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CAPÍTULO 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2. O Ser Holístico no Oriente

Para tentar compreender uma cultura tão diferenciada da cultura ocidental como é a dos orientais, é necessário, primeiramente, voltar os olhos para alguns conceitos e visão sobre a morte para depois compreender o significado do ser. Wilhelm (1995) relata que o conceito chinês do mundo, como toda a existência fenomenológica, é condicionado por dois pólos opostos: o contraste da luz e da sombra, do positivo e do negativo, do Yang e do Yung. Também é assim na metafísica, a antítese de vida e morte. Desta forma, não é de admirar a crença de que a maior felicidade prometida ao homem seja a morte, considerada ‘a coroação da vida’. Assim, os chineses não julgam ninguém feliz antes de sua morte. No Oriente, a visão da vida, assim como a da morte, é simplesmente uma verdadeira realidade que significa apenas o interior de uma dualidade polar, em que um lado, a vida, não parece tão sólida, e o outro lado, o sombrio da morte não é radicalmente negativo. Há também um processo cíclico em que tudo o que tem um começo terá um fim, do mesmo modo que tudo o que tem um fim terá um recomeço, tal qual o dia e a noite, a vida e a morte. Assim sendo, a tarefa da vida para os chineses consiste em preparar a morte, no sentido de criar um estado liberado do conceito da finitude da existência, que representa a eternidade. Tal estado infinito e eterno deverá situar o próprio Eu no seu centro, que se desprenderá naturalmente em um ponto, chamado morte.

O sistema cíclico é tão convincente na cultura oriental que, na China, impera um conceito, segundo Wilhelm (1995) cita, de que a alma da Terra é que permeia os homens, ou seja, os componentes vitais se fundem na Terra, e da Terra voltam a surgir as forças que incidem na formação dos seres humanos. É um ciclo

vivido pela Terra no seu modo direto e espontâneo. Isto explica muito a atitude do chinês em querer retornar sempre à terra natal, porque ela faz parte dele e ele, dela, numa grande interação. O ciclo é tão presente em suas vidas e em tudo que até mesmo o sangue é considerado um fluido especial cujo percurso cíclico dentro do corpo deve ocorrer sem impedimento, para proporcionar a força constante, representando para o homem o substrato da sua alma, o substrato da vida. Pelo exercício físico, eles exercitam também a meditação que consiste em concentrar-se em imagens coletivas, visuais ou sonoras, que estimulam a atenção e provocam uma força de atração sobre a consciência. Essas imagens devem ser estruturadas de acordo com um plano básico e devem seguir um rumo determinado para estabelecer contato com os centros vitais, exercendo dessa forma influências sobre o fluido sangüíneo e a vida física. E, com isso, o homem faz com que toda a alma concentre toda a sua vida no aqui e agora, deixando a vida passar e os acontecimentos seguirem seu percurso, sem pensar no passado ou no futuro, sem reflexos irreais, apenas respeitando o fluxo natural cíclico da vida.

Assim sendo, quando se observa essa visão oriental, nota-se a consonância com os sentidos originais dos termos espírito e psiquê, em que não há a dicotomia. Conforme Freitas (1999) descreve, espírito é o sopro, respiro e alguns sentidos da alma que incluem, além do princípio vital, o princípio imaterial das funções superiores: o pensamento intelectual, o querer deliberado, a criatividade ética, político-cultural e estética, a relação filosófica em geral, a experiência religiosa e a personalidade livre.

Não é somente na maneira de perceber a morte que existe uma percepção diferenciada, mas também na prática do exercício físico. Para os orientais, como a China, segundo Wilhelm (1995), os exercícios não têm como

metas recordes atléticos, pois são vistos apenas para prolongar a vida no sentido de treinar harmoniosamente o corpo em direção a metas inerentes a esse corpo, ao evitar uma morte prematura. Também quem afirma isto é Capra (2004), ao citar que, nas tradições filosóficas e religiosas orientais, sempre houve uma tendência de considerar a mente e o corpo como uma unidade. Por isso, não surpreende que numerosas técnicas tenham sido desenvolvidas no Oriente, visando a abordar a consciência também a partir do nível físico.

Na visão holística da cosmologia taoísta, não existe dualidade entre corpo e espírito, conhecimento teórico e prático, nem ser humano e natureza.

