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Para entender como foi construído o processo de gestão de crise proposto nesta pesquisa, é necessário analisar de que forma as informações chegaram ao público. Assim como as demais editorias, a de esporte também precisa seguir os passos para o processo de

19 Vitorio Piffero é ex gestor do Internacional de Porto Alegre. Durante sua gestão no clube foi descoberto inúmeras irregularidades no caixa do Inter, incluindo pagamentos para empresas fantasmas.

20Não se esqueça que nos esportes da máxima perseguição pelos torcedores, além do resultado, estão em jogo interesses econômicos e políticos que podem condicionar os resultados, classificações e até provocar

provocações entre aficionados, que, às vezes, enfrentam clubes, cidades e países.”

construção da notícia e quais são os critérios que levam os jornalistas a selecionarem quais fatos devem ou não ser noticiados.

Traquina (2005) explica como são escolhidas e construídas as notícias que serão publicadas. Para o autor, os valores notícias são imutáveis, a partir do momento que podem ser diferentes considerando a editoria em que serão veiculadas. Além disso, “devemos considerar fatores históricos, sociais, e culturais partilhados pelos membros da comunidade jornalística e, inclusive, mercadológicos, traduzidos na política editorial da empresa”

(TEIXEIRA, 2017, p.17). Sobre questões políticas, institucionais das editorias, Traquina (2005) explica:

A política editorial influencia a disposição dos recursos da organização e a própria existência de espaços específicos dentro do produto jornalístico através da sua política de suplementos e sobretudo de rubricas. A criação de espaços regulares, como suplementos e rubricas/ seções, tem consequências diretas sobre o produto jornalístico de uma empresa, porque a existência de espaços específicos sobre certos assuntos ou temas estimula mais notícias sobre esses assuntos ou temas, dada a necessidade de seu preenchimento. (TRAQUINA, 2005, p.201)

Como já mencionado pelo autor, os valores-notícia são divididos em duas categorias:

seleção e construção. O primeiro diz respeito a escolha por noticiar ou não um acontecimento;

o segundo fala da forma como a notícia chegará ao público e funciona como linha-guia para sua construção. Traquina (2005) diz que

a visão negativa do mundo criada pelos jornalistas tem suas raízes nos valores-notícia que os profissionais do campo jornalístico utilizam na seleção dos acontecimentos do mundo real e na construção das ‘estórias’ que contam sobre a realidade.

(TRAQUINA, 2005, p. 61)

Ainda em paralelo com Traquina (2005), os valores notícia de seleção estão divididos em duas subcategorias: critérios substantivos e critérios contextuais. Esses critérios se apresentam como:

Morte: “Onde há mortes, há jornalistas.” (TRAQUINA, 2005, p. 79) A morte é um valor-notícia muito importante pois ele explica o negativismo do campo jornalístico. Além disso, é um valor-notícia que se une com notoriedade e tempo: mortes de famosos e acontecimentos com muitas mortes (atentados, guerras, bombas) ganham maior destaque.

Notoriedade: ​Hierarquia dos personagens de um acontecimento é outro valor-notícia. Isso fica claro durante as eleições, com os candidatos a presidente, ou como os jornalistas fazem

frente em hospitais quando um importante nome político ou artista está com problema de saúde.

Proximidade: Outro valor-notícia fundamental. Acidente de avião ou uma catástrofe natural certamente serão notícias, mas o lugar em que ela acontece determina o tamanho da cobertura que um veículo de comunicação irá fazer. Por exemplo, o desastre ambiental de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.

Relevância:valor-notícia identificado por Galtung e Ruge. É o valor-notícia que “responde à preocupação de informar o público dos acontecimentos que são importantes porque têm um impacto na vida das pessoas” (TRAQUINA, 2005, p. 80).

Novidade: ​O que há de novo interessa ao jornalismo, é a questão central das notícias.

Tempo: ​O tempo é um valor-notícia que pode ser usado de maneiras diferentes. Primeiro, é valor-notícia na forma de atualidade. Um acontecimento atual que já foi notícia pode ser considerado gancho para outro acontecimento ligado ao mesmo assunto. Segundo, a data específica pode servir como gancho e justificar a noticiabilidade de um fato que já foi notícia no passado, mas nesse mesmo dia. Um exemplo disso é o 11 de setembro de 2001, que todo ano é lembrado pela grandiosidade do que ocorreu.

