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O viajante urbatecto: Taxandria ciberpunk.

No documento Eterno presente, o tempo na contemporaniedade (páginas 134-140)

4 Relação das Obras com a Contemporaneidade

4.2.2 O viajante urbatecto: Taxandria ciberpunk.

A desconfiança de Taxandria relativamente às tecnologias poderá ser, de algum modo, comparada com a suspeição relativa à oportunidade de controlo social legado pelas novas tecnologias no âmbito da temática ciberpunk139 (que à semelhança das obras em estudo se baseia na fantasia social e política). O ciberpunk e o mundo paralelo de Taxandria pensam o lado obscuro da tecnologia que, invariavelmente, conduz a sociedade (eminentemente caótica) à tirania de um estado totalizador. Fazendo com que Aimé, Aimé Pairel e os protagonistas das obras ciberpunk se vejam forçados a defrontar o sistema vigente.

O conceito de ciberespaço, criado por Wiliam Gibson140 também pode ser aplicado a Taxandria, enquanto alucinação social generalizada. As suas

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Subgénero literário da ficção cientifica, surgido nos anos 80, cujo nome deriva da junção de cibernética (que remete para a tecnologia de ponta) e punk (sinónimo de marginal social ou desajustado), o que resulta no binómio High tech, Low life. A literatura ciberpunk recorre, de um modo geral, a estilismos característicos da narrativa cinematográfica e televisiva.

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Na obra Neuromante, principal referência da trilogia cinematográfica Matrix. Em

Neuromante Gibson define ciberespaço da seguinte maneira: "Ciberespaço. Uma alucinação

consensual diariamente experimentada por biliões de operadores legítimos, em cada país, por crianças a quem são ensinados conceitos matemáticos... Uma representação gráfica de dados extraídos de bancos de cada computador do sistema humano. Complexidade impensável. Linhas de luz alinhadas no não-espaço da mente, clusters e constelações de dados. Como luzes da cidade, afastando-se..."

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raízes, os salões de jogos (espaços com máquinas de jogos de moedas), estão explícitas no filme Taxandria. No hotel onde o Príncipe Jan fica hospedado existe uma máquina de jogos, que atrai a atenção do jovem (fig 19). As personagens desse jogo são taxandrianos representados graficamente, nomeadamente “polícias” (sentados em cadeiras) que indiciam desde logo os seus tiques característicos.

A actividade criptográfica hacker (da qual falaremos mais à frente) também é, frequentemente, relacionada com o universo ciberpunk141. Tendo em conta que este movimento faz frente ao poder totalitarista do controlo das tecnologias de informação.

A metacidade, que cede espaço ao não-lugar, está inevitavelmente ligada à temática ciberpunk. A cidade ciberpunk combina alta tecnologia futurista com um crescimento urbano caótico não planeado tipicamente taxandriano. Uma entidade eminentemente negativa com um revestimento de parque temático.

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Actualmente várias comunidades sentem afinidade ou identificam-se com a literatura cyberpunk: Hackers, Crackers (Hackers malignos), Phreaks (Crackers especializados em telecomunicações), Netrunners (obcecados pela Internet), Cypherpunks (génios da criptografia que acreditam que as instituições governamentais invadem a privacidade das pessoas), Otakus (expressão japonesa para fanático usada no ocidente para designar fãs obcecados de anime, manga e jogos de computador violentos), Ravers (tecnodançarinos), Zippies (ciber-hippies), Transhumans (pretendem usar a tecnologia para aumentar as capacidades humanas, nomeadamente a longevidade) e Extropians (pretendem usar a tecnologia para derrotar a

entropia, tal como os Transhumans ambicionam ser Posthumans). Estas comunidades parecem

assegurar a continuidade do movimento ciberpunk, já que, na opinião de alguns autores, o ciberpunk, enquanto género literário, morreu ao ser absorvido e dissolvido na cultura contemporânea.

O espaço urbano ciberpunk, superpovoado e marcado por estruturas corporativas, é claustrofóbico e nocturno, iluminado essencialmente por néons

Fig. 19

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que sublinham uma reciclagem de objectos do passado, aos quais se junta a tecnologia de ponta. A cidade ciberpunk vive o espaço-tempo terminal.

Esta nova representação de espaço físico e do ciberespaço parece indicar uma desorientação relativa à compreensão da existência humana na contemporaneidade, onde as mudanças provocadas pela tecnologia foram demasiado aceleradas. E este estigma do aceleramento desenfreado da tecnologia é-nos dado no álbum “Memórias do Eterno Presente” como a causa da condição temporal de Taxandria.

Segundo Faetherstone e Burrows 142 existe uma influência mútua entre as teorias pós-modernas e a ficção científica ciberpunk. O ciberpunk é uma referência para estas teorias e estas fundamentam culturalmente e socialmente as obras de ficção científica contemporâneas. No relato ciberpunk encontramos uma ambiguidade em relação à época, que quase sempre nos remete para uma visão do futuro nostálgica e anti-tecnológica, como acontece no filme Taxandria (embora neste a posição anti-tecnológica seja extrema).

Nos anos 90 surgiu a revista hacker Mondo 2000. Um dos expoentes máximos da subcultura nascida do mundo ficcional do ciberespaço, a Mondo

2000 apregoa a ciber-revolução. Os seus artigos caem impreterivelmente na

temática “fronteira electrónica” e as suas entrevistas são quase sempre dirigidas a gurus do caminho tecnológico como Timothy Leary ou William Burroughs (intimamente ligados à cultura Beatnik dos anos 50 e 60). A revista parece dar seguimento à obra A noiva mecânica, o folclore do homem industrial de

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FEATHERSTONE, Mike; BURROWS, Roger – Cyberspace Cyberbodies cyberpunk. London, Sage,1996.

Marchall McLuhan embora não enverede por questões relacionadas com a crítica social. A Mondo 2000 celebra, acima de tudo, a fusão do sexo com a tele-tecnologia e afirma que o melhor sexo é o virtual.

O movimento ciberpunk reconhece e relata o enfraquecimento do espaço público, onde os laços sociais são muito fracos ou simplesmente já não existem, à semelhança do que, como vimos, Virilio pensa estar a acontecer actualmente. Na narrativa ciberpunk o indivíduo é “tecnologizado” e reprimido por essa tecnologia através do interface homem-máquina, via realidade virtual ou na representação de personagens em RPGs (role play games).

Podemos, então, considerar que o futuro próximo, distópico, típico do universo ciberpunk é coincidente, em quase tudo, com o passado próximo (Tlon) e o eterno presente de Taxandria. Desde o aparente desprendimento relativo à sexualidade e à reprodução (que em Taxandria está confinada ao Jardim das delícias) até ao questionamento do que é humano (por oposição ao ser simulacro [duplos taxandrianos, replicantes, ciborgues]). Mas, principalmente, pela possibilidade de existência de mundos paralelos e pela sátira político-social que desemboca, inevitavelmente, num tempo terminal.

Não deixa de ser interessante o facto da relação entre o amor e o medo da tecnologia, presente tanto em Taxandria como na temática ciberpunk (que origina narrativas simultaneamente anti-tecnológias e pró-tecnológicas), espelhar tão fielmente a diferença entre as linhas de investigação dos pensadores pós-modernos optimistas e pessimistas.

No documento Eterno presente, o tempo na contemporaniedade (páginas 134-140)