Para Neto (2000, p. 155):

“A despeito do elevado número de técnicas, um número muito pequeno de princípios básicos orienta todos os treinamentos, que formam um sistema com três planos hierarquizados: arte marcial, medicina e espiritualidade.”

Na doutrina Yoga, por exemplo, Hermógenes (2005) demonstra que o praticante não deve perder de vista jamais que um corpo sadio é somente um meio de progredir espiritualmente. Propriedades como ser forte, ser puro, ser tranqüilo são apenas condições com que o aspirante pode caminhar para a divindade, insistindo sempre que é preciso ter persistência, atenção e crença no que se faz.

E Hermógenes (2005, p. 24) ainda compara o Yoga como:

“aquela que polindo a taça do corpo, vira-a de boca para cima, à espera de que o Licor Divino venha enchê-la; que , limpando as vidraças do corpo, permite que a Luz o penetre; que lavando a lama das enfermidades e da fraqueza, faz o diamante do espírito refletir o Sol Infinito.”

Acreditam que não há contradição para o Yoga, pois quanto mais saudável é o corpo, melhores as condições de realização espiritual; quanto mais longa a vida, maior o número de experiências a colher neste vasto educandário que

é o mundo. É certo, porém que, mesmo se praticando Yoga, a velhice e a morte aguardam a todos os seres, o que absolutamente não é assustador. É a lei e contra ela rebelar-se é imprudente. Aceitá-la franca e tranqüilamente é o que se deve fazer, pois as prescrições Yogais de ordem moral (Yama e Niyama) e a evolução psíquica e espiritual são aspectos primaciais no método Yogai de rejuvenescimento.

No taoísmo também é bem evidenciada a visão holística do ser, como afirma Neto (1995), nas relações de tao, em que as noções de saúde, doença e imortalidade todas estão no contexto da prática de transmissão, em que o próprio corpo é o responsável pela compreensão. Também afirma que o corpo é modelado culturalmente em suas práticas e comportamento não é apenas construído como objeto de conhecimento ou discurso. Por isso, acredita-se na visão taoísta de que todos os exercícios, fundamentalmente, treinam simultaneamente o corpo visível e invisível e a consciência, em especial, pelo uso da interação criadora (Yi).

Na educação religiosa dos orientais, há também uma visão holística, como Montenegro (2002) relata, em que a educação religiosa do corpo ou a sua islamização se dá por três tópicos: os hábitos alimentares, referindo-se ao que o corpo pode ou não receber como alimento ou bebidas e períodos aos quais deve submeter-se ao jejum; técnicas corporais com características exatas e uniformes para realizar as cinco orações diárias ou salat; e a higiene ritual que precede as orações e outras atividades cotidianas. Esses três tópicos são atribuições da pessoa como indivíduo, que terá seu lugar definido em relação a outras pessoas e ao próprio Alá. A adoração a Alá (Deus) na tradição islâmica tem como propósito a criação, o homem e seus dois aspectos: o espírito, de ordem de fé e que motiva a ação do corpo e o próprio corpo. Para compreender melhor, necessita-se do entendimento do significado do Islam, que é uma palavra de origem árabe, derivada

da raiz composta por três letras S,L e M que significa: paz, pureza, submissão, obediência e saúde. No sentido religioso, significa literalmente a submissão voluntária a Deus e a obediência à sua lei. O Islã, como religião, é entendido como Din ou sistema cuja submissão dependerá do homem. Entretanto, ao fazê-la deverá o indivíduo vivenciar a adoração no duplo aspecto, físico e espiritual da pessoa, junção da submissão física e psíquica ao Din. Na prática, são realizadas cinco orações diárias, chamadas de salat, sempre acompanhadas de movimentos com técnicas corporais que exigem aprendizado detalhado: são quatro posições básicas com número exato de genuflexões e fórmulas a serem repetidas em cada oração. Ao realizar as orações da prática islâmica, supõe-se exibir o fruto da educação religiosa do corpo, além de remarcar uma identidade intragrupal dos usos do corpo e distinguir sunitas e xiitas.

A visão holística, que permeia a cultura Oriental, no entanto, surgiu no decorrer de sua história e se fortalece devido à sua estrutura ideológica. Pozzatti (2004) relata que uma educação transdiciplinar e holística, voltada para o desenvolvimento harmônico do hólon humano, deve constituir-se dos aspectos: físicos, psíquicos, sociais, culturais, ambientais e espirituais, fato que, na cultura ocidental, é fragmentado e independente.

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