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O sistema jurídico brasileiro e a consciência da mediação

CAPÍTULO 2 – MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

2.4. O sistema jurídico brasileiro e a consciência da mediação

Leite (2018, p. 5) afirma que a mediação no Brasil se inseriu no ordenamento jurídico através da interdisciplinaridade alimentada pela via principiológica e, a partir da década de 1960, reapareceu como prática social possibilitando uma mudança de cultura do adversarial para uma construção dialógica.

Lagrasta (2016, p. 69) relembra que na primeira Constituição do Império de 1824, nos arts. 160 e 161, já havia incentivo expresso para a solução de litígios por outros meios que não a decisão judicial emanada do Estado. A tentativa prévia de conciliação era entendida como condição de procedibilidade e sua ausência causava a inviabilidade do desenvolvimento do processo. Dessa forma, ter-se-ia verdadeira falta de interesse de agir a obstaculizar o prosseguimento do processo. O artigo 162 trouxe a figura do juiz de paz, que, entre outras funções, tinha a finalidade precípua de promover atividade conciliatória prévia.

Segue Lagrasta (2016, p. 69) ao dizer que a Lei Orgânica das Justiças de Paz, promulgada em 15 de outubro de 1827, regulamentou a figura do juiz de paz no § 1° do art. 5°, estabelecendo-lhe a atribuição de conciliar as partes por todos os meios pacíficos que estivessem ao seu alcance visando à pacificação social. Não se exigia do juiz de paz formação jurídica, podendo ser um juiz leigo eleito por seus pares. Ainda no período

108 Carvalho (2011, p. 275) diz que a mediação laboral revela alguma tradição nas relações de trabalho

sendo prevista no atual Código do Trabalho nos artigos 526.º a 528.º para conflitos coletivos e para os contratos individuais se encontra regulada pelo Sistema de Mediação Laboral.

109 Para Gouveia (2014, p. 13) é incontestável o desenvolvimento dos meios de RAL em Portugal

promovido pelo Governo através da criação de centros de arbitragem institucionalizada, instalação dos JPs e implementação de serviços de mediação laboral, familiar e penal.

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imperial, o Código Comercial de 1850 estabeleceu normas referentes à conciliação e à arbitragem, mas manteve a obrigatoriedade da conciliação prévia. A par desse diploma o Regulamento n.º 737, de 25 de novembro de 1850, destinado à regulamentação do processo nas causas comerciais previa expressamente no artigo 23110 a conciliação prévia obrigatória, sendo que a tentativa de composição podia ser realizada por convocação do juiz ou comparecimento espontâneo das partes.

A autora acrescenta que a Lei n° 2.033 de 1871, conhecida como Consolidação das Leis de Processo Civil do Conselheiro Ribas, tratou da conciliação e manteve a tentativa prévia perante o juiz de paz como condição para o ajuizamento da ação. Esta condição fora afastada após a proclamação da República pelo Decreto n.º 359, de 26 de abril de 1890 sob os argumentos de inutilidade como elemento de composição dos litígios e diminuição de onerosidade do instituto. Com isso deixava de existir a tentativa obrigatória de conciliação antes do processo judicial, mas se manteve o reconhecimento de efeito aos acordos celebrados pelas partes e às decisões proferidas em sede de juízo arbitral.

Para Lagrasta (2016, p. 71), ainda que reconhecesse o valor da conciliação, o Estado não mais disponibilizava estrutura própria para sua promoção e, no final do Século XIX e início do Século XX, seguiu as ideologias vigentes dos Estados Liberais não fazendo referência à conciliação ou Justiça de Paz na Constituição Federal de 1891. A partir de então tanto em nível constitucional como infraconstitucional as legislações deixaram de mencionar a função conciliatória apesar de manterem a figura do juiz de paz cujas atribuições limitaram-se à habilitação e celebração de casamentos. A Justiça de Paz no século XX passou a ser órgão de criação facultativa da organização judiciária estadual. A conciliação somente voltou a ser disciplinada no Código de Processo Civil de 1973, mas como forma de se encerrar o processo e não mais de forma preliminar ou obrigatória. Para a autora, a Lei do Divórcio representou o resgate da autocomposição ao prever a designação de audiência específica para tentativa de reconciliação ou transação das partes.

De acordo com Lagrasta (2016, p. 71) a década de 1980 marcou o avanço dos métodos alternativos de resolução de conflitos, primeiro com a Lei nº. 7.244/84, de 7 de

110Art. 23 Nenhuma causa commercial será proposta em Juizo contencioso, sem que previamente se

tenha tentado o meio da conciliação, ou por acto judicial, ou por comparecimento voluntario das partes”. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-737-25-novembro-1850- 560162-publicacaooriginal-82786-pe.html.

