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PARTE II — ACESSO À INFORMAÇÃO DE GOVERNO NO BRASIL 1 A informação no Estado Brasileiro

Nível 9 — permite consultar todos os documentos e informações de qualquer UG ou órgão do sistema.

3. A exploração de um campo de luz e sombra 1 Metodologia

3.2. Coleta de informações e análises

3.2.1. O Siafi e a CPMI do Orçamento

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, instalada para apurar denúncias de corrupção na elaboração e execução do Orçamento Geral da União feitas por José Carlos Alves dos Santos52, valeu-se das informações contidas no Siafi para rastrear a destinação das verbas de subvenção social, um dos dois esquemas de desvio de verba pública que estavam sendo investigados (o outro era o esquema das empreiteiras). O responsável pela apuração dessas informações foi o consultor Hipólito Gadelha Menezes. Na época, ele precisou recorrer a outra fonte de informação — solicitadas ao Banco do Brasil para completar as informações do Siafi. Ao final dos trabalhos da CPMI, houve mudança no sistema de registro da destinação das subvenções, tornando-o mais detalhado. O Siafi foi importante para agilizar o trabalho de investigação, mas é possível perceber que houve uma interferência da CPMI na valorização e reconhecimento da importância do Siafi, pois o sistema acabou se beneficiando do resultado das apurações da comissão. Ainda assim, não se pode falar de uma influência direta.

A principal contribuição do Siafi foi a possibilidade de tornar a apuração das informações mais rápida. A ligação entre acesso ao Siafi e exercício de fiscalização e controle de contas

52 José Carlos Alves dos Santos, na ocasião de apresentação das denúncias era técnico da área de orçamento

público no Senado. Quando ingressou no Senado, na década de 1970, era o único economista na assessoria da casa. Através do deputado João Alves, ele recebia dinheiro do grupo que integrava o esquema de corrupção para orientar sobre a maneira de manobrar as dotações orçamentárias em favor dos integrantes desse grupo.

públicas é destacada por Menezes, ao lembrar que o acordo para que isso fosse possível acontecera poucos meses antes da instalação da CPMI.

“Poucos meses antes da CPI do Orçamento, o Senado fez um contrato informal com a Secretaria do Tesouro Nacional. O contrato envolvia o seguinte: a administração financeira do Senado passaria a ser feita por meio do Siafi. O Senado seria incluído. Em contrapartida, a Secretaria do Tesouro Nacional abriria espaço integral à consulta pelos senadores e assessoria dos senadores ao Siafi. Foi um grande negócio para as duas parte, foi um grande negócio para o Brasil. Porque era fundamental que nós, do Senado, tivéssemos acesso ao Siafi para poder cumprir o papel de controle externo que o Congresso tem. É indispensável. Qualquer coisa que se pede em relação à execução do orçamento tem de ter acesso ao Siafi. Enquanto o Congresso não tinha acesso ao Siafi, era impossível exercer o controle das contas públicas, que é função constitucional.” (Hipólito Menezes)53.

O repasse de verbas para entidades filantrópicas já era feito através do Siafi. A CPMI precisava investigar o verdadeiro caráter dessas entidades e comprovar a denúncia de José Carlos Alves dos Santos de que muitas eram, na verdade, pseudofilantrópicas, de propriedade de parentes de parlamentares ou dos próprios deputados. Mas havia a possibilidade de dotações em valores globais, para posterior distribuição entre os destinatários sem que a listagem dos beneficiários fosse registrada no Siafi. Para conseguir apurar as denúncias, a comissão precisou recorrer a uma informação complementar — solicitação da lista dos beneficiários ao Banco do Brasil –, como explica Hipólito Menezes:

