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Capítulo I - DIETA DE MORCEGOS EM ÁREAS VERDES URBANAS DE SERGIPE

2. Objetivos

Este estudo tem como objetivo ampliar o conhecimento sobre a dieta de morcegos, a partir da análise de amostras fecais, em áreas verdes urbanas na região metropolitana de Aracaju, em Sergipe, nordeste do Brasil, com o propósito de:

• Identificar os itens alimentares consumidos pelos morcegos nas áreas amostradas.

• Verificar se machos e fêmeas das espécies mais frequentes diferem na dieta.

• Avaliar a largura e sobreposição de nicho das espécies mais frequentes.

• Avaliar a influência da precipitação na dieta das espécies mais frequentes.

20 3. Hipóteses

H1: Machos e fêmeas da mesma espécie diferem quanto a composição e/ou frequência dos itens consumidos devido ao requerimento energético diferenciado.

H2: Os morcegos frugívoros terão alta sobreposição na dieta devido a menor riqueza de itens alimentares disponíveis em áreas verdes urbanas.

H3: A frutificação da vegetação tende a aumentar no período de maior precipitação, influenciando a composição da dieta dos morcegos.

4. Material e Métodos

4.1. Área de estudo

O estudo foi realizado em três áreas verdes urbanas localizadas na região metropolitana de Aracaju no estado de Sergipe, nordeste do Brasil, distantes entre si por pelo menos 2 km (Figura 1). Durante o período de amostragem (setembro de 2019 a agosto de 2020), a precipitação acumulada foi 1.506,2 mm, com temperaturas médias variando de 24,7°C a 29°C, e junho/2020 foi o mês com maior precipitação (Figura 2; INMET, 2021).

O sítio de amostragem no município de São Cristóvão está localizado dentro do campus da Universidade Federal de Sergipe (UFS: 10°55'39.28"S; 37°6'1.43"W) (Figura 1C). A vegetação do campus possui tanto espécies nativas (cerca de 66%) quanto exóticas. As famílias Anacardiaceae e Fabaceae são as mais abundantes e a composição da vegetação é semelhante às vias públicas de Aracaju (GOMES et al., 2017). As espécies com maiores densidades no campus são Clitoria fairchildiana R. A. Howard (nativa), Azadirachta indica A. Juss. (exótica), Cocos nucifera L. (exótica), Anacardium occidentale L. (nativa) e Mangifera indica L.

(exótica) (GOMES et al., 2017). A área amostrada possui perímetro de aproximadamente 745 metros (1 ha) e está localizada ao lado da pista de atletismo, possuindo vias públicas bem iluminadas nas proximidades (Figura 3A). No entorno da UFS há um fragmento de Mata Atlântica localizado nas margens do Rio Poxim, com baixa heterogeneidade florística e histórico de perturbações antrópicas, refletindo no domínio de espécies pioneiras como Cecropia pachystachya Trec. (SANTOS et al., 2007).

21 Figura 1. Mapa do Brasil com o estado de Sergipe em destaque (A); Indicação dos municípios de São Cristóvão e Aracaju, em Sergipe, e os sítios de amostragem (B); Destaque para os três sítios amostrados (C).

Figura 2. Variação da precipitação (mm) e temperatura média (°C) em Aracaju entre setembro/2019 e agosto/2020. As barras azuis representam a precipitação nos meses de coleta e as barras cinzas nos meses sem coleta.

22 Em Aracaju, um dos sítios está localizado dentro da propriedade da Secretaria de Estado da Fazenda de Sergipe (Sefaz: 10°54'38,8"S; 37°05'27,9"W) (Figura 1C), cujo perímetro da vegetação tem aproximadamente 650 m (1,43 ha; Figura 3B), sendo composta por espécies nativas como jenipapeiro (Genipa americana L.) e exóticas como a mangueira (M. indica) e jamelão (Syzygium jambolanum Lam.). O sub-bosque é principalmente composto por cipós/lianas e a serapilheira é mais densa. Adjacente a área de mata há uma plantação de bananeira (Musa sp.) e um campo de futebol. A área é parcialmente margeada por vias públicas iluminadas e construções, sendo observada a presença de lixo doméstico no local.

