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O início da moderna Saúde

No documento (Tese são final 1 frente e so ) (páginas 81-85)

II. A evolução do Sector da Saúde

2.2.7. O início da moderna Saúde

O Século XIX é, em certa medida, a continuação do êxito que a medicina teve no período precedente. Mas há dois factos que o marcam de forma indelével: a anestesia e a descoberta dos microrganismos como causa das doenças (Lyons e Petrucelli, s.d.). Por outro lado, a construção de fábricas implicou a deslocação de enormes massas de operários e o crescimento de inúmeras cidades. As condições de trabalho e a aglomeração de pessoas nos designados bairros operários colocaram novos problemas à

Saúde Pública e implicaram reajustamentos no funcionamento dos médicos e na organização dos hospitais.

Pela primeira vez, torna-se evidente a preocupação dos governantes com a saúde dos trabalhadores, não apenas por razões humanas ou sanitárias, mas também por motivos económicos. Operários doentes têm menores índices de produtividade e a possibilidade de contágio torna ainda mais imperativo o tratamento da respectiva doença.

Assim, não foi apenas a medicina que verificou um desenvolvimento extraordinário; nem o exercício da profissão de médico ou a organização dos serviços de saúde. Foi também o pensamento político sobre Saúde e, consequentemente, foi uma época que marcou uma alteração profunda na arquitectura do Sector.

Em 1848, Edwin Chadwick aborda a questão da saúde e as condições sanitárias dos trabalhadores ingleses. Foi o ponto de partida para uma maior consciencialização do poder político em relação à Saúde Pública.

Disciplinas como a Fisiologia, a Química, a Farmacologia, a Biologia (com a teoria celular), a Anatomia (com as primeiras noções sobre os microrganismos como agentes da doença), a Embriologia e a Patologia (com a utilização das autópsias para a explicação das doenças) tiveram um grande impulso.

O Século XIX assiste também à “eleição” do hospital enquanto centro do processo de investigação, através de uma aliança bem conseguida entre trabalho de laboratório, autópsias, observação e tratamento das doenças.

Como médico, investigador e político emerge, entre outros, Rudolph Virchow. Lyons e Petrucelli (s.d., p. 508) dizem a seu respeito:

A infatigável energia e a viva inteligência de Virchow levaram a envolver-se noutros campos vizinhos da patologia: antropologia, arqueologia, história, política, saúde pública e sociologia. O seu zelo pelas reformas baseava-se na ideia de que as condições sociais eram as responsáveis pelas epidemias; defendeu uma organização do ensino e da prática da medicina.

Ao estudar a distribuição, na população da Silésia do Norte, de uma epidemia de tifo, Virchow foi também um epidemiologista (Sakellarides, 2006).

No início do Século XIX, Paris foi o centro da medicina clínica. Um dos factores que contribuiu para tal foi a Revolução Francesa. Abolidos velhos preconceitos, passou-se a dar maior importância à observação do doente e à prática. Sendo o hospital o núcleo central da prestação de cuidados, a acção médica passou a abranger todas as classes

A Revolução Francesa introduziu, aliás, três novas ideias com forte influência na Saúde (Rochaix, cit. in Graça 2000d):

O espírito científico (ou a recusa da ordem natural);

A responsabilidade da sociedade (em vez do dever religioso); O papel primordial do Estado no que respeita à assistência.

O centro da medicina clínica passaria, posteriormente, para a Grã-Bretanha e depois para os países germânicos. Um dos contributos dos ingleses neste período foi o da organização interna dos hospitais em departamentos, através do agrupamento de doenças que seriam matéria de estudo de cada um deles. Esta iniciativa, da responsabilidade de Richard Bright, pode ser considerada precursora da especialização médica. Mas a introdução desta não foi pacífica, uma vez que muitos médicos entendiam que ela prejudicava o doente. Contudo, o progresso da ciência e a pressão de factores sociais e económicos foram decisivos.

Entretanto, as reformas levadas a cabo em França conduziram ao colapso financeiro dos hospitais, falhando assim o conjunto de ideais generosos da Revolução na área da Saúde. Ainda em pleno Século XIX, passa a imperar a neutralidade do Estado, o primado da beneficência e o livre jogo do mercado (Graça, 2000d).

