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Operacionalização e funcionamento do registro de notificação em casos de

A notificação compulsória dos casos de violência é uma importante contribuição no reconhecimento dos direitos das crianças e adolescentes, sendo um instrumento capaz de mobilizar a rede de proteção às crianças e adolescentes e de compor o sistema de informação, visando ao planejamento de políticas públicas para seu enfrentamento. A obrigatoriedade de notificação de suspeita e/ou confirmação de violência contra crianças e adolescentes pelos profissionais de saúde, amparada pelo princípio da proteção desse público, cabendo à família, sociedade ao Estado.

Os principais documentos que retratam a questão da violência também como uma questão de saúde pública, ECA(1990); o Plano Nacional de Enfretamento à violência sexual infanto-juvenil(2002); A Notificação de Maus-tratos contra crianças e adolescentes pelos profissionais de saúde (Portaria 1.969/2001), e a Politica Nacional de redução de acidentes e violência (2001).

A obrigatoriedade de notificação significa reconhecer que a violência doméstica é um problema de saúde pública, mas também das demais políticas sociais que atuam no enfrentamento a tal situação, representa uma resposta do Estado frente a importante forma de enfrentar às diversas formas de violência doméstica vivenciada por crianças e adolescentes.

Quando se abordou durante a pesquisa de campo o tema da notificação em casos de suspeita de violência doméstica, sendo perguntado se município dispõe de um modelo de notificação e registro/denúncia em casos de VD contra crianças e adolescentes. Os gestores (as), profissionais e conselheiros (as), reconhecem a importância da notificação e denúncia em casos de violência sofrida por crianças e adolescentes, mas divergem sobre o conhecimento de ficha de notificação nos diversos setores,

O munícipio dispõe apenas da ficha do SINAN, onde as unidades e profissionais de saúde podem usar para notificar a violência, em seguida as informações são passadas para vigilância epidemiológica que informa no sistema. O município tem uma unidade de referência em notificação pactuada, o hospital municipal, que funciona como referência, sendo utilizada a notificação compulsória em casos que os profissionais suspeitem e ou tenham confirmação de algum tipo de violência, seja com crianças ou adultos (Gestora da saúde- 03).

O CREAS elaborou uma ficha de notificação (grifo nosso) e apresentou em uma reunião com representantes da rede, no entanto somente o CREAS utiliza, foi enviado cópias para todos os setores, saúde, educação, conselho tutelar, conselho de direitos, então todos os setores receberam essa cópia, mas isso não vingou. Atualmente, apenas o CREAS utiliza e registra a denúncia e envia ao Conselho Tutelar utilizando a ficha de notificação criada por nós da equipe técnica. Eu sei que os Agentes de saúde usam outro formulário, mas é totalmente diferente do nosso, eles usam o dele, não adotaram o que foi apresentado, pois não houve um consenso

(Profissional 07).

Participei de uma reunião do Conselho municipal de saúde, e foi passado que existe um formulário, inclusive os Agentes de Saúde disseram que tem sim um formulário que utiliza, porém eu nunca recebi nenhum formulário desses, nenhum instrumental desse estilo. Pelo menos até aqui nunca chegou e a gente do CRAS não tem uma instrumental especifico (Profissional 02).

Não tem nenhuma ficha de notificação, que eu tenha conhecimento. O que a Secretaria Municipal de Educação orienta a escola e que ela encaminhe um relatório ao conselho tutelar, descrevendo a situação (Gestora- entrevistada02).

A representante da Secretaria Municipal de Educação é enfática em dizer que a secretaria não conhece nenhum tipo de ficha de notificação que o munícipio tenha adotado e divulgado nos setores públicos, mas orienta os professores da rede municipal em casos de suspeita de maus – tratos ou qualquer tipo de violência doméstica, comunicar ao Conselho Tutelar.

