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2.3 DESENVOLVIMENTO DA IMPRENSA NA ERA VARGAS

2.3.1 O governo democrático de Getúlio Vargas (1950-1954)

O ano de 19508 apresentaria grande movimentação na política brasileira com o retorno de Getúlio Vargas ao poder. Pouco antes de sua vitória, ele concedia entrevista ao diário O

Jornal, de Assis Chateaubriand, com forte repercussão, na qual se autodefinia “não

propriamente como líder político. Sou, isto sim, um líder de massas” (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 105). O impresso vendeu 180 mil exemplares, contra uma média diária de apenas nove mil.

Assim, com uma máquina eleitoral eficiente e uma campanha baseada na industrialização e defesa dos trabalhadores, Vargas venceu a eleição, e tomou posse em 1951, embora tivesse a oposição da maioria da imprensa, com a exceção, sempre problemática, dos Diários Associados, pois Chateaubriand era inconstante e cobrava caro pelo apoio (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 105).

De volta ao poder, Vargas utiliza-se de velhos bordões e artifícios que elogiavam seu antigo governo. Seu objetivo era buscar novas alianças abraçando setores com diferentes aspirações políticas. O presidente alia-se tanto a defensores do nacionalismo quanto do liberalismo, em um período de Guerra Fria, além de tentar traçar um Estado de Compromisso que desenvolvera em seus primeiros anos à frente da presidência do Brasil. Por outro lado, Getúlio Vargas precisa enfrentar os liberalistas, representados pelo empresariado nacional, e militares, que defendem a abertura da economia nacional ao capital estrangeiro e a adoção de medidas que podem controlar as atividades econômicas e os índices inflacionários. Outra parte, os nacionalistas, que têm o apoio dos trabalhadores e representantes de esquerda, é favorável a um projeto de desenvolvimento com a participação do Estado na economia e a rejeição ao capital estrangeiro.

De acordo com D’Araújo e Almeira (1992), o segundo governo de Vargas estaria dividido, especialmente, entre dois momentos. O primeiro ocorre de 1951 até 1953. O outro, a partir de 1953, adotando uma linha de governo atrelada a uma orientação mais trabalhista.

O primeiro iria de 1951 até meados de 1953, e seria marcado por uma política de conciliação com os setores conservadores, evidenciada na composição do seu primeiro ministério: o “Ministério da Experiência” [...]. A partir de 1953, com o recrudescimento do movimento das massas, alternam-se a aliança de classes e a política de conciliação do Governo. Esse segundo momento seria marcado por uma

8A sucessão de 1950 representa, em termos de análise política, o primeiro grande teste a que se submete o sistema de democracia ampliada recém-criado no Brasil. O surgimento da candidatura de Getúlio Vargas e sua vitória eleitoral vão interferir nesse contexto como mais um daqueles fatores aos quais se podem atribuir as dificuldades para a consolidação de uma prática partidária institucionalizada no país (D’ARAÚJO, 1999, p. 42).

orientação mais trabalhista, voltada para os interesses populares, em detrimento da conciliação com os setores conservadores (D’ARAUJO; ALMEIRA, 1992, p. 21). No período de 1951 a 1954, os proprietários de agências de publicidade e de alguns meios de comunicação de massa contrários a Vargas mostram uma forte oposição ao governo através de inúmeras campanhas de publicidade e propaganda, por vezes financiadas por inimigos de Vargas, com ataques ao governo do militar e ao nacionalismo das Forças Armadas.

É possível afirmar, sem nenhum risco de erro, que as ofensivas publicitárias, de 1951- 1952, contra o Clube Militar, sua Revista e a ala nacionalista das Forças Armadas; de 1953, contra a empresa Última Hora; e de 1954; contra o governo de Vargas, com seu clímax de agosto deste último ano, foram rigorosamente planejadas e desenvolvidas, e que a elas se devem os atentados cometidos contra a liberdade, inclusive a de expressão do pensamento, e a tragédia final, que levou o presidente da República ao suicídio, para escapar à desmoralização a que vinha sendo submetido. Nesse ano de 1954, quando ocorria o golpe de Estado, aparecia, por coincidência, interessante estudo sobre o negócio de publicidade, em revista de economia de caráter eminentemente conservador. Embora superficial, esse estudo alinhava alguns dados importantes a respeito do controle que as agências de publicidade exerciam sobre os meios de comunicação do pensamento em nosso país (MELO LIMA, 1954 apud SODRÉ, 1999, p. 405).