Ao nível dos tratamentos médicos, começou também a inverter-se a solução adoptada em relação aos casos clínicos sem solução e que consistia em deixar a doença seguir o seu curso. Alguns profissionais começaram a defender a necessidade de terapias, mesmo nessas situações.

A descoberta da anestesia permitiu avanços consideráveis na cirurgia, uma vez que passou a ser possível realizar intervenções de mais longa duração. A maior preocupação pela higiene do acto cirúrgico permitiu também reduzir drasticamente as mortes por infecções. A anestesia foi desenvolvida por Morton, nos Estados Unidos (Sakellarides, 2006), apesar de, desde há muito, se usarem diversos agentes (por exemplo, opiáceos) para contornar as dores dos pacientes. Ao longo do Século XIX, muitos investigadores contribuíram para o desenvolvimento deste processo, considerando-se o ano de 1846 como o início da cirurgia sem dor (Lyons e Petrucelli, s.d.).

Este período representa também o início da consolidação da enfermagem. Apesar da tradição apontar para o facto do exercício desta profissão ser exclusivo de mulheres, a

verdade é que também os homens, em particular os cavaleiros de S. João, os teutónicos e os de S. Lázaro já há muito tempo a praticavam. Enquanto os hospitais estiveram sob o controlo da igreja, muitas enfermeiras eram religiosas: Clarissas Pobres; Trinitárias de S. Francisco e freiras de Santo Agostinho. Com a laicização gradual destas instituições, as religiosas foram sendo substituídas por trabalhadores sem experiência e mal pagos, o que acrescido às dificuldades económicas originou a degradação do serviço e o aumento do número de infecções.

Por essas razões, a enfermagem era uma profissão pouco desejada. Só com o extraordinário trabalho desenvolvido por Florence Nightingale17, a profissão passou a ser valorizada e entendida de forma mais correcta. Em 1861, a escola que havia fundado no Saint Thomas Hospital, formou o primeiro grupo de enfermeiras.

Em 1864, durante a Convenção de Genebra, dezasseis países assinaram um tratado que fundou a Cruz Vermelha Internacional.

Esta é também a era de Louis Pasteur (a primeira vacina contra a raiva; microbiologia; processo de destruição de microrganismos – pasteurização) e Robert Koch (bacilo da tuberculose; microbiologia; epidemiologia das doenças transmissíveis). Foi também a da descoberta dos vectores (animais hospedeiros) da doença, para a qual contribuíram os cientistas antes referidos e, consequentemente, o da vitória sobre aqueles que julgavam que doenças como a tuberculose se propagavam devido à má qualidade do ar. E marca ainda a aceitação das mulheres como médicas. Antes dos Séculos XIX e XX, limitavam-se ao papel de curandeiras ou parteiras, bem como ao tratamento e acompanhamento dos doentes, muito em especial aquelas que pertenciam a ordens religiosas. A sua luta para poderem exercer a profissão foi, contudo, longa e difícil, sendo muitas vezes criticadas, não apenas pelos médicos, mas também pela sociedade em geral. A especialidade em que foram mais facilmente aceites foi a obstetrícia e o país que mais cedo as admitiu no ensino e na prática médica foi a Itália (Lyons e Petrucelli, s.d.).

Marie Zakrzewska, Elizabeth Blackwell e Emily Blackwell, médicas que tiveram enorme dificuldade em conseguir um lugar para estudar nas escolas respectivas,

17 Florence Nightingale, enfermeira britânica, nasceu em Florença, em 12 de Maio de 1820, e morreu em

Londres, em 13 de Agosto de 1910. Ficou famosa por ser pioneira no tratamento de feridos de guerra. Teve contributos extraordinários, como a utilização do modelo biomédico, de instrumentos estatísticos e

fundaram, em 1857, um hospital para mulheres pobres e crianças, em Nova Iorque, no qual outras mulheres médicas podiam adquirir a prática necessária ao exercício da profissão.

Este período marcou uma viragem na forma de encarar a doença, já que aos aspectos sanitaristas e éticos foram acrescentadas também preocupações de natureza económica. O hospital passou a ser o núcleo central da prestação de cuidados e a acção médica a abranger todas as classes sociais. O reforço do papel do Estado acarretou graves problemas de sustentabilidade às instituições de saúde. Mas este período marcou também a dignificação da enfermagem, para o que muito contribuiu o trabalho de Florence Nightingale.

No documento (Tese são final 1 frente e so ) (páginas 81-85)

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