• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1. FORMAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA

1.2 O IMPÉRIO ROMANO E O PROCESSO DE “ROMANIZAÇÃO” DA PENÍNSULA

No século II a.C., após terem derrotados os rivais cartagineses nas Guerras Púnicas na Península Ibérica Ocidental, o Império Romano se expande no território até o noroeste, onde encontra resistência dos Cántabros e Astures. Não obstante, logo após a conquista, os romanos dividiram o território em duas grandes áreas: A Hispânia Citerior e a Hispânia Ulterior, respectivamente, território mais próximo e mais afastado de Roma. A falta de maiores entidades políticas na Península Ibérica fez com que os romanos tivessem que encarar separadamente cada um dos pequenos grupos da região. Um processo de aculturação começou quase imediatamente após a chegada dos romanos e prosseguiu conforme os costumes locais e importados, passaram a interagir e a se misturar. O resultado desse intercâmbio foi uma imposição das leis romanas e a necessidade de adaptação das elites locais que almejavam se beneficiar da troca com as autoridades do Império Romano. Para tal, precisariam ser funcionais dentro do novo regime e tiveram que aprender o direito romano e a língua latina (DISNEY, 2009).

No ano de 27 a.C., época de Augusto, a Hispânia romana se subdividia em três províncias: Bética, Lusitânia (antigas Hispânia Ulterior) e Terraconense (antiga Hispânia Citerior). Essa divisão dura até o século III, quando o Império Romano entra em crise. É preciso compreender que o problema do desaparecimento das sociedades paleo-hispânicas, absorvidas pela romanização, não pode ser reduzido a um problema político ou institucional, nem mesmo pelo que concebe às sociedades pré-romanas a ideia de passividade ao ponto de se deixarem assimilar pelas superiores formas de cultura e organização romanas. Por mais de dois séculos, o que ocorreu foi uma interação recíproca em que os elementos romanos predominaram como

pilares reguladores da organização social e de suas próprias manifestações culturais. O corolário dessa relação foi a geração e o desenvolvimento de uma sociedade que podemos chamar, de maneira apropriada, de hispano-romana.

A base da economia peninsular era a pecuária (gado), a agricultura e a metalurgia.

Aliás, um dos incentivos para a conquista romana foi a riqueza metálica da Península. Outras atividades econômicas também foram importantes, como a caça e a pesca. Ademais, a importância da mineração entre as populações do oeste peninsular é cada vez mais valorizada pelos historiadores (SALINAS DE FRÍAS, 2006). A Lusitânia era atravessada por duas rotas de comercialização de metais, nas quais participariam as diversas comunidades e, especialmente, as aristocracias locais. Uma delas foi a rota terrestre, partindo da Galícia até os territórios do sudoeste. A outra rota, desde a pré-história, partia das Ilhas Britânicas e Finisterra e, fazendo fronteira com a costa lusitana, dirigia-se para o Estreito de Gibraltar, onde tinha contato com as rotas comerciais gregas e fenícias.

A conquista romana representou para os lusitanos a transição para uma economia monetária em meio urbano. Evidentemente, durante o período das guerras de conquista não havia condições para o desenvolvimento econômico, mas desde o início do século I a.C., há indícios de sinais de recuperação econômica e de articulação de um mercado mais amplo do que o antigo mercado local ou regional, sob proteção das comunicações e da segurança oferecida pela Pax Romana. Neste período, observa-se a comercialização no planalto ocidental da chamada cerâmica policromada celtiberana e da cerâmica autóctone estampada.

A sociedade dos povos da Península era uma sociedade aristocrática, no sentido de que os poderes político, social e econômico estavam concentrados nas mãos de um grupo mais ou menos reduzido da comunidade. A exibição de seu status social se dava pela posse de uma panóplia de guerreiros completa. Estrabão (1998) assinala que apenas uma minoria dos lusitanos, sobretudo aqueles que tinham riqueza suficiente para pagar por ele, portavam o armamento completo.

De acordo com os autores clássicos8, existia um fenômeno que costumava estar relacionado com a propriedade privada e as desigualdades econômicas no povo lusitano: o banditismo. Muitas vezes esse fenômeno foi o motivo das guerras contra os romanos. Segundo Salinas de Frías (2006), os historiadores concordam em afirmar que, durante o segundo e

8 Por autores clássicos, Salinas de Frías (2006) se refere a autores gregos como Políbio (203 a.C. - 120 a.C), Posidônio (135 a.C. - 51 a.C), Estrabão (64 a.C. - 24), Diodoro (90 a.C. - 30 a.C.), Apiano (95 - 165), entre outros.

primeiro século a.C., derivado da distribuição desigual da propriedade de terras, um grave problema social e econômico permeava a sociedade lusitana, tornando os indivíduos mais pobres e sem meios de subsistência e, portanto, ou entravam no cesto de mercenários dos cartagineses e gregos, ou formavam bandos que poderiam constituir verdadeiros exércitos que se dedicavam à pilhagem de outras comunidades mais prósperas.