Grandes jornais da época, justamente por essa questão e com posições antigetulistas e antigovernistas, aumentam o número de críticas acirradas contra as decisões e mesmo indecisões de derivam das esferas governamentais. Essa oposição sistemática da imprensa constituí-se efetivamente para o surgimento e formação do que se poderia chamar de anteprojeto ou a não-aceitação do Governo. É através da imprensa que se expressam, ao nível ideológico, uma não-aceitação às políticas de Vargas. Sempre a partir da imprensa é que surgem insatisfações e muitas divergências ao governo getulista. Essa ressonância de críticas transformam os jornais em grandes núcleos poderosos de resistência ao governo. De acordo com D’Araújo (1999, p. 29), “em meados de 1953, as denúncias que envolvem o jornal Última

Hora vêm coroar o final de um processo de comprometimento da administração governamental.

O cerco da imprensa torna-se definitivo”.

Entre as ações colocadas em prática por Vargas, esteve a criação de duas estações do setor energético: a Petrobrás, que teria o controle de toda a atividade de prospecção e refino de petróleo no país; e a Eletrobrás, empresa responsável pela geração e distribuição de energia elétrica. Foram efetivadas medidas com forte tendência nacionalista, recebidas com grande desagrado pelas elites da sociedade. Neste contexto, muitos foram os críticos ao governo. Entre eles estava o jornalista Carlos Lacerda, membro da União Democrática Nacional (UDN), que acusava Vargas pela imprensa de promover a esquerdização do Brasil e praticar corrupção

política.

O ano de 1954 inicia-se com fortes tensões políticas. O ideal nacionalista que Vargas deixava claro em seu governo e também a política social desenvolvida atingem poderosos interesses da sociedade brasileira. O reflexo é percebido também no contexto internacional. “Vargas não tinha uma defesa jornalística de igual intensidade e repercussão. Seus pronunciamentos, embora frequentes, limitavam-se ao programa de governo e à defesa de interesses nacionais (SILVA; CARNEIRO, 1998, p. 88).

Em agosto de 1954, Carlos Lacerda foi personagem dos jornais, depois de escapar de um atentado promovido por Gregório Fortunato, guarda pessoal do presidente. O fato culminou na morte do major-aviador Rubens Florentino Vaz e no ferimento do guarda municipal Sálvio Romeiro. Matéria de capa dos principais jornais do país, a polêmica sob o envolvimento de Vargas no episódio serviu de justificativa para o ataque de forças de oposição que exigiam a renúncia do presidente. “A oposição ficou tão forte que conseguiu, em determinado momento, fechar uma rádio do governo que era a única que defendia Vargas (SILVA; CARNEIRO, 1998, p. 89).

Com grande pressão política estabelecida contra si, Getúlio Vargas escolheu outra solução. Na manhã de 24 de agosto de 1954, o então presidente cometeu suicídio, disparando um tiro contra o coração. Em sua carta testamento, Vargas denuncia sua derrota perante os grupos nacionais e internacionais que desprezam a sua luta pelo povo e, principalmente, os humildes.

