Capítulo III. O Modelo atual de Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz
1. O Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1 o
Capítulo III
O Modelo atual de Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz
1. O Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o Grau do Colégio Santa Cruz
No início da década de 80, já havia uma inquietação da coordenação de Educação Religiosa, como era chamada na época, sobre como seguir e transformá-la numa disciplina com viés mais aberto, ecumênico, de formação de valores e cidadania, para a convivência solidária e com bases teóricas científicas e religiosas. Além, de continuar a tê-la no currículo de todas as séries do 1o grau (1a a 8a séries), como disciplina regular, com avaliações e notas.
O Padre Lourenço, que era o coordenador na época, já havia pesquisado e lido muito sobre esse tema e, estava sempre atento ao assunto.
Muitos estudos na Inglaterra sobre Ensino Religioso, que são mais avançados, no sentido da transcendência, que todo ser humano tem que ter uma visão, mas que cosmovisão? Apenas científica ou também uma cosmovisão que pode ser religiosa? Ele acha que isso é
o futuro! E queria que o que ele estava fazendo também fosse para as escolas do Estado49.
De 1980 para 1981, escreve o Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1º Grau do Colégio Santa Cruz, que depois teve sua versão inicial revisada entre 1983 e 1984, a qual foram acrescentadas algumas novas referências.
O Padre Lourenço começou a trabalhar com o Marco Referencial no Primário, inicialmente com os professores, em reuniões mensais. Mas houve um certo desconforto e uma divisão entre eles em relação ao que o Marco Referencial significava e trazia em si.
Um MARCO REFERENCIAL é o conjunto de doutrina e filosofia dentro de um contexto sociológico (marco situacional) que define um posicionamento e determina o que “deve ser”, ou seja, os objetivos a serem atingidos. O marco doutrinal é necessariamente abstrato, enquanto que o marco pedagógico é mais concreto. A análise das relações entre a teoria e a prática dependerá do marco situacional, doutrinal e pedagógico50.
Esse Marco Referencial foi resultado dos anos de experiência da Educação Religiosa que vinha sendo realizada no Colégio, um ambiente pluralista numa escola católica, ou seja, uma teoria que foi elaborada a partir de uma prática.
O Marco Teórico da Educação Religiosa do 1o Grau foi elaborado considerando:
a) o próprio contexto sociológico (marco situacional).
b) o conceito de educação integral.
c) a missão evangelizadora-libertadora da escola católica.
d) a orientação da entidade religiosa mantenedora (Congregação de Santa Cruz).
49 Palestra ministrada pelo Padre Lourenço, no Colégio Santa Cruz, em 2013.
50 Documento: Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o Grau do Colégio Santa Cruz, 1980-83, p. 1.
e) as conclusões da Conferência Episcopal Latino-americana realizada em Puebla, em 1979.
f) a Carta Encíclica “EVANGELII NUNTIANDI” de Paulo VI (1975).
g) Igreja e Educação (estudos da CNBB) 1977.
h) CATEQUESE RENOVADA – Orientações e Conteúdo – (documentos da CNBB no 26) 1983.
i) Educação Religiosa nas Escolas – 1977 (Estudos da CNBB no 14).
O marco pedagógico difere muito segundo as modalidades de Educação Religiosa:
• educação religiosa curricular.
• catequese.
• dias de formação.
• liturgia.
• etc. (Marco Referencial, p. 2)
Além de trazer questões como as implicações pastorais e pedagógicas decorrentes do contexto sócio-religioso do colégio, a Educação Religiosa como parte integrante do processo educativo e a distinção de Ensino Religioso e Catequese.
Padre Lourenço esclarece algumas definições que segue em seu Marco Referencial:
Nos Planos Diretores sempre teve Educação Religiosa, e depois mudaram para Ensino Religioso por uma questão da legislação.
O Padre Lourenço nunca concordou com Ensino Religioso, porque em todas as disciplinas fala-se em Educação... Educação Física, Educação Artística etc. Pois Educação é muito mais abrangente, é uma formação e não uma imposição, não como uma fábrica que você vai ensinar exatamente o que tem que ser feito. Era a Animação Religiosa, depois ele mudou para Educação Religiosa e, depois de uns 3 anos, mudaram para Ensino Religioso. A separação das professoras de Catequese dos professores de Ensino Religioso foi importante, porque a tendência é testemunhar da sua fé. E a linguagem tem que ser diferente. Não tem que ter Nossa Senhora, Nosso Senhor, nem uma série de expressões que são eclesiais, católicas. E tem que se preparar para o ecumenismo e, não é possível fazer isso sem conhecer as outras religiões. Tem que conhecer bem a própria religião, se não fica
tudo no achismo e aí o ecumenismo não vai para a frente de jeito nenhum51.