Figura 3. Visão da borda e aérea dos três sítios de amostragem: A - Universidade Federal de Sergipe (UFS), B - Secretaria do Estado da Fazenda de Sergipe (SEFAZ) e C - Vila Militar para Oficiais do Exército (Vila). Fonte: Imagens aéreas retiradas do Google Earth (2020).

23 O terceiro sítio está dentro da propriedade da Vila Militar dos Oficiais do Exército (Vila:

10°55'34,61"S; 37°3'42.02"W) (Figura 1C), em Aracaju, com um perímetro da vegetação aproximado de 500 m (1,42 ha). Destaca-se a dominância de amendoeiras (Terminalia catappa L.), o sub-bosque é esparso e a serapilheira é bastante densa. A área tem em seu entorno vias públicas e residências com iluminação artificial (Figura 3C) e também foi observada a presença de lixo doméstico e entulho de construções em seu interior.

Em relação a arborização de praças e vias públicas de Aracaju, as espécies Terminalia cattapa, Pithecellobium glaziovii Benth. e Ficus spp. costumam ser mais frequentes (LIMA NETO; MELO E SOUZA, 2009; SANTOS et al., 2015). Esta arborização urbana é composta por, aproximadamente, 60% de espécies exóticas e 40% de espécies nativas (SANTOS et al., 2015; SOUZA et al., 2011).

4.2. Coleta de dados

As campanhas iniciaram em setembro de 2019 e finalizaram em agosto de 2020, sendo realizadas bimestralmente de setembro/19 a janeiro/20 e mensalmente de junho a agosto de 2020, durante duas noites consecutivas em cada área por campanha. Essa alteração na regularidade das campanhas ocorreu devido o início da quarentena em decorrência da pandemia da COVID-19 em março de 2020. As atividades de campo foram paralisadas nesse mês, sendo possível o retorno apenas em junho de 2020, exceto para a área da Vila, cuja amostragem só foi realizada nas três primeiras campanhas. As demais foram amostradas em seis ocasiões.

Foram utilizadas 10 redes de neblina (tipo “mist-nets” de 9 m x 3 m, malha de 20 mm) dispostas a partir de meio metro acima do solo em cada área de estudo, permanecendo abertas das 18:00 h até 24:00 h. As redes foram revisadas a cada 30 minutos e os animais capturados colocados em sacos de algodão e levados para triagem. Para cada indivíduo capturado foi identificado o sexo e medidas corporais foram aferidas em gramas (massa) e milímetros (comprimentos da cabeça-corpo, antebraço e da cauda) com auxílio de uma Pesola e régua milimetrada, respectivamente. Estas medidas, juntamente com características externas, foram utilizadas na identificação dos animais com o auxílio de chaves específicas para o grupo (DÍAZ et al., 2016; PERACCHI; LIMA, 2017; REIS et al., 2013).

Para a coleta das amostras de fezes, os animais foram deixados por aproximadamente 30 minutos nos sacos de algodão, tempo normalmente necessário para que o animal defeque (DINERSTEIN, 1986; MORRISON, 1980). As amostras foram armazenadas em tubos do tipo eppendorf, etiquetadas e conservadas em álcool 70%. Posteriormente, os indivíduos foram marcados com anilhas metálicas numeradas e soltos no local da captura. Em laboratório, o

24 material coletado foi triado em lupa estereomicroscópica (Bell, modelo SZT) e separado em material vegetal (sementes, flor e folha) e insetos. As categorias foram identificadas no menor nível taxonômico possível com o auxílio de bibliografia específica para sementes (LOBOVA;

GEISELMAN; MORU, 2009; LORENZI, 2016a, b) e insetos (TRIPLEHORN; JOHNSON, 2011). Na categoria “flor” foram agrupados flores e fragmentos florais, como antera, encontrados nas amostras. As partes de insetos não identificadas, como asa e antena, foram incluídas na categoria “Insetos n id”. As campanhas foram realizadas como autorizado pela licença do SISBIO nº 71378-1.

