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O significado das Representações Sociais no campo da deficiência

Como já abordado e embasado a Teoria da Representação Social originou-se no trabalho de Moscovici, com uma abordagem sociológica da Psicologia Social, no qual pontuam as relações dialéticas entre o homem e a sociedade, capazes de explicitar a pluralidade dos modos de pensar e de se comunicar.

Jodelet (2001) comenta que os sujeitos exprimem em suas representações o sentido que dão à sua experiência no mundo social, servindo-se dos sistemas de códigos e interpretações fornecidos pela sociedade e que, na realidade, projetam valores e aspirações sociais.

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Nesta pesquisa, a deficiência como representação social foi estudada no referencial de Moscovici e Jodelet, que entendem a questão como modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos: Toda representação é composta de figuras e de expressões socializadas. Conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e linguagens, porque ela realça e simboliza atos e situações que nos tornam comuns (MOSCOVICI, 1978, p.25).

De forma semelhante, Jodelet (l989) entende: Representações sociais são uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social (apud SPINK, l995, p. 32). Para Moscovici, trata-se de uma fala retirada à substância simbólica longamente elaborada por uma coletividade que, ao modificar seu modo de ver, tende a influenciar - se e a modelar-se reciprocamente. Nesse sentido, os preconceitos sociais jamais são manifestados isoladamente, eles se assentam no fundo de sistemas de raciocínio e linguagem no tocante a natureza biológica e social do homem e suas relações com o mundo. Moscovici busca, dessa forma, articular processos psicológicos, simbólicos, conceituais e condutas engendradas às interações e relações sociais.

Esses sistemas são constantemente interligados, comunicados entre gerações, grupos, e as pessoas que são alvo desses preconceitos são naturalmente coagidas a entrar no molde elaborado, adotando, muitas vezes, uma atitude de complacência e conformismo. As experiências concretas determinam à subjetividade, a representação e o pensamento; são, pois, ações processadas, elaboradas e interiorizadas na prática. Afirma Moscovici, que não existe atividade psíquica desvinculada da prática e que não existem processos e conteúdos psíquicos que não estejam determinados pelas condições concretas da existência.

Tendo-se como foco as representações sociais da pessoa com deficiência, entende-se que sua análise se compõe de duas faces complementares: a história individual, subjetiva, que abarca o interior, os vínculos, os sentimentos e as imagens que emergem nas tramas das relações que aí são significadas; a outra, a realidade objetiva, exteriorizada nas condições materiais concretas de existência que se manifestam nas formas de relação, interação e satisfação dos desejos e necessidades humanas das pessoas com deficiência.

Entendendo-se que estas duas faces se interligam e se integram em uma totalidade dialética do ser, é preciso compreender o contexto em que se situa esses sujeitos, suas realidades. Sob essa perspectiva, Newton Duarte (2000), apresenta o conceito de alienação como sendo o distanciamento e conflito entre as forças essenciais humanas que vão sendo

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objetivadas em níveis cada vez mais elevados, e às condições concretas da existência na maioria dos indivíduos humanos.

A palavra alienação, para o autor supracitado, tem várias definições como, cessão de bens, transferência de domínio de algo, perturbação mental, na qual se registra uma anulação da personalidade individual, loucura dentre outros. A partir desses significados traçam-se algumas diretrizes para melhor analisar o que é a alienação, e assim buscar alguns motivos pelas quais as pessoas se alienam. Ainda assim, os processos alienantes da vida humana se tratam de maneira atemporal, defraudada, abstraída de processos sócio-econômicos concreto. A alienação trata-se do mistério de ser ou não ser, pois uma pessoa alienada carece de si mesmo, se tornando sua própria negação.

A alienação, na Sociologia, tem seu significado atrelado às teorias de Karl Marx, que vai escrever sobre como o sistema capitalista gera uma forte estratificação na sociedade em capitalista versus proletariado. Desta maneira, se explica a condição do proletariado no mundo capitalista e relata sobre as condições de trabalho no período de industrialização, onde quem detém o modo de produção é o capitalista, e a produção é dividida em etapas, de forma que um trabalhador não tinha conhecimento ou posse do resultado final do trabalho (o produto). É alienada também por se submeter às condições tão miseráveis, a ponto de nunca poder ser um consumidor do próprio produto que o trabalhador produz, sendo essa, portanto, a dimensão que a alienação toma nessa teoria.