Na primeira edição extra da Última Hora de 24 de agosto de 1954 foi publicada sua Carta Testamento original, manuscrita em cinco páginas, assinada pelo presidente, encontrada ao lado do corpo inerte, após um tiro no coração. Sob o título: “Matou-se Getúlio. O presidente cumpriu a palavra: Só morto sairei do Catete!” a mensagem contida no primeiro parágrafo da carta original: “À sanha dos meus inimigos deixo o legado de minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer pelos humildes tudo aquilo que eu desejava”. Getúlio na verdade escrevera: “... fazer por este bom e generoso povo brasileiro e principalmente pelos mais necessitados todo o bem que pretendia”. Paulo Silveira, secretário de redação da UH e também secretário geral da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro à época, editou a carta derradeira de Getúlio para acomodar o primeiro parágrafo na primeira página [...]. A morte de Getúlio mudou o clima das ruas. Na noite do dia 23, o burburinho do povo voltando para casa, após a jornada de trabalho, pedia a renúncia do presidente. Na manhã seguinte, a morte emocionou a multidão e a comoção era geral (MARTINS; DE LUCA, 2008, p. 200).

O gaúcho de São Borja, Getúlio Vargas, entra para a história do Brasil. Para milhares de brasileiros, ele se torna um herói nacional que teve sua vida ceifada por inimigos superiores à sua luta popular. Grupos políticos, instituições, diversos meios de comunicação e, principalmente, os jornais que estiveram contra Vargas sofrem intenso repúdio da população.

“Ainda no dia 24, caminhões de O Globo foram queimados, o Diário de Notícias e a Tribuna

da Imprensa são depredados por uma multidão” (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 110). Tal

reação impede a consolidação de um possível golpe de Estado, e Carlos Lacerda passa de vítima a vilão. Na oportunidade, quem assume a presidência no lugar de Vargas é seu vice, Café Filho. As eleições são realizadas em 1955 e são vencidas por Juscelino Kubitschek e João Goulart, da aliança PSD e PTB.

Nesse período, as notícias políticas tomam conta dos principais jornais; entretanto, nem sempre o caráter comercial ou jornalístico dos periódicos é o que mais interessa para os leitores. Existem, porém, publicações que revelam uma linguagem voltada a interesses específicos. São inúmeros os impressos diários, semanários ou mensários que possuem o objetivo de ser o mensageiro, o responsável em dar voz a diferentes categorias sociais. Ao lado da grande imprensa, que passa a assumir sua defesa pelo capital, estabelece-se o periodismo que defende os anseios da comunidade negra brasileira, também conhecida como imprensa negra, que estabeleceu um novo sentido às discussões sociais.

A chamada imprensa negra, ou seja, aquela que é produzida por e dirigida para os negros, foi precedida por publicações que apoiaram o abolicionismo ou que tiveram nesta causa sua principal justificativa. Porém, a partir do início do século XX, distingue-se com uma expressão específica. Embora os periódicos produzidos nesse contexto nem sempre tenham longa duração ou grande número de leitores, testemunharam preocupações e anseios da comunidade negra brasileira (ROMANCINI; LAGO, 2007, p. 88).

Outra caracterização voltada à imprensa e seu conteúdo é também o debate de patrões e trabalhadores, que surge através de outra nomenclatura: a imprensa proletária. Seu foco é o ponto de vista do trabalhador que iniciou dentro das fábricas onde o proletariado tem nascente na indústria. Os trabalhadores, muitos deles, chegam da própria Europa e são imigrantes no Brasil. A influência e o discurso por ideais anarquistas, no surgimento dessa imprensa, levam muitos desses periódicos a serem publicados em língua de imigrantes, principalmente o italiano, mas também o espanhol e o português (Portugal). Em razão disso, as autoridades brasileiras começaram a tomar atitudes enérgicas, entre elas a expulsão dos diretores desses jornais, prevista na legislação brasileira. Esse regramento que permitia as expulsões era praticamente uma adaptação de leis criadas nos períodos autoritários por governos da França, Áustria, Prússia, Itália e Espanha. No conteúdo dos jornais relacionados à imprensa proletária estão as greves dos trabalhadores e o sindicalismo partidário, que estava baseado nos princípios do Partido Comunista. Mas outros jornais comunistas, com maior ou menor importância, foram publicados no Brasil entre 1925 e 1945. Entre eles, o vespertino A Nação, em 1927, e o matutino

A Manhã, em 1935.