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3 Embasamento teórico

3.1 O surgimento da Fonologia Não Linear

Chomsky foi um marco significativo nos estudos linguísticos a partir da década de 50. Segundo Matzenauer (2005, p.14), ele determinou como objetivo do estudo descritivo de uma língua a construção de uma gramática e, ao defini-la como o sistema de regras que especifica a correspondência entre som e significado, inseriu a noção de regra linguística como indispensável para a caracterização de qualquer língua.

Dentre os vários pressupostos teóricos que fundamentam o modelo chomskiano, destacamos a distinção entre competência/desempenho e a existência de uma Gramática Universal. Matzenauer (2005, p. 14) ressalta que

Chomsky (1965) considerou relevante o fato de que qualquer pessoa é capaz de fazer julgamentos imediatos, intuitivos e naturais sobre as relações sintáticas e semânticas de sua língua, de interpretar sentenças ambíguas e de detectar sentenças mal formadas, sem que ninguém lhe tenha ensinado. Também observou que a criança adquire uma língua, com toda a sua complexidade, nos primeiros anos de vida, sendo capaz de criar e empregar expressões e sentenças que nunca ouviu.

Com base no que foi exposto, podemos afirmar que Chomsky (1965) defende que todo falante/ouvinte possui uma “competência linguística”, definida como um conhecimento

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Embora comumente classificada como fonologia não-linear, a Fonologia Lexical é uma teoria da gramática pois, ela organiza as regras morfológicas e fonológicas em domínios de aplicações diferentes que podem ser representados por outras teorias. De acordo com Lee (1992, p.103), o modelo da Fonologia Lexical estabelecido por Kirparsky (1982,1985) e Mohanan (1982,1986) representa, na verdade, a convergência de vários trabalhos independentes, entre os quais podemos destacar: Halle (1973), Siegel (1974,1977), Jackendoff (1975), Aronoff (1976), Allen (1978) e Pestskay (1979).

inconsciente da língua e da gramática que determina uma relação intrínseca entre som e significado (dicotomia saussuriana) em cada sentença e do sistema de regras que a caracteriza.

Ressalta-se que a “competência” não deve ser confundida com “desempenho”, que é o uso real da língua (em termos saussurianos, trata-se da parole) em situações concretas. Matzenauer (2005, p.14) diz que o “desempenho” não depende somente do conhecimento da língua, mas de outros fatores (extra-linguísticos), tais como restrições de memória, atenção, crenças, etc.

A Gramática Universal (GU) pode ser definida como uma essência comum que os homens têm como parte de sua herança genética. Segundo a proposta teórica elaborada por Chomsky, o indivíduo adquire a língua do ambiente em que vive (português, inglês, francês, alemão, etc.) com base nessa essência comum.36 Segundo Matzenauer (2005, p.15), temos que:

De acordo com essa concepção, as línguas constroem suas gramáticas com base na GU, ou seja, fixam parâmetros particulares a partir dos princípios gerais ditados pela GU. Um exemplo de princípio da GU é que a sílaba pode ter três elementos: ataque, núcleo e coda. A partir desse princípio, cada língua vai criar a sua gramática, determinando neste caso, que tipo de segmento pode ocupar as diferentes posições na estrutura silábica [...].

Com a publicação de The Sound Pattern of English (SPE), em 1968, Chomsky e Halle apresentaram as linhas gerais da teoria fonológica gerativa, na qual o componente fonológico passou a ser definido como a parte da gramática que atribui uma interpretação fonética à descrição sintática (MATZENAUER, 2005, p.15).

Sobre esse fato, Massini-Cagliari (1999, p.71) nos afirma que a interação entre fonologia e o resto da gramática limitava-se a uma interface com a sintaxe, em que o output do componente sintático constituía o input do componente fonológico. Veja o esquema abaixo:

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A preocupação de Chomsky é voltada principalmente para a similaridade entre as línguas, atribuindo a essa semelhança uma essência comum que é a GU.

(36) Léxico

Sintaxe

Fonologia Semântica

Define-se a representação fonética como sendo uma seqüência de segmentos fonéticos, que são um conjunto de especificações de traços, isto é, propriedades mínimas (tais como nasalidade, sonoridade, etc.). Por sua vez, a representação fonológica é a representação mental dos itens lexicais, onde os conjuntos de especificações de traços fonológicos podem manter uma correspondência unívoca ou não com o conjunto de traços fonéticos.

