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O significante e o significado: faces múltiplas da língua

Se, como entendemos, o texto acadêmico é uma produção manufaturada, isso significa que o processo de produção só pode começar pela matéria-prima: a estrutura. Não se fabrica um carro sem antes fabricar cada peça que será levada para a linha de montagem. Saussure, com a sua linguística do sistema, teoria que, conforme já frisamos, muito inspirou Ducrot e Carel, mas também tantos outros importantes teóricos de várias linhas de pensamento, colabora fundamentalmente para que prestemos mais atenção aos instrumentos estruturais da língua, os

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[...] spécialement losqu'elle prend la forme d'une science des pouvoirs symboliques capable de restituer aux

sujets sociaux la maîtrise des fausses transcendences que la méconnaissance ne cesse de créer et de recréer.

quais nos proporcionam uma rica incursão na linguística sincrônica, principalmente, como objeto de estudo acadêmico, para, então, mergulharmos, compreendermos e avançarmos sobre a evolução histórica da língua, isto é, a linguística diacrônica ou as outras tantas esferas da linguagem.

A partir dos estudos dos signos linguísticos, no Curso de Linguística Geral, Saussure (1997) desenvolve uma teoria geral do signo, a Semiologia, que privilegia os aspectos linguísticos. Esta teoria, de onde nasceu também a semiótica27, foi um marco fundamental para os estudos do signo, além de servir, como já observamos, como instrumento de apoio a outras tantas teorias e estudos, inclusive à psicanálise. É de conhecimento acadêmico que uma das discussões mais importantes e talvez mais polêmicas sobre o trabalho de Saussure, pelo menos no Brasil, está relacionada à proposta que faz e a relação que traz sobre significante e significado. Para ele, o signo, uma entidade psíquica de duas faces, é convencional. Só para reforçar a relevância das ideias de Saussure, passamos rapidamente por Lacan (1957), quando ele discute os processos inconscientes, que para ele seriam estruturados como a linguagem, toma essa proposta de Saussure, e apresenta uma nova relação para as faces do signo. Ele passa a tratar o significante de “o inconsciente” e o significado de “o consciente”.

Com isso, Lacan sustenta que o significante é determinante e estável, enquanto o significado é instável, pode variar, pois não tem uma ligação estreita com o inconsciente e não pode determinar a estrutura mental do paciente. Esse esquema de Lacan fixa uma analogia com a imagem acústica e o conceito, por exemplo, da palavra árvore. Mas, acima de tudo, reforça que o que dá estabilidade à língua, na condição de signo ideológico, é a estrutura.

Eagleton (2011), na sua crítica aos processos civilizatórios, observa que a cultura seria o corpo e a civilização, a mente. Isso significa, aqui para nós, que a cultura teria, então, estreita relação com o sentido de significante em Saussure e, em Lacan, com o sentido de estabilidade.

Na perspectiva da TAP, Ducrot (1990) pensa a língua não a partir do significante e do significado, mas da significação e do sentido. Ele sustenta que a significação equivale ao valor semântico de uma frase e o sentido ao valor semântico do enunciado, ou da realização

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da frase. Ele explica que significação consiste num conjunto de instruções, de diretivas que permitem interpretar os enunciados das frases, já o sentido marca uma orientação, uma direção.

Admirador de Saussure e de Benveniste, Ducrot reconhece a importância hoje da Análise do Discurso, e de tudo que concerne ao enunciado28 (ou à enunciação), mas defende que é preciso igualmente continuar a estudar a língua, as palavras, as frases, a gramática. Tratando da família das palavras e, numa relação íntima com elas, Saussure mostra a importância de se buscar o passado das palavras através de um percurso etimológico. Essa busca pode, para Saussure (1997), encontrar algo que melhor as explique, pois, para ele “Com efeito, uma palavra representa sempre uma ideia relativamente determinada, pelo menos do ponto de vista

gramatical […]” (p. 216).

Neste item fizemos uma pequena incursão ao conceito de signo e suas faces a partir do significante e do significado, bem como as analogias que se pode fazer com essa dupla relação, objetivando sustentar a relevância da palavra e dos sistemas estruturais nas construções textuais. Logo mais, no Capítulo II, item 9, tomando Ducrot e Carel, ampliamos a discussão, quando tratamos da estrutura a partir da argumentação na língua.

5.3.1 Balanço sobre o capítulo I

Para fechar este capítulo, gostaríamos de dizer que as nossas reflexões, principalmente, sobre o que estamos chamando de indústria do texto, nasceram a partir não só de nossas experiências docentes, mas, acima de tudo, de uma longa vivência acadêmica, na condição de estudante (fiz dois cursos superiores) e pesquisadora. E, além disso, de um instigante interesse por buscar respostas que pudessem confirmar e explicar a gritante diferença, já constatada por nós, que as produções textuais universitárias podem revelar em cursos diversos, e, assim, melhor compreender os meandros do âmbito acadêmico.

Passamos, então, a sustentar que a academia, na sua conjuntura, é gerida e sustentada pelo texto e que o texto acadêmico tem um caráter estritamente normativo. Nesse sentido, passamos a denominar as produções textuais escritas ali confeccionadas de manufatura acadêmica.

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Mas, a partir daí, surgiram muitas outras reflexões, reflexões estas relacionadas à qualidade da Universidade no Brasil e no mundo e aos instrumentos de poder disciplinar, simbólico, ideológico que perpassam o saber e, logo, o âmbito acadêmico.

Para chegar a um denominador comum, pensamos o texto a partir da sua matéria mais bruta: a estrutura, a qual somente se consolida (toma forma e sentido) a partir de um conjunto de revisões e retextualizações, até chegar à manufatura pronta, quando pode receber o “selo de qualidade” e assumir características ideológicas distintas, que identifiquem o sujeito produtor. Isto é, pode ser divulgado ou publicado.