4.3. Análise dos dados

Os dados obtidos nas campanhas realizadas nas três áreas foram agrupados por espécie.

A análise da composição da dieta foi realizada a partir da frequência de ocorrência (F.O.%) dos itens encontrados nas amostras fecais. As espécies foram consideradas mais frequentes as que apresentaram amostras fecais em, pelo menos, 66% das campanhas.

A normalidade desses dados foi testada com o teste de Shapiro-Wilk. Para avaliar diferenças na F.O.% dos itens na composição da dieta entre machos e fêmeas das espécies mais frequentes foi utilizado o teste G. As análises foram realizadas no programa BioEstat 5.3, com um nível de significância de 5% (AYRES et al., 2007).

Para as espécies mais frequentes, a largura de nicho trófico (B) foi determinada através do inverso do índice de Simpson, considerando-se pi como a proporção do recurso i utilizada por determinada espécie. O valor de B varia de 1 (mais especialista) a n (mais generalista) (KREBS, 2014).

A sobreposição na dieta (Ø) entre essas espécies foi analisada através do índice de Pianka, onde pij é a proporção do recurso i utilizado pela espécie j; pik é a proporção do recurso i utilizado pela espécie k e n é o número total de recursos. O valor de Øjk varia de 0 (menor sobreposição) à 1 (maior sobreposição) (KREBS, 2014). A amplitude e sobreposição de nicho trófico foram calculadas com o pacote “spaa” (ZHANG, 2016) no programa R (R Core Team, 2021).

25 Para avaliar a influência da precipitação na dieta das espécies mais frequentes, foi realizada uma regressão logística simples utilizando-se uma matriz de presença e ausência para cada item alimentar e a precipitação de cada mês de campanha, obtidos através do INMET (2021), no programa BioEstat 5.3, com nível de significância de 5% (AYRES et al., 2007).

5. Resultados

Foram realizadas 472 capturas, dos quais foram analisadas 142 amostras de fezes de 10 espécies: Artibeus lituratus (Olfers, 1818; N=38), Artibeus obscurus (Schinz, 1821; N=8), Artibeus planirostris (Spix, 1823; N=23), Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758; N=12), Molossus molossus (Pallas, 1766; N=1), Myotis lavali (Moratelli, Peracchi, Dias & Oliveira, 2011; N=5), Phyllostomus discolor Wagner, 1843 (N=16), Phyllostomus hastatus (Pallas, 1767;

N=1), Platyrrhinus lineatus (E. Geoffroy, 1810; N=22) e Sturnira lilium (E. Geoffroy, 1810;

N=16).

As espécies com amostras fecais mais frequentes foram A. lituratus (100%), A planirostris (83,3%), C. perspiscillata (66,6%), P. lineatus (100%), P. discolor (83,3%) e S.

lilium. (83,3%). Foram identificados 19 itens na dieta dos morcegos, sendo 15 correspondentes a componentes vegetais (frutos, flor e folha) e quatro referentes às ordens de Insecta (Tabela 1). Todas as sementes de frutos identificadas até o nível de espécie correspondem a plantas nativas (Figura 4). Todos os registros de Hymenoptera correspondem à representantes da família Formicidae.

Artibeus lituratus consumiu 11 itens, sendo C. pachystachya o mais frequente (21,1%).

Essa espécie também consumiu oito itens vegetais, como Ficus sp1 (10,5%), Philodendron acutatum Schott (7,9%), flores e folhas; além de insetos das ordens Hymenoptera e Hemiptera (2,6% cada) (Tabela 1). Formicidae foi mais frequente nas amostras fecais de Artibeus obscurus (25%), que também consumiu os itens vegetais C. pachystachya, Ficus sp1, Ficus sp2 e flor (12,5% cada). Artibeus planirostris e Carollia perspicillata consumiram apenas itens vegetais, com C. pachystachya sendo mais frequente para a primeira espécie (43,5%) e Piper sp1 (33,3%) para a segunda (Tabela 1).

