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CAPÍTULO II O lugar do desastre e da incidência das políticas públicas

2.3. Os diagnósticos sobre o lugar da tragédia

2.3.1. O Relatório do Ministério do Meio Ambiente

Logo após o desastre, em Fevereiro de 2011, o Ministério do Meio Ambiente e a ICMBio (Instituto Chico Mendes) elaboraram um relatório tentando analisar a relação da ocupação das Áreas de Proteção Permanente e Unidades de Conservação com as áreas consideradas de risco.

Neste documento, partem do pressuposto que a região tem uma natureza com características de difícil adaptação pelo ser humano, por suas estruturas geológicas e de formação de encostas e que o respeito às áreas de preservação permanentes, mantendo a vegetação nativa intacta, são fundamentais para evitar os desastres naturais, devendo-se assim retirar as famílias dessas áreas que, uma vez ocupadas, passam a ser consideradas de risco. Peguemos uma parte do relatório:

“os escorregamentos da Serra do Mar acontecem há 60 milhões de anos, e vão continuar acontecendo. Para o geólogo, a alternativa mais viável e

econômica é retirar as famílias que vivem em áreas de risco. Pelo menos em tese, até seria possível fazer grandes obras de contenção. Mas por um preço astronômico e sem garantia de dar certo. (ICMBio, 2011, p. 14).

Para assegurar o bem estar da população, evitando enchentes, desbarrancamentos, falta d’água, poluição ou outros desequilíbrios ambientais, deve haver uma política pública mais eficaz de preservação ambiental, respeitando as áreas de preservação permanente e transferindo a população para outras áreas.

Sobre as mudanças climáticas, o documento afirma que o Rio de Janeiro vem sendo afetado de forma implacável pelos eventos climáticos extremos. Remonta os dados históricos que mostram uma continuidade desses eventos para afirmar que todos os anos morrem muitas pessoas decorrentes de uma falta de política que impeça a continuidade dos desastres:

“Em 1987 deslizamentos em Petrópolis e Teresópolis mataram 282. Um ano após, Petrópolis teve sua pior enchente, com 277 mortos e 2 mil desabrigados. Em 2000, Friburgo, Petrópolis e Teresópolis foram devastados pela chuva, resultando em 5 óbitos. No ano seguinte, Petrópolis voltou a sofrer, registrando 48 mortes e 793 desabrigados. Em 2003, foram 33 mortos. Em 2007, 10 morreram em Friburgo, 8 em Sumidouro, 3 em Petrópolis e 2 em Teresópolis. Petrópolis registra mais 9 mortes em 2008.” (ICMBio, 2011, p.28)

Continuando a sua análise para demonstrar que as tragédias só existem pelo descumprimento da legislação ambiental, o relatório passa a tecer comentários sobre a APA de Petrópolis. Embora seja uma área de características urbanas e que considera a ocupação de seu território como relevante para a gestão ambiental, o relatório faz uma referência expressa de que a ocupação urbana dentro da APA tem provocado as alterações responsáveis pelos deslizamentos:

“O fato é que áreas muito próximas ao parque foram severamente atingidas por deslizamentos e rolamento de rochas enquanto que no interior do Parna Serra dos Órgãos, onde a vegetação nativa está bem conservada e onde a intervenção antrópica é mínima, a quantidade de deslizamentos e rolamento de rochas também foi mínima. Esse dado está em sintonia com o apurado para as áreas fora de UCs, nos casos em que os remanescentes de vegetação nativa estavam bem conservada. Isto leva à conclusão de que preservar a vegetação nativa e não ocupar as margens de cursos d´água e as áreas de alta declividade e topos de morros, montes, montanhas e serras, é sem dúvida, a melhor maneira de evitar prejuízos com enchentes e desbarrancamentos, inclusive a perda de vidas humanas. (p. 78)”

E a conclusão do presente documento não poderia ser diferente. Para os Órgãos Ambientais Federais, o que deve ser feito na região é o aumento do rigor no cumprimento e fiscalização da legislação ambiental, retirando as famílias das áreas de proteção ambiental, tanto nas áreas rurais quanto urbanas.

