• Nenhum resultado encontrado

3 A PROPOSTA DE PUNTEL COM A FSE: RECUPERANDO A

3.2 A sistemática compreensiva como investigação da dimensão fundamental

3.2.2 A dimensão do ‘mundo’

3.2.2.2 O mundo objetivo e o Mundo integral

A pergunta que se impõe neste momento da exposição é uma questão tremendamente desafiadora: como este mundo articulado se nos apresenta? E ainda, como se apresenta a interconexão de todos os domínios e estruturas específicas que perfazem o mundo? Com efeito, um argumento coerente somente poderá ser formulado se observarmos o lugar teórico sistemático em que Puntel realiza a assunção de mundo objetivo, o qual nunca é dado ou articulável em splendid isolation. Pelo contrário, o status completamente determinado do que se concebe por mundo só é dado quando se articula seu lugar dentro do todo sistemático defendido pela FSE.

De modo geral na Filosofia hodierna o conceito mundo tem um emprego totalmente indeterminado e ambíguo. Por exemplo, alguns filósofos analíticos identificam mundo com a realidade, entretanto, se defende uma concepção como naturalismo estrito, o mundo é identificado com o status ontológico da realidade natural. Nesse sentido, o conceito de mundo

117

PUNTEL, Lorenz B. C. Cirne-Lima e sua rejeição do “Deus de católicos e protestantes” e afirmação do

“deus imanente dos místicos” - um exame crítico das suas críticas e interpretações decorrentes do seu sistema neoplatônico-neohegeliano. p. 48.

é identificado com a concepção ontológica que se pressupõe quando se procura definir o conceito mundo (Cf. EeS, p. 329). Daí, surgem concepções totalmente divergentes do conceito em jogo, pois há, dependendo das teses pressupostas, aqueles que defendem que o mundo é um composto exclusivo de entidades físicas, outros que dizem que o mundo consiste em entidades físicas e mentais e, ainda, outros mais que acrescentam entidades abstratas (Cf. Idem). Ressalvemos a ideia de que em todas essas posturas o mundo aparece também como algo universal, ou seja, como aquela dimensão que abrange tudo que é ou está dado na dimensão ontológica já pressuposta 118.

A par dessas questões, Puntel pretende argumentar a favor de uma compreensão mais estrita do que seja concebido quanto se tem em vista o conceito mundo, sem acrescentar determinadas pressuposições ontológicas prévias, mas tentar através do esforço conceitual dizer o que é isto a que chamamos mundo. Segundo ele

...a expressão ou o conceito ‘mundo’, quando empregada/o em seu sentido próprio, isto é, específico, não é, portanto, sinônimo de universo do discurso ou ser (em seu todo) ou similar. Ele designa, antes, aquela dimensão do

universo do discurso ou ser (em seu todo), que deve ser concebida como a

interconexão das ‘áreas’ (EeS, p. 330).

Para destacar esse significado limitado do conceito ‘mundo’, Puntel emprega a expressão mundo atual, que não é senão uma dimensão que deve ser empregada em vista do universo do discurso ilimitado e do ser como tal em seu todo, ou seja, do Mundo como a dimensão abrangente. Longe de garantir previamente uma concepção universal de mundo, Puntel simplesmente aponta para esse conceito de mundo atual ou objetivo como um conceito que (inter)conecta ou interliga conteúdos intramundanos, isto é, a totalidade dos domínios dos entes.

Isso implica que o status do mundo objetivo conclama as relações a todos os outros itens da sistemática estrutural, em última instância, podemos dizer que é somente no todo sistemático como tal e como um todo que o mundo objetivo tomará seu lugar determinado e definitivo. Contudo, é óbvio que não podemos tratar aqui de descrever esse imenso aglomerado de relações em todas as suas particularidades; trata-se aqui, pelo menos, de indicar os grandes âmbitos do mundo e qual a relação mínima que estabelecem, pois uma vez estabelecida a relação desses macro-âmbitos, os elementos a eles pertencentes estarão envolvidos nesta mesma relação (Cf. EeS, p. 332).