Para três espécies houve o consumo apenas de insetos: Molossus molossus, Myotis lavali e Phyllostomus hastatus. Hemiptera e Lepidoptera foram consumidos por M. molossus, Hymenoptera para P. hastatus, enquanto Coleoptera e Lepidoptera (60% cada) foram mais frequentes para M. lavali (Tabela 1). Para Phyllostomus discolor, o item mais frequente foi Hemiptera (37,5%), seguido de Formicidae e Coleoptera (ambos 12,5%). Foi registrado o consumo também de C. pachystachya e Solanum caavurana Vell. (ambas 6,3%) (Tabela 1).

26 Tabela 1. Dieta das espécies de morcegos registradas em áreas verdes urbanas de Sergipe, nordeste do Brasil. Os valores estão em porcentagem (F.O.%) e entre parênteses a quantidade de amostras fecais de cada espécie.

Artibeus

27 Platyrrhinus lineatus e Sturnira lilium consumiram apenas itens vegetais, sendo C.

pachystachya (31,8%) e Cecropia sp.1 (31,8%) mais frequentes para a primeira espécie e Solanum paniculatum L. (25%) e S. caavurana (18,8%) para a segunda. Em P. lineatus, o item folha (13,6%) se mostrou mais frequente que nas demais espécies (Tabela 1).

Figura 4. Itens alimentares encontrados nas amostras fecais dos morcegos em áreas verdes urbanas de Sergipe, nordeste do Brasil. a. Cecropia pachystchya; b. Cecropia sp1; c. Ficus sp.2;

d. Ficus sp.1; e. Solanum caavurana; f. Solanum stipulaceum; g. Solanum paniculatum; h.

Passiflora silvestris; i. Philodendron acutatum; j. Piper sp.1; k. Piper sp.2; l. Vismia guianensis; m. Semente sp.1, n. Élitro; o. Botão floral.

Para todas as espécies mais frequentes, machos e fêmeas diferiram no consumo dos itens alimentares (p ≤ 0,0012). Artibeus lituratus exibiu diferença nos itens vegetais, com fêmeas apresentando mais itens na dieta do que os machos (Tabela 2). Fêmeas de A. planirostris apresentaram mais itens e uma maior proporção de C. pachystachya (52,9%) em sua dieta

28 (Tabela 2). Machos de C. perspicillata tiveram itens a mais na sua dieta enquanto fêmeas apresentaram uma maior frequência de Piper na dieta. Machos de P. discolor apresentaram Hymenoptera (Formicidae) na sua dieta e fêmeas não (Tabela 2). Fêmeas de P. lineatus tiveram mais itens na dieta, com registros de Solanum stipulaceum Roem & Schult e S. paniculatum.

Fêmeas de S. lilium apresentaram menor riqueza de itens na dieta que os machos, porém apresentaram maior consumo de S. paniculatum e S. caavurana (Tabela 2).

Artibeus lituratus (B = 5,53), C. perspicillata (B = 4,16) e S. lilium (B = 3,58) se caracterizaram como as espécies mais generalistas enquanto P. discolor (B = 3,14), P. lineatus (B = 2,85) e A. planirostris (B = 2,88) as menos generalistas.

Artibeus lituratus e A. planirostris apresentaram a maior sobreposição de nicho (Øjk = 0,88), relacionada ao consumo de C. pachystachya e as espécies de Ficus. A sobreposição entre A. planirostris e P. lineatus (Øjk = 0,72) esteve associada ao consumo de Cecropia e entre A.

lituratus e P. lineatus (Øjk = 0,59) com C. pachystchya mais frequente nas amostras (Tabelas 1 e 3).

A influência da precipitação na dieta só foi observada em P. lineatus para frutos de C.

pachystachya (p = 0,033), com um consumo maior no período de maior precipitação. Nesses meses (junho e agosto de 2020), esse foi o único item encontrado nas amostras fecais dessa espécie.