Para tanto, discorre minuciosamente em seu Marco Referencial como a Educação Religiosa deveria ser, não só no Colégio, como nas demais escolas estaduais.
O Marco Situacional fala sobre como o pluralismo é um reflexo da secularização, ou seja, a sociedade e a cultura se desprendem da tutela e do controle religioso. E dessa forma, "uma escola grande, mesmo católica, não pode escapar à secularização". "A nossa opinião é que a escola católica não somente aceite, mas venha a assumir o fenômeno da secularização". (Marco Referencial, p. 4)
Então, por que se ensinar sobre as religiões, por que ter Ensino Religioso numa escola católica? Segundo a citação do Papa João Paulo II, na Homilia da Missa de Porto Alegre em 04/07/1980, descrita no Marco Referencial, p. 3:
Não aconteça, delitíssimos pais que me ouvis, que vossos filhos cheguem à maturidade humana, civil e profissional, ficando crianças em assuntos de religião. Não é exato que a fé é uma opção a fazer-se em idade adulta. A verdadeira opção supõe o conhecimento;; e nunca poderá haver escola entre coisas que não foram sábias e adequadamente propostas.
Porque é necessário conhecer para poder escolher, ou não, uma religião.
Então é importante falar sobre o que é fé, o que é crença, o que é o sagrado, o que é o ateísmo etc, para poder saber escolher caminhos e argumentar sobre eles.
Nesse sentido, o Ensino Religioso tem que ser visto como uma disciplina regular, com a sua área de conhecimento definida, e não como um momento de catequese, "instrumento da pastoral", mas sim como um "componente necessário ao processo de educação global" (Marco Referencial, p. 4-5).
51 Palestra ministrada pelo Padre Lourenço, no Colégio Santa Cruz, em 2013.
O Marco Doutrinal, traz a ideia de que a Educação Religiosa é componente essencial à uma formação integral. Assim, primeiro considera o que seria o processo educativo global, dizendo que:
Educar é falar da vida, do sentido da existência humana, do sentido das coisas e dos acontecimentos, do mundo e da sociedade.
Educar é ajudar no desenvolvimento da liberdade e do amor, em congruência com o que é a pessoa humana. (...) Educar é ajudar alguém a se desenvolver, a se formar, a ter senso crítico, personalidade. Personalizar-se é desenvolver seus dotes, saber acolher o outro, comunicar-se;; enfim, é ser capaz de integrar-se consciente e ativamente no processo evolutivo da História e da sociedade. Quer se trate de educação física, artística, científica, moral ou religiosa, a finalidade primordial é de facilitar o crescimento, isto é, propiciar a realização do estudante. (Marco Referencial, p. 5)
Para depois, mostrar como a Educação Religiosa está inserida nessa educação global e como é necessária ao crescimento multidimensional da pessoa, trazendo duas razões que a justificam:
1) É preciso dar um sentido, uma razão de ser, um significado último.
Quando os jovens começam a se questionar sobre sua própria existência, sobre vida e morte, o bem e o mal, sobre as injustiças sociais e incoerências comportamentais;; busca a felicidade, o amor, a verdade humana, a Educação Religiosa apresenta um universo de significação. "O significado último sobre o Homem e o Mundo só pode ser dado a partir de uma cosmovisão ou pela religião".
2) É importante distinguir religiosidade, religião e cosmovisão. Por religião entende-se a relação entre o ser humano e o sobre-
humano, ou seja, o relacionamento do ser humano com o sobrenatural, o misterioso, o divino, o absoluto, o transcendente.
E, objetivamente, é o conjunto de todas as ações, manifestações e prescrições religiosas que se referem ao Sagrado. Religiosidade é inata à pessoa humana, é a atitude dinâmica de abertura do homem ao sentido radical de sua existência. Não se trata de "mais uma" atitude ou função: a religiosidade é a dimensão mais profunda de todas as funções da vida humana, ou melhor, da totalidade da vida humana. Esta abertura ao sentido radical da existência humana será, por isso mesmo, abertura ao
transcendente. É uma característica antropológica. (Marco Referencial, p. 7)
Essa Educação Religiosa se apresenta num processo de Educação Libertadora, entendida como método. E, esta deve ser uma educação humanizante, aberta, personalizante, pluralista e dialogal, e em seus conteúdos uma educação conscientizadora, renovadora, crítica e transformadora da realidade.