Sabemos que de acordo com a legislação, os casos de violência doméstica, de conhecimento dos profissionais de saúde e educação, devem ser notificados ao conselho tutelar. Estes são responsáveis em alimentar o SIPIA- Sistema de Informação para Infância e Adolescência, vinculado a SNDH- Secretaria Nacional dos Direitos Humanos da Presidência da República. Contudo, para que isso seja factível e necessária uma regularidade e uniformização na alimentação dos dados.

Quando um gestor afirma não ter conhecimento de uma ficha de notificação, nos remete a pensar em certos entraves que circulam no interior da rede de proteção social no âmbito municipal.

Segundo Vecina (2006,p.56),

Outros entraves referentes às questões de notificação poderiam ser expressos através de questões como: Será que os profissionais têm os conhecimentos necessários acerca do que é violência e do que é violência intrafamiliar para realizar a detecção de casos? E nas situações de suspeita, com quem estes profissionais contam? Uma

vez detectados os casos, será que tais profissionais se sentem seguros na realização desse tipo de intervenção? (VECINA, 2006, p.56).

Para Costa (2014), tanto os professores, orientadores educacionais e diretores das escolas têm o compromisso moral e ético em perceber comportamentos de seus alunos que podem ser expressões de maus-tratos e buscar alternativas que sejam efetivas para alterar a situação dessas crianças, trazendo assim a responsabilidade dos profissionais em denunciar/ notificarem casos de suspeita de violência doméstica. “Nosso não comprometimento com a violação de direitos da população infanto-juvenil nos torna cúmplices e fazendo parte do complô do silêncio que envolve a criança vitimada” (COSTA, 2014, p.59).

A conselheira municipal dos direitos da criança e adolescente entrevistada aponta para o desconhecimento de qualquer ficha de notificação sobre violência doméstica contra crianças e adolescentes no município.

A questão de conhecer a ficha, nós não conhecemos, mas eu creio que o CREAS deve ter uma. Um dia a psicóloga do CREAS estava falando da dificuldade do trabalho em rede, a falta de participação da saúde, educação (Entrevistada 08-

CMDCA).

No conjunto dos gestores (as), profissionais e conselheiros envolvidos no trato com a questão da violência doméstica contra crianças e adolescentes, fica evidenciado um certo desconhecimento da Ficha de Notificação de maus- tratos por parte de alguns atores da rede, ou até mesmo do uso correto na forma de notificação. Neste sentido, é possível inferir que a rede apresenta desarticulação no tocante a pactuação do uso de instrumentais padronizados.

A notificação compulsória da violência contra a criança e o adolescente estabelecida deve ser compreendida como um instrumento de garantia de direitos e de proteção social de crianças e adolescentes. A utilização de uma ficha única de notificação permite aos profissionais de saúde, assim como do campo da educação, da assistência social, dos Conselhos Tutelares, adotarem medidas de cuidado às vítimas da violência. Notificar implica em dividir e partilhar com os vários setores da sociedade a responsabilidade de proteger crianças e adolescentes.

As denúncias de violência descobrem o privado que se torna público na vida das famílias. Com relação às tensões da tradicional dicotomia público/privado, percebe-se que os conflitos interpessoais e as violências deles decorrentes são considerados pertencentes à

singularidade das pessoas. Logo, para grande parte dos agentes públicos, a denúncia dessas violências aparece como ato imprudente, por quebrar o imperativo moral que mantém separadas as esferas "público e privado". Há um movimento de privatização deste tipo de violência, o qual orienta pensamentos como: "ninguém deveria tomar conhecimento da violência praticada na intimidade da vida das pessoas", ou seja, nas entranhas da sociedade, no interior das famílias, a menos que sejam violências inequivocamente criminalizadas há muito tempo, tal qual o assassinato. Nesta linha de reflexão, é possível inferir que as políticas e ações voltadas às equipes destinadas ao atendimento e acompanhamento das crianças e adolescentes em situação de violência devem ser alicerçadas em atenção integral, ética e qualidade, com foco na resolutividade dos casos e no fortalecimento da autonomia das envolvidas.

4.2.4 CAPACITAÇÃO DOS ATORES QUE COMPÕEM A REDE DE PROTEÇÃO

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