29 Tabela 2. Dieta de machos e fêmeas das espécies de morcegos mais frequentes nas áreas verdes urbanas de Sergipe, nordeste do Brasil. Os valores estão em porcentagem (F.O.%) e entre parênteses a quantidade de amostras fecais de cada espécie.

Artibeus lituratus Artibeus planirostris Carollia perspicillata Phyllostomus discolor Platyrrhinus lineatus Sturnira lilium

♀ (21) ♂ (17) ♀ (17) ♂ (6) ♀ (6) ♂ (6) ♀ (8) ♂ (8) ♀ (13) ♂ (9) ♀ (8) ♂ (8)

Cecropia pachystachya 19,0 23,5 52,9 16,7 - - 12,5 - 30,8 33,3 - 12,5

Cecropia sp1 - - 5,9 - - - - - 23,1 44,4 - -

Solanum paniculatum 4,8 5,9 - - - 16,7 - - 7,7 - 37,5 12,5

Solanum caavurana - - - - - - - 12,5 - - 25 12,5

Solanum stipulaceum - - - - - - - - 7,7 - - -

Piper sp1 - - - - 50,0 16,7 - - - - - 12,5

Piper sp2 - - - - 33,3 - - - - - - 12,5

Passiflora silvestris 4,8 - - - - 16,7 - - - - - -

Philodendron acutatum 4,8 11,8 - - 16,7 - - - - - - -

Ficus sp1 9,5 11,8 11,8 - - - - - - - - -

Ficus sp2 9,5 - 5,9 16,7 - - - - - - - -

Vismia guianensis - - - - - 16,7 - - - - - -

Semente sp1 4,8 5,9 11,8 33,3 - - - - - 11,1 - -

Flor 4,8 - 5,9 16,7 - - - - - - - -

Folha 4,8 5,9 11,8 - - - - - 15,4 11,1 - -

Coleoptera - - - - - - 12,5 12,5 - - - -

Hymenoptera (Formicidae)

4,8 -

- -

- - - 25 - - - -

Hemiptera - 5,9 - - - - 37,5 37,5 - - - -

Insetos n id. - - - - - - 12,5 12,5 - - - -

30 Tabela 3. Sobreposição de nicho trófico entre as espécies mais frequentes de morcegos nas áreas verdes urbanas de Sergipe, nordeste do Brasil. *Maiores valores de sobreposição de nicho.

Artibeus espécies de morcegos registradas nesse estudo já foram relatadas em áreas verdes urbanas no Brasil (e.g. LEAL et al., 2019; NUNES; ROCHA; CORDEIRO-ESTRELA, 2017).

Os itens vegetais mais consumidos pelas espécies de morcegos na região metropolitana de Aracaju foram Cecropia, Ficus, Solanum e Piper, comumente relatados na dieta de espécies frugívoras tanto em áreas urbanizadas (e.g. ALMEIDA; MORO; ZANON, 2005; MARTINS;

TORRES; ANJOS, 2014; PEREIRA et al., 2019) quanto preservadas (e.g. AGUIAR;

MARINHO-FILHO, 2007; BÔLLA et al., 2018; GNOCCHI; HUBER; SRBEK-ARAUJO, 2019; SILVEIRA et al., 2011). A maior parte desses frutos é rica em carboidratos, alguns com maiores concentrações de lipídeos (e.g. Ficus inspida Willd) e proteínas (e.g. C. pachystachya) (BATISTA; REIS; REZENDE, 2017).

Esses gêneros de plantas abrangem espécies pioneiras que ajudam na recuperação de ambientes perturbados e estão presentes em áreas verdes urbanas (LOBOVA et al. 2003;

MIKICH et al., 2015; SHANAHAN et al. 2001). Espécies dispersoras de sementes nesses ambientes, como os morcegos, contribuem para a regeneração de habitats degradados e a manutenção da população de plantas (GELMI-CANDUSSO; HÄMÄLÄINEN, 2019; MIKICH et al., 2015; NUNES; ROCHA; CORDEIRO-ESTRELA, 2017).