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novembro, conhecida como Lei de Pequenas Causas e depois com a previsão dos Juizados Especiais e Justiça de Paz no art. 98 da Constituição Federal de 1988. No ano de 1995 foi promulgada a Lei n.º 9099/95, de 26 de setembro, denominada de Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito dos estados, a qual, além de substituir a expressão anteriormente utilizada de “pequenas causas” para “causas de menor complexidade”, ampliou a competência dos juizados para a área criminal, estendendo, na área cível, a competência para as causas de valor até quarenta salários mínimos. Pautado nos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade e na busca prioritária da conciliação ou transação, o art. 2º da Lei nº. 9.099/95 prevê uma sessão de conciliação logo no início do procedimento.

Na opinião da autora, apesar da utilização de mediadores voluntários em diversos tribunais e do surgimento de diversos cursos de formação para essa função, havia ausência de critérios pré-estabelecidos para capacitação e seleção. Com isso surgiu a necessidade de institucionalização da mediação cujo primeiro passo foi dado pelo Projeto de Lei nº 94, de 2002 de autoria da Deputada Zulaiê Cobra.

Por meio do referido projeto pretendia-se institucionalizar a mediação extrajudicial através de duas modalidades: a mediação prévia que facultaria ao litigante buscar o auxílio de um mediador antes de ajuizar a demanda e a mediação incidental que seria obrigatória após a distribuição da demanda e ocasionaria a extinção do processo se obtido o acordo. Além disso, a proposta previa medidas voltadas diretamente ao mediador como estabelecimento de capacitação obrigatória com registro no Tribunal de Justiça e a fiscalização do trabalho tanto pelos juízes como pelos advogados com previsão de afastamento em caso de falta apurada por meio de processo administrativo regular. Para mais, estabelecia a remuneração dos mediadores equiparando-os aos auxiliares da Justiça.

Entretanto não houve avanço no projeto que foi objeto da Nota Técnica nº 2/2007, de 25 de maio de 2007 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quando já se encontrava na Câmara dos Deputados para votação. Lagrasta (2016, p. 74) informa que somente no ano de 2010, por iniciativa do ministro Cezar Peluzo na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ na esteira da política pública de tratamento

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adequado de conflitos111, foi lançada a Resolução n.º 125 do CNJ cujo objetivo precípuo era incentivar métodos alternativos, principalmente a mediação e a conciliação112.

A autora relembra que a partir dessa Resolução surgiram novos projetos de regulamentação da mediação no Brasil que acabaram sendo unificados na Lei n.º 13.140, de 26 de junho de 2015. De forma paralela a Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015 (novo Código de Processo Civil) passou a regulamentar a conciliação e a mediação judiciais, prevendo no início do processo uma sessão de conciliação/mediação que somente admite dispensa após expressa manifestação de ambas as partes. Caso não se manifestem ou não compareçam à sessão designada pelo juiz aplica-se multa por litigância de má-fé. A supracitada sessão deve ser realizada no Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos (CEJUSC), podendo ser desmembrada ilimitadamente em outras sessões dentro do prazo máximo de sessenta dias. A lei prevê ainda seleção, cadastro, capacitação e remuneração de mediadores considerados em todas as hipóteses como auxiliares da Justiça113, bem como a instalação de câmaras privadas de conciliação e mediação perante os tribunais114.

111 Lagrasta (2016, p. 114) informa que a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos

tinha como objetivo a utilização dos métodos consensuais principalmente a conciliação e a mediação no âmbito do Poder Judiciário sob a fiscalização deste; e, em última análise, a mudança de mentalidade tanto dos operadores do direito como da população com a finalidade de obter a pacificação social, escopo mor da jurisdição. De forma sistemática tais objetivos podem ser assim definidos: acesso à justiça como acesso à ordem jurídica justa; mudança de mentalidade e diminuição da resistência no uso dos métodos consensuais de solução de conflitos; qualidade do serviço por meio da capacitação de mediadores e conciliadores.

112 Lagrasta (2016, p. 42) adverte que diferente do que ocorre no direito norte americano onde há

obrigatoriedade das partes em seguir o procedimento indicado pelo centro de resolução de conflitos, no Brasil prevalece o princípio da voluntariedade em observância ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.

113 Para Lagrasta (2016, p. 55) o fato de a maioria dos tribunais trabalhar com serviços voluntários de

mediadores constitui grave entrave para o bom funcionamento do sistema, uma vez que a remuneração é fundamental para garantir qualidade do serviço e motivar o aprimoramento de conhecimento pelos terceiros facilitadores. A necessidade de remuneração é reforçada pelo art. 13 da Lei n.º 13.140/2015 e nos arts. 167, § 6º e 169 do Novo CPC segundo os quais a remuneração de conciliadores e mediadores deverá estar prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça; ressalvada a hipótese de conciliadores e mediadores concursados.

114 No que concerne ao Código de Conduta do Mediador, Lagrasta (2016, p. 105) defende que no Brasil o

mais detalhado foi o elaborado pelo Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA). Já o “Projeto de Gerenciamento de Casos” baseou-se no modelo de Stuttgart do Código de Processo Civil alemão e pelo Case Management do direito norte americano. Para a autora o gerenciamento do processo foi o marco para a mudança de mentalidade dos juízes e outros operadores do direito no estado de São Paulo cuja exitosa experiência foi majoritariamente transposta para a Resolução n.º 125/2010 do CNJ.

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