Há ainda uma terceira forma: “devido ao seu impacto na comunidade jornalística, um assunto ganha noticiabilidade e permanece como assunto com valor-notícia durante um tempo mais dilatado” (TRAQUINA, 2005, p. 82).

Notabilidade: ​O que é tangível é mais facilmente noticiado do que o que é problemático.

Como o jornalista luta diariamente contra a tirania do tempo, o que é acontecimento de fato tem mais espaço. Um protesto em decorrência ao aumento do valor da passagem de ônibus é mais notícia do que a problemática que esse aumento causa.

Um dos registros de notabilidade é a quantidade de pessoas que um acontecimento envolve.

Quanto mais elevado for o número de pessoas envolvidas num desastre ou quanto mais elevada for a presença de “grandes nomes”, maior a notabilidade.

Outro registro é a inversão. “O homem que morde o cão, e não o cão que morde o homem.”

Há também o insólito, aquilo que é raro. Uma mulher que estuprou um homem; um corpo encontrado em uma lata de lixo; o ladrão que volta para entregar o carro roubado. A falha também é um registro de notabilidade. É tudo aquilo que acontece por defeito, por insuficiência normal ou regular. Um acidente da aviação, um incêndio de alguma fábrica.

Por último, o excesso/a escassez também é um registro de notabilidade. A falta de gasolina em maio, durante a greve dos caminhoneiros, é um exemplo claro de escassez.

Inesperado: Inesperado é tudo que irrompe e que surpreende a expectativa da comunidade jornalística. Um exemplo são os ataques ao World Trade Center, no 11 de setembro de 2001, que provocou caos em Nova Iorque e em todas as redações do mundo.

Conflito: Conflito é outro valor-notícia fundamental. É nele que está a violência física ou simbólica, isto é, a disputa verbal, ou, atualmente, virtual. Aqui cabe exemplificar as discussões entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso durante a votação do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Infração: Todo e qualquer caso de corrupção pública é noticiado por ser uma infração criminal e de valores morais da sociedade.

Escândalo: ​Uma das funções do jornalista é informar e vigiar as instituições democráticas.

Quando essas não funcionam como deveriam, acontecem os escândalos. Este trabalho busca estudar um em especial: o ​Fifagate​, escândalo em que se descobriu que ex-presidente e presidente da CBF estavam envolvidos com corrupção e compra de votos. Mais à frente, falaremos especificamente sobre este caso.

Etimologicamente, a palavra escândalo deriva do grego ​skándalon para designar obstáculo, armadilha, ocasião de tropeço (PRIOR, 2016, p. 35). No campo da sociologia, “o escândalo pode ser interpretado como um ‘assassinato espiritual’, uma provocação societal, uma derrogação intencional de valores reconhecidos e comungados pelos indivíduos”

(PRIOR, 2016, p. 37).

Ao conceito é inerente uma relação entre seres, uma relação ontológica entre aquele que escandaliza, aquele que ofende valores socialmente instituídos e aquele ou aqueles que se escandalizam e que, por isso mesmo, reconhecem os valores transgredidos. Daí que, de um modo geral, o escândalo implique a transgressão de certos códigos, normas ou valores partilhados e aceites por uma ‘colectividade de pessoas’. (PRIOR, 2016, p. 37)

Outro pesquisador, o sociólogo americano John Thompson define escândalo como

“ações ou acontecimentos que implicam certos tipos de transgressões que se tornam conhecidos de outros e que são suficientemente sérios para provocar uma resposta pública”

(THOMPSON, 2002, p. 40). Segundo o autor, o acontecimento possui cinco características básicas:

1) O aspecto mais óbvio é que escândalos implicam ações ou acontecimentos que transgridem ou vão contra determinados valores ou códigos morais. É importante lembrar que “valores e normas possuem diferentes graus do que poderíamos chamar de ​sensibilidade ao escândalo​, dependendo do contexto sócio-histórico e do clima geral, moral e cultural, do tempo, e dependendo do quanto esses valores e normas significam para indivíduos ou grupos particulares” (THOMPSON, 2002, p. 41); logo, uma transgressão pode ser escândalo no Brasil, mas ser ‘normal’ no Oriente Médio.

Apesar disso, Anthony King, no livro ​Sex, Money and Power​, diz que as transgressões que envolvem sexo, dinheiro e poder normalmente acabam em escândalos (idem).