Espécies de Ficus e Cecropia estão presentes na arborização da região metropolitana de Aracaju (LIMA NETO; MELO E SOUZA, 2009; SANTOS et al., 2015; SOUZA et al., 2011) e no Campus da UFS (GOMES et al., 2017), sendo Ficus spp. as mais frequentes nos levantamentos em praças dessa cidade (LIMA NETO; MELO E SOUZA, 2009; SOUZA et al., 2011). Espécies de Ficus apresentam variadas concentrações de nutrientes, como uma maior

31 concentração de carboidratos ou proteínas, ajudando a suprir os requerimentos energéticos dos morcegos durante a alimentação (WENDELN; RUNKLE; KALKO, 2000). Plantas deste gênero podem exibir um período de frutificação contínuo ao longo do ano (ALMEIDA; VIANI, 2020), o que as tornam uma fonte frequente de alimento para os animais, principalmente em períodos de menor frutificação das demais espécies de plantas (KALKO; HERRE; HANDLEY JR, 1996; SHANAHAN et al. 2001). Há uma maior abundância de árvores com frutos secos nas áreas urbanas de Aracaju (LIMA NETO; MELO E SOUZA, 2009; SANTOS et al., 2015;

SOUZA et al., 2011), podendo influenciar os morcegos a buscarem alimento em áreas mais ricas em frutos carnosos próximas a matriz urbana (SANTOS et al., 2007; GOMES et al. 2017).

Plantas de C. pachystachya podem ser encontradas frutificando durante todo o ano (ALMEIDA; VIANI, 2020), sendo comum em áreas perturbadas e atuando como espécies pioneiras (ZALAMEA et al., 2011). Estão presentes em diversas áreas verdes urbanas (SANTOS et al., 2007; SATO; PASSOS; NOGUEIRA, 2008), sendo encontradas na dieta dos morcegos nesse tipo de ambiente (e.g. NOVAES; NOBRE, 2009; SARTORE; REIS, 2013).

Além de carboidratos, possuem uma alta concentração de proteína nos seus frutos em comparação a outras espécies normalmente consumidas por esses animais (BATISTA; REIS;

REZENDE, 2017).

Nas áreas estudadas em Aracaju, Artibeus lituratus apresentou uma dieta frugívora generalista, como observado em outros estudos (e.g. ALMEIDA; MORO; ZANON, 2005;

BRUSCO; TOZATTO, 2009; PEREIRA et al., 2019; SARTORE; REIS, 2013), consumindo a maior variedade de frutos entre as espécies registradas. É uma espécie com ampla distribuição na região neotropical e comum em áreas preservadas (MUYLAERT et al., 2017) e nas cidades (NUNES; ROCHA; CORDEIRO-ESTRELA, 2017). Em áreas verdes urbanas há uma maior ocorrência de espécies exóticas e de frutos maiores na sua dieta do que em remanescentes naturais (LAURINDO; VIZENTIN-BUGONI, 2020). Devido ao seu maior porte corporal, consegue explorar uma grande diversidade de frutos, incluindo frutos pequenos e grandes, o que a torna mais adaptável aos recursos disponíveis tanto em áreas conservadas quanto na matriz urbana (LAURINDO; VIZENTIN-BUGONI, 2020). Tanto em áreas preservadas (LAURINDO; GREGORIN; TAVARES, 2017; LIMA et al., 2016; SILVEIRA et al., 2011) quanto urbanas (ALMEIDA; MORO; ZANON, 2005; BRUSCO; TOZATTO, 2009; PEREIRA et al., 2019; SARTORE; REIS, 2013), o consumo de Cecropia e Ficus spp. se destaca para essa espécie.

