A prática do saber humano de dar nomes, de fazer conhecer os nomes dados, de conhecer pelos nomes é estudada pela Onomástica ou pela Onomatologia22 que é definida, por Vasconcelos em 188723, como sendo o ramo da Glotologia (palavra grega que significa estudo científico de uma língua) que se ocupa do estudo dos nomes próprios. Vale ressaltar que Vasconcelos entende por nome próprio não só o de batismo, registro ou crisma, mas o nome
completo (1931, p. 04), ou seja, aquele que vem acompanhado de sobrenome e, às vezes, de apelido e alcunha. Dessa forma, o filólogo subdivide a ciência dos nomes próprios em três subáreas:
Antroponímia ou estudo dos nomes individuais, com o dos sobrenomes e apelidos; Toponímia, ou estudo dos nomes de sítios, povoações, nações, e bem assim de rios, montes, vales, etc., – isto é, os nomes geográficos e; vários nomes próprios, isto é que não estão contidos nas duas classes precedentes (...). (VASCONCELO, 1931, p. 03). Para Lázaro Carreter (1990), a Onomástica é um ramo da Linguística que está dividido em duas partes: Toponímia ou Toponomástica e Antroponímia. Ele esclarece que a Toponímia ou Toponomástica é ramo da Onomástica destinado ao estudo dos nomes de lugar (p. 395)24.
Outro que se ocupa do estudo dos nomes próprios é Letelier (s/d). Ressalta ele que esse estudo pode ser feito tanto do ponto de vista filológico quanto jurídico. Para tanto, afirma que chamamos onomástica o sistema jurídico de denominações que seguimos em cada país
para designar as pessoas, seja por estabelecimento da lei ou do costume (p. 03).25 Já a Onomatologia, em âmbito mais abrangente, não é um sistema, mas a ciência que estuda suas
origens [a das denominações] etimológicas e as causas sociais de sua formação e de seu
desenvolvimento26.
Segundo Salazar-Quijada (198527, p. 09 apud SCHNEIDER, 2001, p. 441),
22 O vocábulo Glotologia é pouco usado, atualmente, em detrimento de Onomástica.
23 Data da primeira formulação, em língua portuguesa, da definição de Onomatologia ou Onomástica, informação
dada pelo próprio autor (1931, p. 03) que ressalta ter empregado a expressão pela primeira vez na primeira edição da Revista Lusitana em 1887.
24
rama de la Onomástica destinada al estudio de los nombres de lugar. Lázaro Carreter (1990, p. 395).
25 Se llama onomástica el sistema jurídico de denominaciones que se sigue en cada país para designar a las
personas, sea que lo haja establecido la ley o la costumbre. (LETELIER, s/d, p. 03).
26 la ciencia que estudia sus orígenes etimológicas y las causas sociales de su formación y su desenvolvimiento.
(LETELIER, s/d, p. 03).
27 SALAZAR-QUIJADA, Adolfo. La Toponimia en Venezuela. Caracas: Universidad Central de Venezuela –
ϯϵ
o mais antigo tesouro da linguística e de outras realidades que não prescreveram, encontra-se na toponímia. Os nomes de muitos acidentes geográficos, de todo o mundo provêm de épocas nas quais o homem não conhecia a escritura em nenhuma de suas formas. Estes nomes chegaram a nós por tradição oral.
Letelier destaca o caráter filológico e jurídico do estudo dos nomes; Salazar-Quijada, o etnolinguístico, e Lewandowsky (2000), por sua vez, salienta, em verbete de seu dicionário, tanto o caráter linguístico quanto o sincrônico e diacrônico, quando declara que a Onomástica vem do grego (a parte do dar nomes). Estudo dos nomes. Conjunto ou sistema dos nomes ou
nomes próprios como objeto de investigação linguística. Estudo (sincrônico ou diacrônico) dos nomes próprios (nomes de batismo, sobrenomes, patrônimos, vocativos ou apelido)
(LEWANDOWSKY, 2000, p. 245)28. Vale ressaltar que, para este teórico, a Onomástica, como sistema, é objeto de investigação da Linguística e que a Toponímia, como disciplina, é parte da Lexicologia, como podemos evidenciar na definição abaixo.
Toponímia, (do grego lugar; lugar, parte de lugar, região). O conjunto de denominações de lugares geográficos de uma região (montes, planaltos, vales, desertos, mares, enseadas etc.). Estudo dos nomes de lugares, disciplina que forma parte da Lexicologia. (LEWANDOWSKY, 2000, p. 359)29.
