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O tempo na redação do Veículo C

CAPÍTULO 5 PESQUISA EMPÍRICA: ANÁLISE E RESULTADOS

5.1 Estudo nos Veículos A e C

5.1.2 Jornalistas, convergência e produção no Veículo C

5.1.2.1 O tempo na redação do Veículo C

No primeiro dia da pesquisa no Veículo C, às 11 horas da manhã, a redação ainda estava silenciosa e, em frente ao computador, havia poucos jornalistas. Os que sentados estavam, raras vezes se levantavam do lugar. Era possível ouvir alguns ruídos vindos do mouse e dos teclados das máquinas, e nem todos os pequenos televisores instalados nas estações de trabalho estavam ligados. Além dos mesões centrais descritos na seção anterior, também há grandes aquários, onde estão estações de rádio e de televisão vinculadas ao veículo.

119 Na observação daquele dia, conforme o tempo passava, outros jornalistas chegavam à redação e ocupavam as baias onde trabalham. Enquanto o computador liga, um sai para tomar um café no espaço de convivência, outro chama o colega de editoria para comentar a respeito de uma notícia em repercussão. Um jornalista vira para o lado e pergunta se alguém quer um pedaço de barra de chocolate, e depois vai até um colega de editoria para dar uma felicitação de aniversário, respondida com um convite para um bar depois do expediente.

Levantam-se para aumentar o volume da televisão ligada em um canal de notícias. Nas mesas deles, porta-retratos com fotos de pessoas queridas, recordações pessoais e profissionais, anotações, livros, revistas, jornais dobrados, outros papéis e objetos que parecem ter sido deixados por jornalistas que já não estão naquela redação. Em cada mesa há uma pequena placa com nome e sobrenome de cada jornalista. Mas, mesmo que a mesa também mostre, de certa forma, a identidade de cada um daqueles profissionais que passam mais tempo na redação do que em qualquer outro lugar – na semana, nos plantões de sábado e domingo e nas escalas de feriados –, não existe apego a ponto de, eventualmente, um não poder se sentar na cadeira do outro quando necessário.

Parece existir uma cultura de confiança entre os jornalistas do veículo, talvez também porque passam muito tempo não apenas no trabalho, mas trabalhando com outros jornalistas. E esse tempo atravessa o dia e vara a noite, se necessário. Traspassa momentos em que se poderia estar com familiares e amigos esperando a troca de presentes antes da ceia de Natal ou à espera do brinde de feliz ano que virá. A amizade e a confiança entre os jornalistas – obviamente sem unanimidade – se estende a colegas de outros veículos.

Um dos repórteres menciona, durante a entrevista, a amizade com um colega do principal jornal concorrente ao veículo em que trabalha, e observa como a relação entre eles é cultivada em coberturas de acontecimentos e coletivas de imprensa, em que estão lado a lado batalhando por um furo jornalístico. Outro repórter também comenta que jornalistas de diversos veículos concorrentes trocam informações em grupos de

WhatsApp, reunidos por uma contraditória solidariedade em tempos de busca por ser o mais rápido possível.

No Veículo C, os profissionais não registram horários de entrada e de saída. Têm uma hora de almoço ou janta, a depender da função que ocupem e da carga horária de

120 trabalho. Entretanto, não há um horário pré-definido para as refeições. A decisão nesse contexto normalmente é a respeito de ir comer sozinho ou em grupo. Mas o tempo na redação nem sempre termina a tempo. Mesmo que haja certa rotina, em caso de acontecimentos inesperados, pode não haver hora para ir embora, ou pelo menos hora certa para isso. Nesses casos, quando saem da redação ou no caso de ir para casa direto de uma cobertura que durou longas horas, podem acabar escrevendo ou terminando de escrever uma matéria de casa. Travancas (1993, p. 28) explicita a questão ao dizer que “há uma cobrança implícita, se não explícita, de que ser jornalista significa ser jornalista 24 horas por dia e não só quando se está no jornal ou fazendo matéria de rua”. Também se soma a isso o fato de que os jornalistas, mesmo fora do expediente, continuam a ser bombardeados com notícias que chegam, seja por redes sociais ou WhatsApp, seja por celulares ou tablets.

A redação do Veículo C não funciona 24 horas por dia, o que significa que o portal fica sem atualização interna de notícias entre 23h e 7h. A alimentação da home

page do veículo e das redes sociais começa no início da manhã – com matérias do jornal impresso programadas – em um esquema de interpolação de jornalistas em ambos os processos ao longo do dia. Nos dias da pesquisa, até o fim da manhã, pairava o silêncio no veículo. O período do almoço também foi de calmaria. Ouvia-se mais ruído no meio da tarde, entre as 15h e as 18h30, e na hora do primeiro fechamento do jornal impresso, entre as 20h30 e 21h30. Após o fechamento, ficavam poucos jornalistas que escrevem para o impresso na redação, mas ainda estavam lá os profissionais que alimentam o portal, e os que alimentam a home page e as redes sociais.

Nas mesas dos jornalistas do Veículo C, além de computador e telefone do jornal, está momentaneamente repousado o aparelho celular de cada um deles – geralmente um smartphone –, por onde chegam mensagens instantâneas de familiares e amigos, checadas e respondidas em horários livres ao longo do dia, e no qual são conferidas fotografias de conhecidos ou anônimos de qualquer parte do mundo presentes nas redes sociais. Nem sempre há tempo para intervalos para a vida pessoal.

Os smartphones disputam a atenção do jornalista com outras ferramentas: o feed de notícias nas redes sociais, que não traz necessariamente notícias jornalísticas, como o nome sugere (a não ser os perfis de jornais), e também novidades postadas em perfis de amigos e de páginas de qualquer natureza; sites de serviços de busca com variadas

121 possibilidades de pesquisa; e portais de notícias do mundo inteiro com atualizações sobre diversos tipos de assuntos.

Todas essas ferramentas passaram a fazer parte da produção da notícia pelos jornalistas. Os profissionais não saem para uma pauta ou cobertura sem o celular, com o qual fazem registros em foto ou vídeo de informações enviadas posteriormente pelo próprio aparelho, por meio de serviços de mensagens instantâneas. Os sites de buscas são visitados constantemente para pesquisas de contatos de fontes e informações sobre vários assuntos complementares às pautas, além de notícias relacionadas a um determinado tema que já foram publicadas pelo próprio veículo ou por concorrentes. Neles também são pesquisadas imagens que, desde que permitidas, são utilizadas em matérias. E as redes sociais, por sua vez, funcionam também como ferramentas que agilizam o trabalho jornalístico por serem um espaço espontâneo de sugestões de pautas e pontos de apoio para a apuração de informações junto a fontes e personagens.

No Veículo C há, portanto, jornalistas que se levantam do computador, uns mais, outros menos. Há os que se comunicam com colegas de jornalismo mais em pautas na rua, e existem os que se comunicam utilizando aparatos tecnológicos. Alguns costumam sair para almoçar em grupo, após consenso entre os colegas, outros se ausentam rapidamente da redação para almoçar ou jantar – se for o caso –, porque precisam voltar e haverá pouca gente ou quase ninguém para substituir trabalho nesse intervalo. De um lado, os que terminam de escrever alguma matéria de casa porque não deu tempo na rua ou na redação; de outro, os que escrevem de casa porque na redação sua função não lhes dá tempo ou permite escrever. Ambos têm páginas pessoais nas redes sociais, mas se relacionam com elas de modos diferentes, no âmbito jornalístico. No Veículo C, definitivamente, há mais de um perfil de webjornalista – ou de jornalistas que produzem para a web.

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