“[...] naquela oportunidade [...] O Siafi aceitava que se fizessem pagamentos escondendo o nome do destinatário. O Siafi é um sistema, ao mesmo tempo, de execução da receita e da despesa, com o registro do fato concomitante ao seu acontecimento. Em outras palavras, diferente dos sistemas de contabilidade anteriores, em que acontecia o fato, o fato era documentado em papel e esse papel era digitado, transformado em orçamento contábil, no Siafi acontece que, para que haja autorização para realização de um fato, como por exemplo um pagamento, esse fato só acontece por meio do registro no próprio Siafi, para que o Siafi crie um cheque eletrônico, que leva o nome de Ordem Bancária (OB). [...]. Naquela oportunidade, como ainda acontece, mas vou explicar a diferença do passado para hoje, o sistema admite, como naquele tempo, a emissão de uma ordem bancária para pagamento de uma lista de credores que é enviada à parte para o banco. Então o beneficiário dessa ordem bancária era o Banco do Brasil, via de regra. E, paralelo a isso, era enviada ao banco a lista de contas nas quais deveriam ser feitos aqueles depósitos. Essa estrutura do Siafi que existia naquela oportunidade dificultou nosso trabalho. Nós de fato conseguimos obter acesso a esses pagamentos. Mas ao lado de conseguir acesso a esses pagamentos por meio da classificação contábil, ou seja,

nós pedíamos que nos listasse as ordens bancárias emitidas pelo Ministério da Ação Social que no momento era chamado de Ministério do Bem Estar Social. Nossa felicidade é que naturalmente cada saída de dinheiro recebia uma contabilização com um tipo de despesa específica. No caso a contabilização era chamada despesa com subvenções e auxílios. Subvenções, auxílios e contribuições. De posse das ordens bancárias com classificação para subvenções, auxílios e contribuições, nós requeremos ao Banco do Brasil as listagens dos beneficiários daquelas ordens bancárias enviadas para subvenções, auxílios e contribuições. Desta forma conseguimos identificar quais foram as instituições filantrópicas que receberam esses valores. Hoje, ainda existe esse sistema de mandar a ordem bancária para o banco. Só que hoje, ao lado da ordem que vai para o banco, é necessário que se registre no próprio Siafi a lista. Então hoje, apesar de ainda termos o sistema de ordem bancária global, para o banco, temos a facilidade de identificar para onde vai esse dinheiro. Melhorou a qualidade da informação”. (Hipólito Menezes)54.

Não é prudente concluir, desde já, que com a CPMI o Siafi tenha se tornado um sistema que oferece total transparência à execução orçamentária num nível ideal. Como será possível observar mais à frente, ao tratar dos focos de opacidade, os resultados da CPMI e de outras investigações geraram reações que comprometeram a capacidade de transparência, como a decisão do gabinete da Presidência da República de reduzir detalhamento de informações sobre compras, por exemplo. O próprio consultor fez críticas ao resultado final da CPMI — para ele a comissão foi esvaziada no relatório final — e avaliou que pouca coisa mudou em relação à disponibilização de informações orçamentárias. As orientações do relatório final da CPMI para democratização de informações ainda são questionadas do ponto de vista do impacto ou mesmo da redundância.

“Uma das recomendações era para aperfeiçoar o Siafi e democratizar seu acesso. Não aconteceu nada. O Senado passou a pedir à STN [Secretaria do Tesouro Nacional] para publicar a execução orçamentária. Por meio do site do Senado você consegue ver quanto foi gasto, por exemplo, para vacinação contra poliomelite no Ministério da Saúde. Mas você pára aí. Você não sabe quantas vacinas foram compradas, quantas foram aplicadas, de quem foi comprada, por qual preço. Não consegue ver isso. No site você não tem condição de ver isso. No Siafi você tem condição.” (Hipólito Menezes)55.

54 Entrevista concedida em Brasília, em 14/09/2001. 55 Entrevista citada.

“Mas já havia sido quebrado [o monopólio da informação do Poder Executivo]. Nós já tínhamos acesso [às informações da execução orçamentária via Siafi].” (Hipólito Menezes)56.

Ainda assim, vale deixar registrada uma observação de que a principal contribuição do trabalho da Comissão foi justamente colocar o assunto na ordem do dia e mostrar a importância da necessidade de detalhamento e democratização das informações relativas à execução orçamentária:

“Eu acho que hoje, depois da CPMI, os técnicos da comissão estão sendo mais valorizados. Então, eu acho que isso tem sido um fator; há mais cobrança por parte dos deputados desse tipo de análise”. (Sérgio Miranda)57.

3.2.2. Percepção da relação das noções de transparência e opacidade na execução