Assim, as aulas de Educação Religiosa (Ensino Religioso Curricular), tem como objetivos específicos:
1. Informar ao aluno do conteúdo doutrinal e histórico do Cristianismo e de outros conteúdos de fé;;
2. Ajudar o aluno a descobrir o sentido evolutivo da História e o sentido dinâmico e transcendental da sua própria vida;;
3. Proporcionar ao educando informações oportunas, orientações e experiências ligadas à dimensão religiosa da vida que o ajudem a cultivar uma atitude de abertura ao sentido radical da sua existência e a preparar-se para uma opção responsável de seu projeto de vida;;
4. Formular em profundidade o questionamento religioso para que o aluno dê a sua resposta de forma livre, coerente e engajada;;
5. Aprofundar vivências, melhorando o nível de religião, diálogo e convivência;;
6. Ajudar o educando a descobrir as incoerências e contradições existentes entre certos sistemas de valores e os valores promovidos pelo cristianismo;;
7. Discernir as ações mais condizentes com as opções religiosas teoricamente assumidas tanto no sentido da moral individual como da moral social;;
8. Incentivar o educando a prestar serviço gratuitamente libertando-o do pragmatismo e solidarizando-o com a causa dos pobres.
Quando estes objetivos são operacionalizados dentro de uma visão propriamente educacional e acadêmica, torna-se claro para o educando, o seu caráter informativo e a sua importância para uma formação integral. (Marco Referencial, p. 16)
Tudo isso, para que, como o próprio Padre Lourenço dizia, o aluno possa posicionar-se para se tornar cada vez mais ele mesmo.
Quando estes objetivos específicos, citados acima, são operacionalizados dentro de uma visão propriamente educacional e acadêmica, torna-se claro para o educando, o seu caráter informativo e a sua importância para uma formação integral. O estudante não sente aquela coação psicológica que a Catequese compulsória exerce.
A aula de Educação Religiosa não se limita à simples informação sobre um acontecimento como qualquer fato histórico, ou à mera assimilação da matéria apresentada. Ela deve procurar levar o educando a uma tomada de posição. (...) O professor não pode ser apenas um transmissor de informação religiosa. Ele deve ser sobretudo um animador que respeite uma consciência crítica e mostre a força criativa da religião na humanização da sociedade. (Marco Referencial, p. 16)
A outra questão primordial, era a integração com os objetivos pedagógicos da escola, para ser aceita como qualquer outra matéria e se firmar como atividade acadêmica, possuindo os mesmos títulos e os mesmos direitos.
Do ponto de vista educativo, não nos parece normal que um estudante termine o 1o Grau sem ter refletido em algum momento, de uma maneira ou de outra, sobre o fenômeno religioso. As aulas de Educação Religiosa, em nosso Colégio, são obrigatórias desde a 1a série e integradas nos objetivos gerais da escola. As provas são elaboradas com cuidado. Desde a 5a série todos os alunos são avaliados, recebendo um conceito de Ensino Religioso em cada período;; este conceito pode ser sujeito à recuperação de forma igual às outras matérias.
(...) Os padrões acadêmicos e as exigências de trabalho devem levar o educando a esforços equivalentes às outras matérias.
Podemos afirmar que, fazendo da Educação Religiosa uma matéria curricular, operacionalizada sistematicamente, avaliada segundo os padrões das outras matérias e ministrada com objetividade por professores competentes, evitando uma certa apologética, exortação moralizante ou propósito ideológico, conseguimos interessar os alunos, fazê-los pesquisar e aprender dando-lhes melhores oportunidades de desenvolvimento harmônico. (Marco Referencial, p.
17-18)
Mas não foi possível desenvolver esse trabalho por muito tempo, pois com a saída do Padre Lourenço, no final de 1984, os professores que não queriam fazer essas mudanças, que não se identificaram com ela, se vêm livres para continuarem suas aulas sem alterações e sem muitos questionamentos. Apesar de continuarem a seguir os planos de aula estabelecidos com os temas e ideias, mais avançados (“modernos”), que o Padre Lourenço havia deixado como seu legado.
E assim, não existiu um olhar, de fato, mais aprofundado para esse documento na época, de maneira que foi deixado de lado e logo esquecido.
2. O Modelo atual
2.1. Origem
No lugar do Pe. Lourenço, em 1985, o Padre Corbeil assume a Coordenação da Pastoral do Curso Ginasial. E no ano seguinte, o Padre Charbonneau assume a Coordenação Geral da Pastoral do Colégio, que agrupava todas as áreas relacionadas à Educação Religiosa (Ensino Religioso, Catequese, Ação Comunitária, Cultura Religiosa e Orientação Pastoral). Além de assumirem a Animação Espiritual do Colégio por esse período, que depois, passa para o Padre Filinto C.S.C, padre indiano que chega de Goa, em 1987.
O Professor Cláudio Rondello, como coordenador da Educação Religiosa, seguiu as diretrizes indicadas pelo Padre Lourenço, como por exemplo, a que deixava clara a separação da Catequese e do Ensino Religioso. Mas, a separação dos professores de Ensino Religioso dos de Catequese não aconteceu, como era indicado no Marco Referencial. Talvez, porque faltavam professores com formação especializada nessa área. Todos os professores ligados a esses dois cursos participaram de um processo no qual era apontada