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5. EXPERIÊNCIAS QUE PROMOVEM A PAZ: AS FLAS DOS JOVENS

5.5 Escola Promotora da paz

5.5.2 O exercício do diálogo

Um outro ponto extremamente relevante trazido pelos sujeitos da pesquisa diz respeito à concepção de que a paz deve ser construída através do diálogo e da escuta atenta de toda a escola sobre o que os jovens pensam (FREIRE, 2005c). Um dos participantes da pesquisa afirma que a escola pode construir a paz “sendo mais compreensiva e escutando os alunos” (Jovem, Educando - Oficina Escola VILA). Expresso minha concordância com o argumento trazido pelo sujeito pesquisado enfatizando a relação dialógica de escuta verdadeira e a facilitação da expressão da fala do educando (FREIRE, 2005c) enquanto fatores fundamentais ao desenvolvimento da cultura de paz nas escolas.

A Educação para a Paz configura um espaço privilegiado para operar o consenso facilitando o debate, não mascarando os conflitos e estimulando nos seus componentes a postura de negociação e tolerância. A boa comunicação, por meio da integração da escuta respeitosa e da facilitação das falas, constitui uma ferramenta primordial para a construção da paz. Segundo Guimarães (2004), a prática do diálogo é fundamental para a construção da paz no ambiente escolar. Esta atitude vem do reconhecimento da alteridade, reconhecimento da existência do outro e da possibilidade de convivência pacífica entre formas de pensar, agir, sentir diferente.

Para Guimarães (2004) a paz deve ser pensada como uma realidade intersubjetiva, sendo entendida como algo a ser construído e vivenciado entre pessoas, não apenas isoladamente e internamente, mas a partir do encontro com o outro. A relação dialógica apresenta-se como um caminho necessário a ser estabelecido. Para se efetivar este caminho, de acordo com Freire (2005a), o diálogo deve estar pautado na humildade, no amor, na fé intensa no ser humano e na leitura crítica da realidade.

Freire (2005a) afirma que o diálogo é uma necessidade existencial. Ressalta que para existir o diálogo é preciso humildade, esse não pode significar um ato de arrogância. Como posso dialogar com alguém quando pré-julgo que esse nada tem a me oferecer? Na relação dialógica está inerente a dimensão da troca, para que isso aconteça é necessário ter a consciência da incompletude do ser humano. Sendo assim, homens e mulheres humildemente podem reconhecer suas limitações.

O mesmo autor deixa claro o seu posicionamento contrário a uma idéia de paz a ser atingida individualmente ou isoladamente. Esta deve ser obtida neste mundo e com o mundo, pois os homens se encontram por meio do diálogo. No entanto, não há diálogo se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Por ser capaz de amar, o ser humano torna-se semelhante e disponível ao encontro através do exercício dialógico (FREIRE, 2005a).

O território dialógico deve se configurar como solo fértil ao desenvolvimento das potencialidades humanas. Para tanto, Freire (2005a) adverte que jamais poderemos nos entregar ao sentimento de desesperança e deixar de cultivar a fé intensa no homem.

O exercício do diálogo inclui certamente a leitura crítica da realidade. Essa prática significa romper com o silêncio, pronunciar o mundo, ocupar o lugar de sujeito crítico, capaz de promover transformações sociais, a partir do conhecimento dos processos dos quais homens e mulheres fazem parte (FREIRE, 2005a).

Educar para a paz requer a vivência da educação dialógica. Quero ressaltar também que a própria prática das oficinas realizadas nas escolas pesquisadas está relacionada à ênfase no exercício do diálogo. Primeiramente, toda a metodologia da atividade buscou dialogar com os participantes, ou seja, não ficou na teoria sobre, mas vivenciei com os participantes o diálogo, a escuta e o resgatar da fala. A relação dialógica traz consigo a participação ativa, o envolvimento e a discussão. Isso ficou nítido com o grau de envolvimento e participação dos jovens no decorrer dos debates. Por fim acreditamos também que “O diálogo favorece a informação, o encontro e a compreensão. Contribui para aparar asperezas, más interpretações, enfim, para facilitar a aproximação entre as pessoas” (SERRANO, 2002, p.15).

El diálogo implica tolerancia y el respeto a las diferencias como clave esencial de la práctica democrática en la que los actores prestan atención activas con su pensamiento y acción a las diferentes opiniones, creencias y valores que difieren de los propios. Y es, por otro lado, elemento imprescindible de la cooperación y constituye la esencia de la Cultura de Paz que reside primeramente en el encuentro entre las personas y sus realidades históricas y éticas diversas (TUVILLA, 2004, p. 228).

Existir é também falar e ser ouvido, esse deveria ser um dos direitos fundamentais da humanidade. É terrível a sensação de falar e não ser escutado. Certamente lembramos de nossa infância como ficávamos irritados quando algum coleguinha ou irmão fingia que não estava nos escutando. A sensação era de não existência, o quadro angustiante, e, ao mesmo tempo, poderia ser irritante. O que essa sensação pode gerar? Por que ainda reproduzimos momentos de desrespeito em sala de aula ou em nossas relações cotidianas?

Percebo ser possível estabelecer uma relação entre o diálogo e a escuta. Ambos pedem que o sujeito da ação dirija sua atenção para um determinado objetivo. No caso do educador em sala de aula, a atenção para com seus educandos. Quando escutamos alguém estamos sinalizando para ele que naquele momento ele está sendo importante para nós. Dessa forma confirmamos a existência do outro em sua essência de ser humano em relação, na dependência de outro para existir. A esse respeito Leonardo Boff (2002, p.124) observa “a vida humana se concretiza numa tecedura de relações muito complexas. Seu destino e sua identidade residem em poder estar no mundo junto com os outros. É através do diferente dele mesmo que o ser humano chega a si mesmo,

na mediação com o mundo”. A relação dialógica é ponte para que esse encontro consigo e com o(s) outro(s) se estabeleça.

A garantia da existência humana passa pelo exercício do cuidado. Na próxima parte do texto desenvolverei considerações sobre essa temática.