Portanto, todo falante tem uma informação fonológica que congrega, segundo Matzenauer (2005, p.16), duas formas diferentes das unidades lexicais de sua língua: uma representação fonológica mais abstrata, subjacente ao nível fonético, que contém informações não previsíveis (distintivas) e que estabelece uma relação dos sons com significado, e por fim, uma representação fonética que indica como a palavra é realizada, que isola as propriedades articulatórias e acústicas dos sons para a realização e decodificação dos sons para a realização da fala.

Vale referir que o modelo gerativo proposto por Chomsky e Halle (1968) tem como diferença, em relação ao modelo estruturalista, o fato de tornar a relação entre a representação fonológica e a produção fonética mais abstrata, e por retirar, ou seja, eliminar o nível fonêmico, que estabelece um nível separado para a relação entre fonema e suas variantes contextualmente especificadas. Para este novo modelo (gerativo), o traço passa a ser a unidade mínima, que possui realidade psicológica e valor operacional.

A respeito dos traços distintivos, a teoria estabelece que são propriedades mínimas, de caráter acústico ou articulatório (nasalidade, sonoridade, labialidade, coronalidade, etc.) que, de forma coocorrente, constituem os sons da língua. No nível fonológico, os traços são marcadores classificatórios abstratos, que identificam os itens lexicais da língua (Matzenauer, 2005, p.17). Por possuírem a função classificatória e distintiva, os traços são binários no modelo de Chomsky e Halle (1968), isto é, representando um a presença e outro a ausência da propriedade. Segundo Cagliari (2008, p. 88), temos que

as propriedades vêm escritas entre parênteses quadrados com os símbolos fonéticos, com a valência (marca de + ou -) no início. As propriedades com o sinal (+) são marcadas e as com o sinal (-) são não marcadas. Há implicações teóricas fortes que baseiam no fato de certas regras atingirem elementos marcados e não marcados (teorias das marcas fonológicas). Em uma notação como [+ sonoro] não se lê a valência (o sinal de +), mas sim apenas sonoro. Na notação [-sonoro], por exemplo, diz-se não sonoro ou surdo, não sendo costume dizer menos sonoro.

Com isso, os elementos são analisados em propriedades distintivas através de matrizes ou de gráficos em forma de árvores. Utiliza-se este último modelo para tirar as redundâncias que geralmente aparecem quando se faz uma matriz. Veja os exemplos abaixo:

(37) Matrizes das Vogais (cf. Cagliari 2008, p.89)

(38) Gráfico dos traços das vogais em forma de árvore. (cf. Cagliari 2008, p.89).

A descrição dos traços distintivos dos segmentos é de extrema importância para a descrição dos processos fonológicos, que são descritos através de regras, e nos fornecem informações sobre quais traços são alterados ou não durante esses processos.

As teorias fonológicas que foram surgindo ao longo dos anos, a partir do modelo gerativo padrão, têm como impulso uma reação à tradição desse modelo de Chomsky e Halle (1968). Segundo Massini-Cagliari (1999, p.71), as descrições fonológicas caracterizavam-se por uma organização linear dos segmentos e por um conjunto de regras cujo domínio de aplicação era implicitamente definido em termos de fronteiras contidas na estrutura superficial dos constituintes morfossintáticos. Atribui-se o surgimento desta reação ao momento em que se tentou incorporar à teoria gerativa fenômenos como estrutura de sílaba, acento e tom, os quais eram tratados de modo linear no âmbito da fonologia gerativa.

Com o desenvolvimento das fonologias nas últimas décadas do século XX, chegou-se à conclusão de que o componente fonológico é caracterizado por um conjunto de sistemas hierarquicamente organizados e integrantes, sendo cada um governado por seus próprios princípios, o que torna então o componente fonológico um sistema heterogêneo. A partir disso, surgiu o que se chama de Fonologia Não–Linear: a Teoria Métrica, a Teoria Lexical, a Teoria Auto-Segmental e a Teoria Prosódica.

Esses tipos de teorias trazem ferramentas importantes, já que propõem uma ideia de organização hierárquica dos constituintes. Pesquisadores como Halle e Vergnaud (1987), Goldsmith (1990) e Hayes (1995) mostram que a consideração de constituintes hierarquizados é necessária a qualquer abordagem do acento e do ritmo, pois facilita a visão de determinados fenômenos, tais como as colisões acentuais, por exemplo. Vejamos a seguir mais detalhadamente cada uma dessas teorias.