Também, vale ressaltar que quanto maior a visibilidade dos envolvidos, maior a chance de se tornar um escândalo;

2) A segunda característica básica do escândalo é que as ações necessitam de certo grau de ocultação ou segredo, mas que se tornem conhecidos de ‘não-participantes’. A corrupção ou o suborno podem existir, mas só se tornam um escândalo quando são conhecidos pelo público. Thompson (2002, p. 45) diz que escândalos são, muitas vezes, caracterizados por um​drama de ocultação e revelação ​; um exemplo claro disso é a traição, que se torna um escândalo midiático quando há pessoas famosas ou políticos envolvidos;

3) Além do conhecimento de não participantes, um acontecimento só se torna um escândalo se houver certo grau de desaprovação pública. Após um escândalo e durante uma crise, é fundamental acompanhar as respostas do público nas redes sociais e as manifestações​ offline​, como protestos, xingamentos em frente a sede, etc.

4) Mas não basta que algumas pessoas repudiem a ação ou o acontecimento; essa desaprovação deve ser expressa a outros. “Se não houver não-participantes suficientemente interessados em, ou preocupados com a transgressão, para expressarem sua inquietação a outros, então um escândalo não aparecerá”

(THOMPSON, 2002, p. 47). J.L. Austin, no livro ​How to do things with words ​, diz que as respostas dos não-participantes exerce um ‘papel performativo’, pois essas são parte integrante do escândalo; “em síntese: se não houver respostas, não haverá escândalo” (idem);

5) A última característica básica de um escândalo diz respeito a reputação dos indivíduos participantes. Pensando nos outros quatro aspectos, um escândalo seria a revelação de atividades até então encobertas que transgridam determinados valores e cuja revelação provoca desaprovação do público, o que pode vir a prejudicar seriamente a reputação dos indivíduos envolvidos. Thompson (2002) chama atenção para o emprego da palavra ‘pode’: “o prejuízo ou perda de reputação não é uma característica necessária, nem uma consequência inevitável do escândalo” (THOMPSON, 2002, p. 49), mas um risco sempre presente quando um escândalo surge e se torna público. Alguns escândalos, como o ​Fifagate​, objeto de estudo desse trabalho, resultam em processos criminais, perdas de cargos e fins de carreiras, respingando na reputação das pessoas e das instituições envolvidas.

O escândalo não é novo no jornalismo. Todavia, o “desenvolvimento das sociedades modernas, a natureza, o tamanho e as consequências dos escândalos mudaram sob determinados aspectos” (THOMPSON, 2002, p. 59). O autor diz que a principal razão de mutação dos escândalos nas sociedades modernas é a relação estabelecida entre estes e as formas midiáticas de comunicação que caracterizam essa organização social (idem). As empresas jornalísticas têm grande interesse nos escândalos, visto que são empreendimentos comerciais estabelecidos na lógica capitalista e que escândalos trazem grande retorno financeiro pois aumentam as vendas.

Neste contexto, a publicação de revelações e alegações escandalosas (ou potencialmente escandalosas) pode ser vista como possuindo interesse econômico: os escândalos fornecem histórias cheias de vida, provocativas que podem ser usadas para chamar atenção dos leitores e mantê-los presos enquanto o enredo se desenrola dia a dia, semana a semana. (THOMPSON, 2002, p. 109)

Além do aspecto econômico, a tribo jornalística também tem grande interesse nos escândalos tendo em vista o papel da classe na sociedade. Pode-se destacar duas a partir da conexão com a cobertura de escândalos: jornalista como “cão de guarda” (watchdog) – vigia contra o abuso do poder por parte do Estado - e jornalista como “Quarto Poder” – aliado da democracia. No próximo subcapítulo, vamos abordar essas funções do jornalismo e seu papel social.

Muitos foram os escândalos noticiados pelos veículos de jornalismo durante a história do mundo, mas foi na década de 1970 que o valor-notícia fez sua morada. Especificamente

em 1972, ficou conhecido o chamado ​Watergate​, para muitos o maior escândalo da história, que levou à renúncia do então presidente dos Estados Unidos Richard Nixon.

Entre 16 de junho de 1972 e 8 de agosto de 1974, data da renúncia de Nixon, o Watergate foi assunto dos principais veículos de comunicação dos Estados Unidos e do mundo. O escândalo teve consequências significativas nas formas de exercício do poder político nos Estados Unidos e na orientação política dos meios de comunicação do país.

