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1 – O verdadeiro caráter do trabalho subordinado

No documento Uma releitura da subordinação (páginas 80-83)

Dispõe o artigo 2º da CLT:

“Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”

Analisando o texto legal, conseguimos auferir a estrutura jurídica que a lei deu ao trabalho subordinado. Mais do que analisarmos esse preceito à luz do que diz a legislação sobre o empregado, é importante que tomemos por base o que a CLT dispõe sobre o que é considerado empregador.

Muito se diz sobre a necessidade de atualização da legislação trabalhista. Isso porque, para alguns críticos, uma lei de 1943 não pode ter condições de dar conta de toda a complexidade das relações de trabalho no século XXI. Contudo, percebemos que boa parte dessa crítica – para não dizer a totalidade – é fundamentada em referenciais de desregulamentação e diminuição da proteção ao trabalhador .

Voltemos ao texto legal. Dois conceitos insculpidos no artigo acima transcrito são de fundamental importância para nosso estudo: “riscos da atividade econômica” e “dirige a prestação pessoal de serviço”. Os riscos da atividade econômica são, por excelência e definição, do empregador, da empresa. Muitas das formas de precarização do trabalho que foram objeto de nossa explanação anterior buscam justamente compartilhar com o trabalhador tais riscos, sendo exemplo claro disso a subcontratação, ou terceirização para fora.

Um trabalhador que atua através de uma Pessoa Jurídica – muitas vezes apenas acrescentando a terminação ME a seu próprio nome – sendo, todavia, verdadeiro empregado de uma outra empresa que toma seus serviços mas o trata como “parceiro” de negócios, está sujeito às mesmas intempéries do mercado que seu empregador, como se exercesse verdadeira atividade empresária.

O vínculo de emprego, para além de todas as garantias, proteções, e implicações sociais de cunho previdenciário, também, representa uma garantia de que, ao final do mês,

o salário do trabalhador lhe será pago, independentemente das condições favoráveis ou não dos mercados. Ainda que em nosso ordenamento não vigore – para quase a totalidade da doutrina e da jurisprudência – a proteção contra a dispensa arbitrária, não há como negarmos que o vínculo formal de emprego ainda representa uma garantia ao trabalhador.

Desse modo, é temerária a noção de compartilhamento dos riscos da atividade econômica, na medida em que o trabalhador empregado não é detentor dos meios de produção. Assim, da mesma forma com que ele não fica com os lucros – muita vezes exorbitantes – da atividade empresária, também não é razoável que ele arque com os prejuízos advindos de um momento econômico adverso sob pena de se criar um sacrífico sem qualquer contrapartida, o que não deve ser tolerado pelo direito.

O outro conceito citado, que se relaciona intimamente com nosso estudo é o da direção da prestação de serviços. Márcio Túlio Viana, analisando os aspectos históricos da subordinação do trabalho ao capital afirma:

“Mais tarde, o relógio se torna cronômetro, passando a servir não só para marcar entradas e saídas, mas para ditar ritmos e movimentos (…) Já agora, não bastava trabalhar para outro, seguindo os seus horários, usando as suas máquinas e obedecendo à disciplina geral; era preciso moldar o corpo às regras ditadas pela gerência, realidade que a CLT iria colher e traduzir na definição de empregador (é aquele que 'dirige' – art. 2º)”90

Já tratamos em momento anterior da questão da gerência científica nas relações de trabalho. E é justamente a isso que se refere o autor quando afirma que a CLT colheu e traduziu na expressão “dirige” a obediência “às regras ditadas pela gerência”. Se o empregador, escolhendo exercer atividade empresária, adota os procedimentos de organização do trabalho e da produção que se moldam melhor aos seus objetivos, impondo esses ritmos e rotinas de trabalho ao empregado, nada mais correto que ele seja enquadrado como empregador por “dirigir” a prestação de serviços.

Caso contrário, há sempre a possibilidade do empresário abandonar sua atividade e ir ativar-se como empregado de outrem. Quem atua na direção da prestação de serviços

90 VIANA, Marco Tulio. Trabalhadores Parassubordinados: Deslizando para Fora do Direito in RENAULT, Luiz Otávio Linhares (et al.). Parassubordinação: em homenagem ao Professor Màrcio

tem uma responsabilidade, que é a de propriamente organizar a realização do trabalho. Não é possível imputar ao trabalhador ainda mais esse ônus. O indivíduo que trabalha não tem qualquer liberdade na execução de seu trabalho, não possui qualquer condição material de ser igualado ao empregador, não pode arcar com os ônus do exercício da atividade empresária, até porque o trabalhador não a exerce.

Um exemplo – ainda que positivista – que ilustra muito bem o que estamos tratando é a vedação à concessão dos benefícios da justiça gratuita ao empregador. Para além do argumento meramente legal,91 que impede a concessão desse benefício à

reclamada, entendemos ser razoável esse entendimento a partir da noção de que se o empresário explora a força de trabalho alheia, ele já gozou de prerrogativas e condições que não podem o igualar ao trabalhador e, sendo assim, não seria justo que processualmente as duas partes tivessem os mesmos benefícios. Esse é apenas um exemplo, entre tantos outros poderiam ser fornecidos.

O trabalho subordinado é o trabalho explorado, e a exploração do trabalho, conforme já dissemos , é a essência do capitalismo. Ainda que se defenda o capitalismo, deve-se e admitir que a exploração do trabalho existe. Entendemos que a exploração do trabalho alheio não é algo positivo, contudo é plenamente possível que exista quem ache que é, desde que as defesas dos posicionamentos sejam feitas às claras, no espaço público e democrático da argumentação.

Dessa forma – firmes no entendimento de que o trabalho explorado representa uma das essências do capitalismo, por detrás de todas as possíveis aparências tomadas por essenciais que o próprio capitalismo produz e reproduz, e que o direito muitas vezes nada mais faz do que revestir de aparência complexa algumas essências óbvias da realidade social – podemos afirmar que o trabalho subordinado é o trabalho explorado, bem como que a subordinação jurídica é a exploração do trabalho pelo capital. É assim que propomos o entendimento da questão para melhor colocação do problema e seu devido enfrentamento.

91 Uma exegese do artigo 14 da lei 5584/70 que regula a matéria indica que como é usada a expressão “categoria profissional” apenas os reclamantes tem direito ao benefício da assistência judiciária gratuita. A lei 10537/02 que modificou o texto do artigo 790 da CLT trouxe novos contornos e argumentos para esse debate, contudo entendemos que essas modificações não alteram significativamente os termos da discussão.

No documento Uma releitura da subordinação (páginas 80-83)