). A expressão foi aportuguesada, ganhando elementos próprios do idioma português, mas, com valor semântico diferente do original. O termo boy, na língua inglesa, predica o substantivo “menino”, diferente do sentido empregado na língua em uso no Brasil.

Como podemos verificar, atualmente, as inovações lingüísticas não derivam de forma exclusiva do mundo das tecnologias. Termos como fast-food, self-service, best-seller, air-

bag, marketing, ranking, traller, e-mail, hardware, software entre outros, há muito tempo

difundidos pelos usuários, foram incorporados à língua portuguesa. Atualmente, é cada vez mais comum utilizarmos o termo delivery para designar os serviços de entrega em domicilio. A pizza quando próxima ao termo express, nos dá a sensação de que o produto sairá do forno em menos tempo. Lojas de animais são pet shops. A liquidação é on sale, o desconto é off. O que era grátis, agora é free. Tudo é center: design center, estetic center. As perfumarias anunciam a new fragrance. O moderno é fashion. Recorte de notícias é

clipping. Subir na empresa ou na vida é um upgrade. Modelo número um é top model.

Ginástica é fitness.

Não há como escapar; estamos diante do processo civilizador em essência. Há quem sustente que nesse processo está ocorrendo excessos no uso dos empréstimos. No entanto, é fato que muitos desses termos estão sendo incorporados ao léxico da língua portuguesa, seja diante do fato da inexistência de um termo semelhante para designar determinada situação ou objeto, seja por atender a uma necessidade expressiva do usuário da língua. Os termos deletar e escanear já não são simples jargões da informática ou de técnicos

envolvidos diretamente com o setor. Essas palavras, bem como outras, originárias do campo da tecnologia da informação foram incluídas como termos aceitos pela língua portuguesa. Tais termos e expressões estão entre nós, nacionalizados e incorporados pelo dicionário, passando ou não por transformações semânticas, fonéticas ou morfológicas.

Assim, constatamos que a língua acompanha as mudanças da sociedade e da cultura em que se insere e onde se desenvolve. Palavras e expressões estrangeiras que se incorporam à língua portuguesa passam por etapas de adaptações, sofrendo ou não as alterações necessárias para serem adotadas e dicionarizadas.

As palavras de vocação cosmopolita circulam pelo mundo e acabam por integrar um vocabulário que aumenta sem cessar, aproximando culturas e sociedades. Para Sergio Corrêa da Costa (2000:24) cada palavra obedece à necessidades seja de nomear um objeto,

uma idéia, um acontecimento, seja de comunicação com outros membros da comunidade.

Fatos e objetos novos necessitam de palavras inovadoras, ou seja, impõem a criação de palavras para nomeá-los.

Cada palavra valoriza uma necessidade social. De acordo com S. C. da Costa (op.cit.: 24) a língua dos esquimós teria 14 advérbios para indicar distância, visto que, no caso

deles, um erro de avaliação poderia ser fatal. Provavelmente, os termos para se referirem a

balneário, na língua desse povo, seriam raros diante de sua pouca utilidade.

Os estrangeirismos podem penetrar em uma língua seja por incorporação pura e simples, sob o formato de origem, como: baby-sitter, copyright; seja mediante pequenas adaptações gráficas ou fonéticas: leader, transformado em líder; hot dog. Há casos de tradução literal: sky-scraper, gratte-ciel, rasta cielo, arranha-céu. Por vezes, não é a palavra em si que se infiltra no uso corrente de outras línguas, mas um sentido que lhe é peculiar. S. C. da Costa (op. cit.:26) exemplifica:

to realize (compreender), que, sob a forma ‘réaliser’, substitiu com freqüência o francês ‘se rendre compte’ ou o espanhol ‘darse cuenta’ Nos nossos dias, um brasileiro ou um português pode, impunimente, adotar esse sentido inglês e dizer: ‘Custei muito a realizar o que ele queria dizer’..

As línguas humanas não são constituídas de realidades estáticas. Todas elas representam grande variabilidade social, cultural, política e geográfica, além de passarem,

continuamente, por um lento processo de mudança no tempo. Por isso, é comum dizer que toda língua humana tem história. Neste sentido, quando olhamos a língua como uma realidade histórica, analisamos essa de forma intimamente vinculada à vida social e cultural de seus usuários.

Nesta perspectiva, ressaltamos que nos processos civilizatório e de globalização inúmeros estrangeirismos inovadores são introduzidos na língua portuguesa, contudo apenas um pequeno número desses vocábulos são, de fato, adotados.

No fluxo do tempo, a língua se transforma, isto é, estruturas e palavras deixam de fazer parte do acervo lexical. Outras ocorrem modificadas em sua forma, função e/ou significado. De forma semelhante, inúmeras expressões chegam ao idioma com sua forma inovadora. Ao serem adotadas, sofrem as alterações necessárias para se incorporar ao novo idioma, adaptando-se gráfica e foneticamente ou, simplesmente mantêm suas características originais.

No documento ANTONIO CARLOS PINHO SILVA (páginas 81-84)