No Brasil, houve ocorrência de diversos escândalos envolvendo corrupção no campo político nas últimas décadas, mas alguns importantes marcaram a história. Em 1954, uma série de denúncias de corrupção e abuso de poder feitas pelo opositor Carlos Lacerda levaram

Este estudo busca analisar especialmente um escândalo envolvendo o futebol brasileiro, o ​Fifagate​, que será abordado mais à frente. Todavia, outros três casos envolvendo 21 a CBF e seus dirigentes, a partir de 1989, marcaram a história da instituição e foram pauta nos principais veículos de comunicação do país. Os casos escolhidos foram baseados em uma reportagem da revista Exame, publicada em 2016. 22

De forma cronológica, um dos primeiros escândalos envolvendo a CBF foi em 1999.

Na época, ficou conhecido um contrato entre a confederação e a ​Nike​, empresa de material esportivo, no qual a marca tinha controle sobre o calendário das partidas da seleção brasileira e especulou-se que obrigava alguns jogadores a serem convocados. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados foi aberta para investigar o caso em

21Casos citados na matéria da revista Exame disponível em:

<https://exame.abril.com.br/brasil/pior-que-o-7x1-os-escandalos-que-a-cbf-ja-esteve-envolvida/> Acesso em 20 de abril de 2019

22Casos citados na matéria da revista Exame disponível em:

<https://exame.abril.com.br/brasil/pior-que-o-7x1-os-escandalos-que-a-cbf-ja-esteve-envolvida/> Acesso em 20 de abril de 2019

que o então presidente da CBF Ricardo Teixeira precisou depor para explicar as irregularidades. No fim, não houve parecer conclusivo.

Em 2008, Brasil e Portugal realizaram um amistoso em Brasília para a reinauguração do estádio Bezerrão . A seleção nacional venceu por 6 a 2. A partida foi organizada pela23 empresa ​Ailanto Marketing e custou R$ 9 milhões para o governo do Distrito Federal.

Investigações da Polícia Civil revelaram que a empresa surgiu pouco mais de um mês antes do amistoso. Além disso, a polícia descobriu cheques de uma das sócias da empresa, Vanessa Precht, à Ricardo Teixeira, pelo arrendamento de uma fazenda em Piraí (RJ). Os pagamentos mensais de R$ 10 mil de Vanessa para Teixeira começaram quatro meses depois do amistoso.

A conclusão das investigações foi de que houve desvio de mais de R$11 milhões do governo do Distrito Federal. A secretaria de Transparência e Gestão do estado, que investigou o desvio, concluiu que ex-governador José Roberto Arruda, o então secretário de Esportes, Pastor Agnaldo Silva, e Vanessa Almeida, sócia da Ailanto foram os responsáveis.

A Copa do Mundo de Futebol de 2014, que aconteceu no Brasil, também foi alvo de escândalo. Em 2010, ​ o jornalista britânico ​Andrew Jennings​, da BBC Britânica, acusou o ex-presidente da Fifa, João Havelange , e Ricardo Teixeira de terem recebido 9,5 milhões de 24 dólares em propinas da empresa de marketing ​Internacional Sport and Leisure (ISL) para conceder contratos de exclusividade em transmissões e patrocínios da Copa do Mundo. Os pagamentos foram feitos através de uma empresa chamada ​Sanud​, de Lichenstein, na Suiça. O dinheiro foi enviado para o Brasil em forma de empréstimo para as contas de Teixeira, que nunca pagou de volta. Em maio de 2011, o jornalista afirmou que o dirigente brasileiro teria sido condenado pela Justiça suíça a devolver o dinheiro da propina. No entanto, Ricardo Teixeira negou as acusações e processou o jornalista da BBC na justiça brasileira.

23O Estádio Valmir Campelo Bezerra, mais conhecido como Bezerrão é um estádio de futebol brasileiro, situado em Gama, no Distrito Federal.

24João Havelange foi um dirigente brasileiro. Foi presidente da FIFA de 1974 até 1998, sendo o presidente com maior tempo de cargo. Quando deixou o cargo, foi eleito Presidente de Honra, cargo que ocupou até 2013, quando renunciou para escapar da punição por seu envolvimento em casos de corrupção.