Partindo-se desse contexto, concebe-se a consciência, na ótica dialética, como origem e produto da necessidade da ação humana em relação aos outros homens e mulheres, dentro de determinadas condições de produção, concluindo-se, dessa maneira, que a significação humana é impossível de ser compreendida fora da estrutura social.

Nesse sentido, a compreensão da representação social da pessoa com deficiência requer articulação desses dois conceitos, formando-se a idéia que nós temos da realidade, pois são eles que governam nossas percepções e inferências construídas a partir do conjunto de nossas relações sociais e apontam dois níveis de representações sociais distintos: um, de responsabilidade individual, compreendendo a energia pessoal; e outro, de responsabilidade social, corroborando com as idéias preconcebidas e defendidas por MOSCOVICI (2003).

Moscovici (2003) também assume, no prefácio do livro: Textos em Representações Sociais, que sente repulsa diante do dualismo do mundo individual e social, do reducionismo social às relações interpessoais ou intersubjetivas ou à redução inversa, negando a especificidade do indivíduo e fazendo do consenso o resultado de uma interação que faz desaparecer as distinções entre os indivíduos. .

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Percebe-se o surgimento, então, da noção do conflito entre o individual e o coletivo, essencial para a teoria das representações, pois o conflito não está apenas no domínio da experiência de cada um, mas é igualmente realidade fundamentada na vida social. Sem essa noção de representações partilhadas que assegurem uma coexistência possível, não se pode compreender o dinamismo da sociedade, as mudanças e as transformações das partes que a compõem.

Jodelet (2001) compreende que as representações traduzem o ser social dos grupos concretos e têm uma função de preservação da identidade coletiva e grupal. Na perspectiva social e cultural, equaciona-se que o humano é o social, pois as representações são construídas na atividade prática dos grupos, mediatizada pela cultura no trio atividade-linguagem- representação. Necessita, portanto, para seu estudo, de aportes teóricos e metodológicos plurais.

Então, compreender o significado da deficiência, entender o que significa ser e sentir- se diferente ou pessoa com deficiente, conhecer a experiência de conviver com a pessoa com deficiência, são questões humanas complexas que necessitam de um olhar mais abrangente, para além da dimensão física e intelectual, contemplando múltiplos aspectos: emocional, ético e sociocultural.

Através dessa forma de perspectiva de valorização da essência humana provenientes das situações concretas de vida, é que se buscou, pela atitude de escuta e acolhida, compreender e interpretar os sentimentos, as imagens e representações que expressam os conceitos e atitudes construídas e partilhadas socialmente.

Por conseguinte, as representações sociais da pessoa com deficiência foram estudadas como processo intra e interpsíquico, enfatizado por Spink, (l995, p.121) quando diz que: as representações sociais devem ser estudadas articulando elementos afetivos, mentais, sociais, integrando a cognição, a linguagem e a comunicação às relações sociais que afetam as representações sociais e a realidade material, social e ideativa sobre as quais elas intervêm .

Na gênese das representações, o indivíduo não é apenas um ser genérico, mas é um sujeito histórico, com uma história pessoal e social, que expressa sentimentos e afetos, com poder de criar e transformar a realidade, existindo suas representações socias.

Conhecer a pessoa com deficiência dentro do contexto que está inserido implica dirigir o olhar para partes sem perder de vista à estrutura global para aclarar as relações, os comportamentos e as atitudes. Há necessidade, portanto, de desvelar a essência, transcendendo o objeto material, investigar a subjetividade de como as pessoas elaboram essa consciência. Ao mesmo tempo, é um movimento em transformação, em contradição, pois sem

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perder a especificidade como parte da totalidade, apresenta as crenças e as representações constituídas na totalidade mais ampla ( ELZIRIK, 1999).

Nesse campo conceitual, observa-se que o fenômeno deficiência restringe-se não só ao específico, mas à limitação, que ao mesmo tempo se revela e se oculta. Cabe, então, a reflexão sobre o que se revela e se oculta à deficiência. A dificuldade de se olhar ou de se aproximar de pessoas que geralmente são rotuladas e estigmatizadas no contexto social em que estão inseridas. Como também, a dificuldade em lidar com as suas próprias limitações e sentimentos e a rejeição de seus perfis humanos diferentes. Compreende-se dessa forma, que a nossa matriz cultural de normalidade permite divergência e contradições quando nos referimos a própria formação do individuo no contexto sociocultural que está inserido.