Artibeus planirostris também é um morcego de maior tamanho que pode ser encontrado com frequência em áreas de Mata Atlântica (HOLLIS 2005; MUYLAERT et al., 2017; LEAL et al., 2019). Sua dieta apresenta uma variedade de itens vegetais, com destaque para o consumo

32 de espécies de Cecropia e Ficus (MARTINS; TORRES; ANJOS, 2014), como também observado nas áreas verdes urbanas de Aracaju. Artibeus obscurus consumiu Ficus e Cecropia nesse estudo, itens normalmente relatados em sua dieta em outros locais (GNOCCHI; HUBER;

SRBEK-ARAUJO, 2019; LIMA et al., 2016). No geral, espécies de Artibeus costumam consumir frutos de diversas espécies vegetais (268 espécies), com maior frequência para Ficus e Cecropia (PAROLIN; BIANCONI; MIKICH, 2016), podendo complementar a sua dieta com insetos (INGALA et al., 2021; MUNIN; FISCHER; GONÇALVES, 2012).

Carollia perspicillata comumente aparece em inventários de espécies em áreas florestais de Mata Atlântica (MUYLAERT et al., 2017) e em áreas verdes urbanas (LEAL et al., 2019;

NUNES; ROCHA; CORDEIRO-ESTRELA, 2017). Consegue explorar cerca de 220 espécies de frutos ao longo de sua distribuição (PAROLIN; BIANCONI; MIKICH, 2016), entretanto frutos de Piper spp. geralmente são mais frequentes na sua dieta tanto nas áreas urbanas (MARTINS; TORRES; ANJOS, 2014) como preservadas (GNOCCHI; HUBER; SRBEK-ARAUJO, 2019; LIMA et al., 2016; MELLO et al., 2004a; MUNIN; FISCHER;

GONÇALVES, 2012; TORRES; ANJOS; FERREIRA, 2018). Em períodos de escassez desses frutos, pode completar a dieta com frutos mais disponíveis no ambiente, como Solanum spp.

(MELLO et al., 2004a). O consumo de Piper spp. nos meses mais chuvosos em Aracaju pode refletir a influência desse item na reprodução dessa espécie, como relatado por Mello et al.

(2004b), por ser uma fonte adequada de nitrogênio para a lactação (HERBST, 1986).

Platyrrhinus lineatus consumiu apenas itens de origem vegetal, semelhante a estudos realizados em outras áreas verdes urbanas (MARTINS; TORRES; ANJOS, 2014; SARTORE;

REIS, 2013; SILVESTRE et al., 2016). Normalmente se alimenta de frutos de Cecropia, Ficus, Solanum e Piper (MARTINS; TORRES; ANJOS, 2014; SARTORE; REIS, 2013; SILVEIRA et al., 2011; TORRES; ANJOS; FERREIRA, 2018), podendo incluir na dieta frutos de Arecaceae, Combretaceae e Fabaceae (SILVESTRE et al., 2016). A riqueza de itens na sua dieta pode variar de três a sete itens em áreas urbanas (SARTORE; REIS, 2013; SILVESTRE et al., 2016) e de quatro a 10 itens, incluindo insetos, em áreas mais conservadas (MUNIN;

FISCHER; GONÇALVES, 2012; SILVEIRA et al., 2011). No presente estudo, P. lineatus exibiu um maior consumo de Cecropia spp., itens também relatados para essa espécie no campus da UFS (SILVESTRE et al., 2016).

O consumo de folhas já foi observado em áreas urbanas para A. lituratus (NOVAES;

NOBRE, 2009; BOBROWIEC; CUNHA, 2010) e P. lineatus (AGUIAR, 2005; ROCHA et al., 2017) e para A. planirostris em área de caatinga (CORDERO-SCHMIDT et al., 2016). Em estudos com P. lineatus, relata-se o consumo preferencial de folhas de Solanum spp., podendo estar relacionado com a maior abundância dessas espécies no ambiente ou também a algum

33 nutriente (AGUIAR, 2005; ROCHA et al., 2017). A folivoria pode estar relacionada ao consumo de metabólitos secundários que controlam a infestação de parasitas (KUNZ;

INGALLS, 1994) e como forma de complementar a ingestão de água em ambientes mais secos (CORDERO-SCHMIDT et al., 2016).

PASSOS et al., 2003; SILVEIRA et al., 2011), como também observado nesse estudo. Apesar de Sturnira apresentar um consumo de uma grande variedade de frutos ao longo de sua distribuição (165 espécies), costuma ter alta frequência no consumo de Solanum spp.