118 Cf. QUINE, W. V. As coisas e seu lugar nas teorias em filosofia e linguagem. Organização e apresentação

A totalidade do mundo atual é asseverada por três macro-âmbitos que na esteira das disciplinas filosóficas apareceram catalogadas e nomeadas como: Natureza, Homem e História. Repare que a evidenciação dessa questão pode dar azo a grandes equívocos, pois aqui não se está fazendo referência ainda à totalidade do real, ao todo da realidade, mas somente ao que denominamos mundo. Por mundo estamos nos referindo não somente a uma certa esfera, mas à totalidade das esferas dos entes. Mundo/Ser é a totalidade abrangente que deverá ser pensada a partir da pergunta pela conexão entre o polo estrutural e o mundo. Quando nos referimos a um determinado conjunto/dimensão ou aos seus elementos ou a totalidade das esferas e conexões do ente estamos nos referindo ao conceito de mundo.

Aqui temos clara a necessidade de levar em consideração, nem que seja de modo implícito, um fator básico de toda e qualquer sistematicidade, a saber, a questão da conexão dos macro-âmbitos e subâmbitos do mundo. Mas que espécie de conexão seria essa? Uma resposta satisfatória a esta pergunta só pode vir à tona na medida em que se confere clareza à ideia de mundo como totalidade de todos os entes.

A consideração básica da interconexão estrutural ou a compreensão do mundo como totalidade, não pode ser entendida de maneira mereológica, isto é, como uma soma das partes, ou seja, o mundo como a soma dos entes existentes no mundo. Se a totalidade do que é dado pela interconexão dos elementos do mundo é entendida como essa coisa ou objeto grande, ela deve realmente ser rejeitada, pois ela não caracteriza uma entidade a mais, porém, ela é uma coisa como as outras coisas que ela deveria abranger. Nesse sentido, podemos inferir que para Puntel, o mundo ou “o ser em seu todo, como é entendido aqui, não é a totalidade de todos os entes numa compreensão puramente extensional” (EeS, p. 572). Mas o que teria de específico e comum nas entidades mundanas que lhes concedesse uma estruturalidade interconectiva pelo conceito mundo? É possível identificar a (inter)conexão desses elementos? Colocando essa questão em foco Puntel, em Ser e Deus, adverte que:

[...] é possível apontar muitas, múltiplas interconexões entre esses casos. Há, porém, um fator que seja comum, não só a alguns ou muitos desses casos, mas absolutamente a todos eles? Decerto haverá esse fator, pois, do contrário, não seria possível falar dos – e, desse modo, de todos os – casos do universo do discurso. Em que consiste esse ponto comum último, partilhados por todos os casos? Com certeza é possível mencionar fatores que são comuns a todos os casos do articulável, como, por exemplo, a expressabilidade universal etc. Porém, esses fatores estão de fato fundados num ponto comum mais profundo, mais original (SeD, p. 180).

Como já falamos dos casos abrangentes que estão dados de modo atual ou possivelmente no universo do discurso ilimitado, sabemos que há algo que os conecta entre si e lhes confere unidade sistêmica no conceito mundo. Nesse sentido, se partirmos dos dados,

isto é, das entidades simples que nada mais são do que os fatos primos simples ou estruturas ontológicas simples (abstratas) deveremos ir concedendo inteligibilidade a todos os fatores ulteriores que aparecerão na estruturalidade posta pelo universo do discurso ilimitado, que gerarão estruturas complexas ou fatos primos complexos (concretos). Se elevarmos ao máximo o plano dessa inteligibilidade passaremos a integrá-los em interconexões mais amplas, que deverão estar conectados com os (macro)âmbitos do mundo, os macro-âmbitos são as últimas conectividades antes da conectividade suprema no âmbito dos entes, isto é, o mundo que, em consequência última, denota a interconexão abrangente da totalidade do que aí é dado.

Dado o exposto, não podemos negligenciar a ideia de que os elementos do mundo estabelecem conexão entre si e, também, que os elementos da dimensão que estrutura a inteligibilidade, que são os componentes do quadro referencial teórico, possuem esta mesma relação já que se efetuam nesta dimensão. Porém, ficará como exigência de nossa reflexão, pensar a maneira de como se efetiva a conectividade entre os dois polos da relação: de um lado, a imensa dimensão estrutural que se relaciona entre si, e de outro lado, a dimensão do dado universal, o mundo enquanto interconexão abrangente; o Mundo, que é sinônimo de Ser, só aparecerá como questão a ser confrontada, quando a pergunta pela conexão entre estrutura e ser objetivo for posta. Eis a questão com que nos confrontaremos a seguir.