Notemos que esse raciocínio não é adotado por Dubois (1993), para quem a classificação, tanto da Onomástica quanto da Toponímia, é inversa à apresentada pelo lexicólogo Lewandowsky.
Onomástica é o ramo da Lexicologia que estuda a origem dos nomes próprios. Divide- se, às vezes, esse estudo em antroponímia (que diz respeito aos nomes próprios de pessoa) e toponímia (que diz respeito aos nomes de lugar). (p. 441). E, Toponímia é o ramo da Linguística que se ocupa da origem dos nomes de lugares, de suas relações com a língua do país, com as línguas de outros países ou com línguas desaparecidas (...). (DUBOIS, 1993, p. 590).
Dick (2007, p. 144), por sua vez, ao se referir à Onomástica, apresenta-a como sendo mais do que um mero fator auxiliar das ações e da vivência individual e coletiva, é indício de
rumos tomados pelos falantes ao longo dos períodos históricos, de comportamentos presentes no cotidiano e de atitudes morais ou operosas valorizadas pela população. No que tange à Toponímia, Dick (2007, p. 143) a situa como sendo um evento fenomenológico de múltiplas
28 (el corte de dar nombres). Estudio de los nombres. Conjunto o sistema de los nombres o nombres propios como
objeto de investigación linguística. Estudio (sincrónico o diacrónico) de los nombres propios (nombres de pila, apellidos, patronímicos, apelativos o motes). (LEWANDOWSKY, 2000, p. 245).
29Toponimia (del griego lugar; puesto, sitio, región) El conjunto de denominaciones de lugares geográficos de una
región (montes, mesetas, valles, desiertos, mares, enseadas, etc.).estudio de los nombres de lugares, disciplina que forma parte de la Lexicologia. (LEWANDOWSKY, 2000, p. 359).
ϰϬ
formas (ex: as taxes explicativas) e sistemas (ex: Sistema Toponímico Taxionômico). A pesquisadora acrescenta ainda que
em sua feição intrínseca, a Toponímia deve ser considerada como fato do sistema das línguas humanas. Tanto é assim que Ullmann já salientara haver o estudo dos nomes próprios se firmado recentemente, em uma quase autonomia da Linguística, vinculado a uma ciência maior, denominada Onomástica. (DICK, 1990, p. 36).
É com esse raciocínio que Dick (2006, p. 99) explica que a Onomástica atual assume um caráter descritivo, o que implica dizer que ela não afeta o conteúdo semântico, o etimológico ou mesmo o ideológico com suas ações, nem o aspecto histórico que lhe é subjacente.
Nieto Ballester (1997) não vincula a Toponímia a nenhuma área específica, destacando somente que ela é uma disciplina científica que vem do grego topos, lugar, onoma, nome. Segundo ele, a Toponímia pode ser definida como
o estudo da origem e significação dos nomes próprios de lugar, quer se trate de nomes próprios de núcleos de povoações (cidades, vilas, aldeias, etc.), quer de nomes de regiões, de montes, de lagos, de mares, etc. Como tal disciplina científica é, por sua vez, uma parte dos estudos mais gerais da onomástica, disciplina que pode ser definida, lato sensu, como o estudo da origem e significação dos nomes próprios, sejam estes antropônimos (...), topônimos, etnônimos (...). (NIETO BALLESTER, 1997, p. 11) 30.
Outra grande contribuição do estudioso acima citado diz respeito à valorização de elementos extralinguísticos para o estudo e a compreensão da Toponomástica, principalmente quando se trata de buscar a motivação etimológica do toponímico. Nesse caso, Nieto Ballester (2007, p.12-13) esclarece que
(...) o estudo toponomástico é uma investigação mais linguística, porém, combinada frequentemente com parcelas extralinguísticas (...). Contudo, ainda reconhecendo de antemão esta natureza essencialmente linguística dos estudos toponomásticos, convém sinalizar que frente ao estudo etimológico clássico seu objeto de estudo (...), que possui características próprias, faz com que a toponomástica, como ciência linguística, enfrente algumas dificuldades especiais (...) 31.