(PAROLIN; BIANCONI; MIKICH, 2016).

Phyllostomus discolor é considerada uma espécie onívora, explorando frutos, insetos e néctar (KWIECINSKI, 2006) e a proporção em que consome esses itens costuma variar de acordo com o local de estudo (AGUIRRE et al., 2003; MUNIN; FISCHER; GONÇALVES, 2012). Em áreas de vegetação nativa com sazonalidade marcada, apresenta baixa frequência de sementes nas amostras fecais, com uma maior frequência de Lepidoptera, Hemiptera e pólen (MUNIN; FISCHER; GONÇALVES, 2012) ou apenas insetos em regiões mais secas (AGUIRRE et al., 2003). Nas áreas desse estudo apresentou uma dieta com maior presença de insetos, que correspondem à um recurso abundante em diversos habitats, principalmente Formicidae (REDFORD; DOREA, 1984), cujo consumo pode complementar a necessidade de ingestão de proteínas e minerais (REDFORD, DOREA, 1984; FINKE; OONINCX, 2014).

Apesar dos dados apontarem para um consumo preferencial de insetos nesse estudo, esta espécie normalmente costuma consumir mais itens de origem vegetal (MELLO et al., 2011;

OLIVEIRA et al., 2019).

Myotis lavali consumiu insetos das ordens Coleoptera, Lepidoptera e Hymenoptera.

Apesar do baixo número de amostras, esses itens também são encontrados com frequência na dieta da espécie congenérica M. nigricans (AGUIAR; ANTONINI, 2008; GNOCCHI;

HUBER; SRBEK-ARAUJO, 2019).

Insetos das ordens Coleoptera, Hemiptera, Lepidoptera e Hymenoptera são frequentemente usadas como fonte de alimento por morcegos insetívoros (AGUIAR;

ANTONINI, 2008; RAMÍREZ-CHAVES; MEJÍA-EGAS; ZAMBRANO-G, 2008) e os que ocasionalmente complementam sua dieta com esses animais (HERRERA et al., 2001; MUNIN;

FISCHER; GONÇALVES, 2012; ORR et al., 2016; RESENDE et al., 2019). Para espécies que

34 não são primariamente insetívoras, insetos servem como um complemento nutricional nas épocas de maior escassez de recursos e na ingestão de proteínas (HERRERA et al., 2001; ORR et al., 2016). Entretanto, para muitas espécies frugívoras, a seleção de determinados frutos com nutrientes, como nitrogênio, é suficiente para não haver a complementação de suas dietas com insetos (HERBST, 1986). A maioria dessas ordens de insetos é atraída pelas luzes artificiais nas áreas urbanas, servindo de estratégia alimentar por morcegos insetívoros (JUNG; KALKO, 2010) que se aproveitam da abundância de insetos pertos dessas luzes para forragear em áreas urbanas. Molossus e Myotis apresentam tolerância a urbanização e possuem alta atividade junto à iluminação artificial (JUNG; KALKO, 2010; JUNG; THRELFALL, 2018).

Fêmeas e machos das espécies de morcegos mais frequentes nesse estudo diferiram no consumo de itens vegetais, principalmente com fêmeas apresentando maior quantidade de itens do que machos (A. planirostris, C. perspicillata e S. lilum), bem como maior consumo desses itens. Esta diferença pode estar relacionada com a necessidade de ingerir variadas fontes de nutrientes para suprir as demandas energéticas (ALVIZ; PÉREZ-TORRES, 2020;

Fêmeas e machos das espécies de morcegos mais frequentes nesse estudo diferiram no consumo de itens vegetais, principalmente com fêmeas apresentando maior quantidade de itens do que machos (A. planirostris, C. perspicillata e S. lilum), bem como maior consumo desses itens. Esta diferença pode estar relacionada com a necessidade de ingerir variadas fontes de nutrientes para suprir as demandas energéticas (ALVIZ; PÉREZ-TORRES, 2020;

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