Esses são conflitos existenciais humanos vivenciados por nós como autores sociais participativos e que na atualidade tem uma visão e fazem uma leitura reflexiva e crítica das questões ideológicas e políticas que permeiam o imaginário social em nosso meio.

Moscovici (1978) reconhece que a essência desses conceitos simbólicos tem caráter complexo e contraditório, difícil de apreender, pois as Representações Sociais são entidades quase tangíveis na medida em que povoam nosso cotidiano.

Jodelet (2001) afirma que as pessoas têm necessidade de estar bem informadas sobre o mundo que as cerca e precisa se ajustar a ele, e assim obtém formas e níveis de comportamento, a fim de, identificar e resolver os problemas que a sociedade lhes apresenta. Estes seriam os motivos pelos quais as representações são criadas. O mundo de objetos, pessoas, acontecimentos ou idéias é compartilhado entre pessoas, por isso, as representações são sociais é de fundamental importância na vida cotidiana. Segundo a autora, as representações guiam as pessoas no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade, no modo de interpretar esses aspectos e tomar decisões ante eles.

As representações sociais, enquanto sistema de interpretação que regem as relações das pessoas com o mundo e com os outros, orientam e organizam as condutas e comunicações sociais. Elas também interferem em processos variados, tais como a difusão e assimilação dos conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definição das identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as transformações sociais.

Assim, define-se a relevância teórica e histórica, social e política, dos estudos no campo da educação e nas áreas das ciências humanas e sociais como um todo que fazem uso da representação. È a busca de explicações, conhecimentos para superar as certezas. È a afirmação da educabilidade como condição do ser homem, que se efetiva atualizando sentidos de diferentes ordens no espaço que cada um ocupa no mundo.

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Pretende-se então, neste trabalho, ouvir a pessoa com deficiência, buscando compreender os conceitos sociais, as construções simbólicas e as relações ideológicas, desvelando os conflitos e as contradições existentes na realidade social, na vida prática, ou seja, no cotidiano em que estão imersos.

Nesse intuito, a teoria das Representações Sociais é o fio condutor deste debate, o palco das interações sociais no contexto da exclusão, inclusão e cidadania, como já referendado anteriormente. A compreensão dessas relações é relevante no espaço social como um todo, em que as pessoas se encontram e expressam seus sentimentos, desejos, expectativas, necessidades e sonhos de transformação. Por essa teia e rede de significados, o cotidiano e a prática social foram revelados, desnudados e discutidos através de ação compartilhada.

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CAPÍTULO 2

CONTEXTUALIZAÇÃO DA QUESTÃO DA

DEFICIÊNCIA E CIDADANIA

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O termo cidadania vem ganhando cada vez mais importância, embora, ainda, boa parte da população desconheça o seu real significado e as suas implicações no processo de emancipação dos homens e mulheres na compreensão dos seus direitos e deveres na sociedade em que estão inseridos. Ao transformar-se, esta mesma sociedade repercute e atualiza de forma significativa elementos que contribuem para a evolução conceitual do termo cidadania, abrangendo nos dias atuais, uma concepção bem mais ampla e de complexidade tal, que as concebidas e formuladas em outras épocas. Entende-se que à medida que a sociedade se transforma se conscientiza e se torna mais humanizada. Nesse ínterim amplia-se também, o conceito de cidadania no sentido do seu real significado, para outros segmentos da comunidade que, muitas vezes, eram esquecidos ou ignorados em seus direitos fundamentais. Nesse sentido, se faz necessário entender suas inter-relações e implicações relacionadas às pessoas com deficiência no contexto da exclusão e perspectivas de inclusão, principalmente quando se busca refletir sobre questões que são consideradas básicas para a prática diária do direito e o exercício do que vem a ser cidadania na coletividade e da cidadania da pessoa com deficiência nesse contexto de inserção.

2.1 Aspectos históricos e conceituais do termo deficiência e da pessoa com deficiência.