30 el estudio del origen y significación de los nombres proprios de lugar, ya se trate de nombres propios de núcleos
de población (ciudades, villas, aldeas, etc.) nombres de regiones, de montes, de lagos, de mares, etc. Como tal disciplina científica es, a su vez, una parte de los estudios generales de onomástica, disciplina ésta que puede ser definida más en general como el estudio del origen y significación de los nombres propios, ya sean éstos antropónimos (...), topónimos, etnônimos (...). (NIETO BALLESTER, 1997, p. 11).
31 (...) el estudio toponomástico es una investigación linguística más, pero combinada a menudo con parcelas
extralinguísticas (...). Con todo, aun reconociendo de antemano esta naturaleza esencialmente linguística de los estudios toponomásticos, conviene señalar que frente al estudio etimológico clásico su objeto de estudio (...), que posee características propias, hace también que la toponomástica, como ciencia linguística, se enfrente a unas dificultades especiales (...). (NIETO BALLLESTER, 2007, p. 12-13).
ϰϭ
Dick, por sua vez, acrescenta ainda que o onoma é definido nas ciências onomasiológicas não só pelas características já conhecidas, mas também porque incorpora, além de marcas fonéticas, traços causais, referenciais ou contextuais (informação já abordada, sob outra óptica por Nieto Ballester). Diante desse fato, a pesquisadora confirma que podemos dispensar um duplo tratamento ao onoma: tanto no plano interno (intra-código ou intra-
disciplinar) ou no externo (inter-código ou inter-disciplinar). (DICK, 2002a, p. 676). No primeiro plano, podemos compreender que trata da estrutura modeladora, das formas primitivas ou as dependentes, dos radicais e afixos, dos qualificadores e semas que formam o onoma. No segundo, ponto de vista externo ou do contexto extraverbal, temos o cruzamento de diferentes ciências, as quais permitem ampliar o campo conceitual da Toponímia, tornando-a aberta e ressaltando seu caráter dinâmico, ao estudar o mesmo corpo teórico: o nome de lugares.
Rostaing (1948, p. 05) afirma que a Toponímia se propôs a estudar o significado e a origem dos nomes de lugares, assim como suas transformações. Explica o estudioso francês que a ciência toponímica encontrou na França um campo de atividade extenso porque o país foi palco de encontro de várias etnias determinando com precisão a qual setor da população pertenciam os topônimos, e por consequência qual é o aporte de cada um dos povos que ocuparam o território, este, segundo o pesquisador, é o objetivo da Toponímia.
Finalmente, não podemos deixar de sinalizar que, por meio do estudo da Toponímia, não investigamos somente a significação dos nomes de lugares, uma vez que a Toponímia não é
só a história dos nomes próprios mais usuais em um idioma, pois contém, além disso, um singular interesse como documento das línguas primitivas, às vezes os únicos restos que de algumas delas nos remanescem (MENENDEZ PIDAL, 1952, p. 05) 32.
Assim, por centrar-se também na valorização dos aspectos etnológicos, linguísticos e históricos, podemos ampliar ainda mais a definição da Toponímia seguindo os preceitos de Dick (1990, p. 19), para quem o estudo da Toponímia é importante não só por esclarecer sobre a história dos nomes de lugares presentes em qualquer espaço físico, mas por refletir de perto a
vivência do homem, enquanto entidade individual e enquanto membro do grupo que o acolhe, o que significa reconhecer o papel desenvolvido pela Toponímia no ordenamento dos fatos
32 no es sólo la historia de los nombres propios más usuales en un idioma, pues encierra, además, un singular interés
como documento de las lenguas primitivas, a veces los únicos restos que de ellas nos quedan. (MENENDEZ PIDAL, 1952, p.05).
ϰϮ
cognitivos. Isso acontece porque, no estudo da Toponímia, vamos além da simples nomeação: podemos resgatar tanto o passado, já perdido na memória, quanto o presente, atuante no registro dos Topônimos.
Percebemos, de tudo que foi dito até agora, não haver um consenso dos estudiosos a respeito da vinculação da Onomástica e da Toponímia a uma área específica. Mesmo assim, de modo geral, todos concordam que a Onomástica e a Toponímia são, respectivamente, a ciência que trata do estudo dos nomes próprios e a parte dela que trata dos nomes de lugares ou nomes geográficos ou, ainda, mais precisamente, dos topônimos. Neste trabalho, adotamos as posições que relacionam a Toponímia com a Lexicologia, por entendermos ser o topônimo uma unidade do léxico que possui conteúdo semântico e referencial.