• Nenhum resultado encontrado

O padrão de interação entre o número crescente de atores

A crescente complexidade dos sistemas de saúde implica um número crescente de atores coletivos que procuram realizar, total ou parcialmente, seus interesses no setor saúde. Isto torna para qualquer ator o controle sobre o sistema de saúde mais difícil. Entretanto, há alguns atores fundamentais que con- seguem obter um grau considerável de influência sobre o sistema.

Os financiadores (em caso de sistemas nacionais ou públicos de saúde o próprio Estado, instâncias públicas em caso de seguros sociais e bancos e seguradores em caso de seguros privados) exercem um crescente controle sobre os sistemas de saúde, à medida que o rápido aumento dos custos da atenção médico/hospitalar impõe controle de gastos. Não apenas exercem uma influência grande sobre as polí- ticas de saúde, mas também moldam o comportamento de outros atores, notadamente dos prestadores e dos usuários de serviços de saúde.

Os financiadores influem sobre o comportamento dos prestadores através de vários dispositivos: os salários dos profissionais de saúde, a remuneração dos procedimentos, a definição do pacote de servi- ços cobertos pelo sistema nacional de saúde ou pelos seguros, etc. A medida que, em função de maior controle de gastos, definem protocolos, restringem também a tradicional autonomia profissional dos mé- dicos, que constitui a base da prescrição dos cuidados e concede-lhes uma posição forte no sistema de saúde,. Daí, não é de estranhar que, no Brasil, as entidades médicas sempre se posicionaram contra o setor privado representado pela chamada ‘medicina de grupo’.

Ao restringir ou dificultar o acesso a determinados exames e procedimentos em função do controle de gastos, os financiadores procuram controlar a demanda dos usuários. Entretanto, também aqui en- contram resistências, pois os usuários tendem a exercer pressão para ampliarem as possibilidades de acesso, particularmente, a procedimentos de alta tecnologia.

As relações entre usuários, prestadores e financiadores são mediadas pelo Estado. O Estado modula o sistema de saúde, coordenando-o, definindo sua direção estratégica e as formas de financiamento, re- gulando bens e serviços e articulando usuários e prestadores. Financia também em parte ou totalmente ações e serviços de saúde. Responsabiliza-se pela realização de ações de saúde pública e regula a pres- tação dos cuidados às pessoas ou participa da mesma num grau maior ou menor. Em países com siste- mas nacionais de saúde, o Estado regula, financia e presta serviços de saúde.

O modo pelo qual o Estado cumpre seu papel de mediador coletivo, circunscreve o âmbito de ação dos diversos atores. Este modo depende largamente da relação entre a ordem política adotada e as for- ças e movimentos políticos embasados na sociedade ou seja do regime político. No Brasil, a herança de um Estado patrimonialista que carece sobretudo da distinção burocrática entre a esfera privada e pú-

blica e que tem como base de funcionamento o clientelismo com seus sistema de troca de favores e

apoios, faz com que as escolhas do Estado sejam predominantemente orientadas para a realização dos interesses das elites políticas e econômicas, fortemente articuladas com o capital financeiro internacio- nal, do que para a melhoria das condições de saúde da população. Além disto, a influência de políticos regionais e locais sobre o funcionamento do sistema de saúde permanece grande, uma vez que o setor saúde é uma área fértil para troca de favores e apoios.

Num contexto de uma economia capitalista, não apenas a interação com os financiadores, mas toda rede de interações entre os diversos atores é crescentemente influenciada por interesses financeiros. Isto não raramente ocorre em detrimento da finalidade primeira do sistema de saúde: cuidar da saúde do in- divíduo e da coletividade. Vale lembrar aqui o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw, que advertiu já em 1911: “O fato de que qualquer nação sensata que observou que é possível assegurar a oferta de pão dando aos padeiros um interesse financeiro na fabricação de pão, passará a dar ao cirurgião um in- teresse financeiro na corte de pernas, basta para a gente ficar desesperada sobre o humanitarismo na política” (citado por Nolan, 1996:81).

Se a finalidade do sistema de saúde sugere que os usuários constituem o centro do sistema, na prática os usuários são o elo mais fraco no triângulo de relações entre financiadores, prestadores e usuários de serviços de saúde, mediadas pelo Estado. Entretanto, ainda que o funcionamento do sis- tema conspire contra maior controle dos usuários, há uma série de razões para envolver usuários em processos decisórios sobre alocação de recursos, a organização dos serviços de saúde e a execução de ações e serviços de saúde. Podem ser alegadas razões de eficiência. Uma maior participação dos usuários poderá contribuir na melhoria do processo decisório. Os gestores serão obrigados a definir mais explicitamente seus objetivos e como atingi-los e submeter ao escrutínio as diretrizes e pressu- postos que orientam suas decisões. Além disto, esta participação eleva a legitimidade do sistema de saúde e incentiva a confiança da população nos serviços. A principal razão, porém, é que num re- gime democrático os cidadãos deverão ter condições de participar das decisões sobre questões e in- teresses vitais. Desta forma, não é de estranhar que, no Brasil, a reforma sanitária que ocorreu no contexto do processo de transição política de um regime autoritário para um regime democrático, deu destaque à questão do controle social e que a Constituição de 1988 consagrou a participação da