Além disso, a legislação federal deve exigir medidas complementares de proteção a áreas que apresentem localmente características ambientais relevantes ou áreas que estejam sujeitas a riscos de enchentes, erosão ou deslizamento de terra e rolamento de rochas (p. 85).

Aqui aproveitamos algumas imagens e comentários utilizados pelo laudo:

Figura 1 – MMA

Fonte: Relatório do MMA, p. 45

A Figura 1 apresenta a foto aérea (26.01.2011) onde podem ser observados os efeitos da inundação sobre as habitações localizadas na margem do rio. A maioria das edificações afetadas encontra-se total ou parcialmente dentro da faixa de APP de 30 metros. Nota-se também que na margem oposta, no trecho onde a vegetação estava preservada os efeitos da inundação são menores, e, o que é mais importante, não houve prejuízos socioeconômicos e perda de vidas. (MMA, 2011, p. 45)

Figura 2 – MMA, Vale do Cuiabá.

Imagem Google Earth de 2006. Outro trecho do Vale do Cuiabá. Observa-se a ocupação do vale com edificações diversas e atividades de lazer e esporte, inclusive em áreas dentro da faixa de APP de 30 metros em cada lado da margem dos cursos d’água.

Fonte: (MMA, p. 48)

Percebe-se que o laudo federal sobre as tragédias, limitou-se a exigir a efetivação das legislações ambientais, sem, no entanto, preocupar-se com os direitos sociais que estão sendo descumpridos. Ignorou a ocupação da região ocorrida muito antes da edição do Código Florestal de 1965, Lei 4.771, que criou as APPs e, ainda, a possibilidade de regularização fundiária de imóveis que ocupem margens de rios, prevista no novo Código Florestal de 2012, Lei 12.651/12, desde que não se encontrem em área de risco, conforme pode ser percebido pelos comentários das figuras apresentadas acima.

Outra questão relevante é que na figura 48 há um comentário de estranhamento ao fato de existem equipamentos de esporte e lazer dentro da APP de margem de rio e a proposta do INEA é justamente retirar as famílias para implantar parques fluviais, como veremos adiante.

Há que se dizer que o Órgão Ambiental Federal pouco ajudou o município, vez que 58% do território municipal é área de preservação e, ao sugerir a desocupação dessas áreas, desconsiderou totalmente o aspecto social e as demais políticas públicas que precisam ser implementadas.

Não se fala em direito à moradia, saneamento básico, nem do porquê dessas famílias ocuparem essas áreas de preservação. As questões de prevenção, mudanças climáticas, vulnerabilidade aos desastres socioambientais não são tratadas como políticas públicas essenciais. A preocupação é com a base física, como se a região não fosse habitada, ou como se o meio ambiente estivesse excluído de seres humanos.

Não é possível identificar qualquer proposta concreta ou indicação de política pública federal a ser financiada, fomentada pela administração federal, que possa auxiliar na resolução desses problemas vivenciados, desse ecossistema político chamado cidades brasileiras construídas na região serrana. Os Ministérios de Meio Ambiente, Planejamento, das Cidades, Agrário atuam de forma desconectada e, quando necessário, como no caso, limitam-se a gastar dinheiro público para tecer considerações óbvias e sem eficácia socioambiental. A seriedade do ocorrido na região serrana e o luto produzido em milhares de famílias que vivem nesse lugar, nesse território, são desconsiderados por especialistas que insistem em ver a sociedade a partir de seu olhar técnico, de seus jargões e de sua autoridade. Os moradores de áreas de risco não estão ali por que querem, mas porque falta gestão pública que possa pensar o ordenamento da cidade de forma socioambiental e participativa, capaz de efetivar os direitos sociais da população, evitando, ou melhor, reduzindo as vulnerabilidades sociais, diante de vários eventos extremos que acontecem na região todos os anos.

2.3.2 Vulnerabilidades socioambientais – reconhecendo Petrópolis a partir do Estudo da