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3. Fundamentação teórica e principais conceitos

3.3. O que afeta as pessoas?

Retomando Dewey (1927), que afirma que um público é formado quando algo sai do âmbito do privado, vai para a esfera pública e passa a afetar a vida das pessoas; e Araújo (2012), que apresenta o exemplo da dengue para dizer que as pessoas sabem o que precisam fazer para evitar a doença, mas tendem a agir somente quando são diretamente atingidas pelo problema, uma indagação nos é apresentada: o que afinal afeta às pessoas, ou então, como podemos definir um assunto ou problema como sendo de interesse público?

Para Dewey (1980), as pessoas são capazes de compreender um problema a partir do momento em que o vivenciam, porque nós atribuímos sentidos às coisas quando estabelecemos uma relação com essas coisas. Para ele, “toda experiência é o resultado de interação entre uma criatura viva e algum aspecto do mundo no qual ela

vive”. (DEWEY, 1980, p. 95). Ele conclui afirmando que “para perceber, um

expectador precisa criar sua própria experiência”. (DEWEY, 1980, p. 103). Assim, a experiência é marcada pela vivência e os repertórios culturais de cada indivíduo, lembrando que esse modo de interpretar o mundo, não é dado, ele pode se modificar e se atualizar.

Paula Simões (2010) nos lembra que a experiência deve ser considerada a partir do contexto de vida dos indivíduos e ela envolve as ações racionais e as emocionais, mas que em ambos os sentidos, a experiência é constituída pelo movimento de agir e sofrer. “O sujeito age no mundo, ao mesmo tempo em que sofre alguma coisa em função dessa ação, o que impulsionará o agir subseqüente”. (SIMÕES, 2010, p. 3). Mas é importante esclarecer que para Dewey, sofrer simplesmente uma ação não gera uma reação, necessariamente. Para isso, ele cita o exemplo de uma criança que coloca a mão no fogo e que por ainda não dispor de uma experiência anterior, ela pode não ter a reação de retirar a mão do fogo. Para ele, a ação e a reação precisam estar em harmonia para fazer sentido, por isso é essencial existir um repertório passado, como pano de fundo para proporcionar uma reação.

Dewey (1980) aborda a arte para dizer da experiência estética, contudo, também podemos nos apropriar desta linha de pensamento ao refletir sobre a maneira como as pessoas são afetadas por um problema de interesse público, como é o caso da dengue. Nas peças publicitárias da Secretaria Estadual de Saúde que analisamos, vamos perceber que a instituição apresenta a dengue como um problema que afeta a vida de todas as pessoas. Porém, é necessário ponderar que cada pessoa tem um modo peculiar de ressignificar suas experiências.

Assim como Dewey (1980) defende que a experiência estética precisa de um ato de recriação do objeto para que ele seja percebido como sendo uma obra de arte, entendemos que os públicos recriam uma situação/ problema e conferem a ela novos sentidos. Deste modo, podemos utilizar dessa metáfora da experiência estética e supor que para que alguém encare um objeto como obra de arte, ou no caso de nossa pesquisa, conceba a dengue como um problema que realmente possa a/o atingir, é necessário que a/o artista (a instituição, no nosso caso) e a/o espectador (o público) saibam que há um trabalho que é realizado tanto pelo artista (instituição), quanto por quem percebe a obra ou o problema (cidadão).

Assim, para que um público veja algo como uma situação que o afeta, entendemos que é necessário que as pessoas que compõem este público estejam envolvidas com a questão, de modo que sejam capazes de dar sentido e ressignificar aquele problema para a sua realidade pessoal e também façam parte do processo empreendido para buscar as soluções para o problema. Acreditamos que sem esses elementos, há uma dificuldade maior do público se envolver com a questão.

Para Henriques (2010), quando afirmamos que um problema é público, ou de interesse público, estamos dizendo que a situação pode ser reconhecida por todos os indivíduos, tendo o potencial de afetar a vida das pessoas. Para o autor, o que se apresenta como algo de interesse público depende de dois fatores: que as questões sejam expostas publicamente, tendo visibilidade e que sejam consideradas coletivamente relevantes. Ainda de acordo com ele, a formação do interesse público é sempre instável e nunca está acabada. “Depende de como se processam as controvérsias na esfera pública, gerando entendimentos coletivos sempre provisórios sobre o que se põe em

questão”. (HENRIQUES, 2010, p. 95).

Para Henriques (2012), a afetação e as controvérsias podem surgir a qualquer momento em uma causa de interesse público. O fato de nos sentirmos afetadas pelas conseqüências de atos privados executados pode ser percebido por uma pessoa de

variadas formas, tanto a partir de nossa própria experiência ou então mediante o contato com a experiência do outro com o qual nos identificamos. Ou até mesmo no momento em que tomamos ciência do acontecimento, o que nos coloca diante do problema. Pode também ser estimulado pela movimentação dos públicos que, uma vez afetados, trabalham de forma a expor a questão e fazem com que nos reconheçamos como também submetidos às suas conseqüências, direta ou indiretamente. Mas de todo modo, aquilo que é considerado de interesse público é um conceito que é, normalmente, negociado e atualizado, não é dado.

Como abordamos anteriormente é o processo de coletivização, que possibilita que uma causa, até então privada, ganhe um caráter público. Contudo, ele também é provisório e estável, pois “gerar e posicionar uma causa na esfera pública é um desafio que pressupõe permanente envolvimento nos dilemas morais e nas controvérsias que cercam o problema”. (HENRIQUES, 2010, p. 95).

O autor também esclarece que o processo de coletivização se dá quando as ações se deslocam sempre do interesse individual para o coletivo, de modo que os problemas sejam interpretados como sendo de todos. Henriques (2010, p. 97-98) também enumera quais seriam as principais condições de coletivização para a formação e manutenção de um grupo mobilizado:

a)- Concretude: o problema percebido deve se apresentar como um problema concreto. As pessoas devem ser capazes de identificar a situação como problemática.

b)- Caráter público: apenas reconhecer o problema não é condição suficiente para que possamos compreendê-lo em sua dimensão coletiva, pública. É preciso que estejamos convencidos do caráter público da causa. Essa seria a essência da coletivização.

c)- Viabilidade: ao apresentarmos publicamente uma situação-problema, temos que gerar argumentos que demonstrem a viabilidade para compartilhar e lutar pela sua solução.

d)- Sentido amplo: uma causa não pode ser apresentada apenas em relação às características mais imediatas do problema e aos aspectos mais pragmáticos das ações que são propostas para resolvê-los. Inserir a questão num quadro de valores mais amplo, como qualidade de vida, justiça, etc. tende a facilitar o compartilhamento de ideias, além de criar um horizonte mais amplo no qual a luta conjunta faz sentido para os que dela participam. A construção desse sentido amplo provê o compartilhamento de um imaginário que se torna fundamental para convocar outros sujeitos a participar da mobilização e para manter a motivação do grupo em torno da causa.

Conforme detalhado acima, para que a coletivização ocorra é fundamental que exista uma causa de interesse público. Além disso, Henriques (2010) nos indica que o processo de coletivização é a base para qualquer projeto de mobilização social, pois só pode existir mobilização social quando há uma causa notadamente pública. Assim, entendemos que o conceito de mobilização social é crucial para nos aproximarmos de nosso objeto em análise.