Sobre a Bética, região sul da Península, anteriormente conhecida por Turdetania, os geógrafos antigos enfatizavam a riqueza e a fertilidade da terra. Ademais, um traço marcante dos turdetanos era o elevado nível de urbanização, o qual Estrabão comentou haver mais de 200 cidades. Sobre a Turdetania: (III, 2,4) diz:

La Turdetania goza de unas assombrosas condiciones. Además de ser ella misma productora de todo y em abundancia, duplica sus benefícios com a exportación, pues el excedente de sus produtos es facilmente vendido por sus numerosos barcos mercantes. Hacen posible estol os ríos y los esteros que, como dije, son comparables a los ríos e igualmente remontables desde el mar hacia las ciudades del interior, no sólo por naves pequenas, sino también por las grandes. (...) De Turdetania se exporta trigo y vino em cantidad, y aceite no sólo em cantidad, sino también de la mejor calidad. Se exporta asimismo cera, miel y pez, mucha cochinilla y em bermellón no inferior a la tierra sinópica. Los astilleros funciona allí com madera del país, em su território hay minas de sal y no pocas corrientes de ríos salobres, y tampoco escasea la indústria de salazón de pescado, procedente tanto de la zona com odel resto del litoral de más allá de las Columnas, que no va a la zaga de la salazón del Ponto (...) Pero, a pesar de estar dotada dicha región de tantos bienes, no se maravillaría uno menos, sino todo lo contrario, al conocer la generosidade de sus minas; porque de ellas está repleta toda la tierra de los iberos, aunque no toda sea tan fértil y próspera, especialmente la que proporciona minerales. Raro es gozar de ambos recursos, pero raro es también que la misma tierra este llena de minerales diversos em um território reducido. La Turdetania y comarcas limítrofes no dejan, a los que quieren ensalzarlas por sus bondades, palabras que las reflejen adecuadamente. Pues ni el oro, n ila plata, ni el cobre, ni el hierro, em ningún lugar de la tierra se há comprobado hasta ahora que se produzcan em ta gran cantidad ni de tan alta calidad (ESTRABÃO, 1998, p.

141–147).

Os romanos, após terem derrotado os cartagineses na Península, iniciaram a tentativa de conquista da Lusitânia. Foram mais de cem anos de guerras e disputas até que a república romana enviou Júlio César que, ao se deparar com prosperidade da região, saqueou o que pôde para satisfazer seus credores em Roma. Foram quatro séculos de romanização intelectual e econômica que começou a transformar a vida do povo daquele território. A duração e a

intensidade da colonização romana foram suficientes para latinizar a língua do povo (GARCÍA Y BELLIDO, 1967). Os padrões romanos de direito urbanístico e administrativo foram adotados, assim como, as cidades lusitanas passaram a ter responsabilidades ao mesmo tempo que recebiam direitos financeiros e jurídicos. O governo municipal se tornou o eixo central do sistema político do que se tornaria Portugal. Fora das cidades, as vilas romanas passaram a ser o foco de grandes propriedades de terra, que ficaram conhecidas mais tarde por latifúndios, onde a clientela de súditos e de escravos comprados cultivavam azeitonas e vinhas, trigo e centeio, figos e cerejas. A força de trabalho era exclusivamente composta por escravos, e tal modo de produção sobreviveria em Portugal até o século XVIII (BIRMINGHAM, 2017).

Os conquistadores seguiam um padrão de conquista definido por seus antepassados que consistia em fazer tratados com grupos que concordavam em se juntar voluntariamente e conquistavam aqueles que resistiam. Portanto, esse modelo de conquista caracterizou o processo de romanização da Península Ibérica de forma lenta e gradual, levando cerca de duzentos anos para que eles estabelecessem o controle total da Península (PHILLIPS JR.;

PHILLIPS, 2019).

Apesar do controle total do território, o processo de romanização não foi completo em toda a península. A parte leste e sul da Hispânia, dada a longa tradição de contato com sucessivas civilizações mediterrâneas, assimilaram mais rapidamente o mundo romano. A parte norte e oeste, onde se encontra as áreas montanhosas, foram as menos afetadas pelo contato. As áreas urbanas, em comparação com as zonas rurais, foram as que mais sofreram com o processo de romanização. Neste sentido, as elites urbanas, comparada aos segmentos mais pobres, foram as que mais se romanizaram. Por conseguinte, a estrutura econômica da Ibéria, sobretudo a economia rural, também sofreu uma rápida transformação. As pequenas propriedades foram desaparecendo à medida que os camponeses tinham que competir sem sucesso com as propriedades maiores acumuladas pela elite local e pelos imigrantes romanos.

1.3 O PERÍODO DE DOMINAÇÃO DOS VISIGODOS E MUÇULMANOS NA