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PARTE I — ASPECTOS POLÍTICO-SOCIAIS DA INFORMAÇÃO 1 O uso social da informação

3. Informação e esfera pública

3.2. Opinião pública

A formação da sociedade burguesa trouxe consigo o conceito de opinião pública, que vem passando por sucessivas reinterpretações desde então (HABERMAS, 1984). Através da análise da mutação do conceito, é possível perceber como acontece o que Habermas chama de decadência da dimensão pública, fato que, segundo ele, pode ser constatado nas duas concepções clássicas e antagônicas — liberalismo e socialismo. A partir da decadência da dimensão pública é possível perceber como se dá o desvirtuamento do princípio da publicidade e como isso interfere na orientação do fluxo de informação. Por isso, antes de apresentar como o declínio da esfera pública interfere na desfiguração do princípio da publicidade, é importante apresentar a trajetória do emprego do conceito de formação da opinião pública e a função que desempenha, pois é a abordagem desse conceito que influenciará a abordagem dada à aplicação do princípio da publicidade.

No século 18, os fisiocratas franceses tratam l’opinion publique como um produto da discussão pública esclarecida. A opinião pública para os franceses dessa época, diz

Habermas, “é o resultado esclarecido da reflexão conjunta e pública, sobre os fundamentos da ordem social” (p. 118). Na Inglaterra, o conceito de public spirit é tratado como uma instância que pode obrigar os legisladores à legitimação. Em ambos os casos, a opinião pública funciona como uma orientação para os legisladores ou mesmo para os déspotas esclarecidos e não implica em participação na esfera de decisão, prevalecendo ainda o princípio “auctoritas facit legem”. Vale reforçar que a opinião pública é formada na esfera pública restrita burguesa, entre os “homens pensantes”, entre aqueles que lêem, esclarece Habermas.

Para Rousseau, ainda segundo o autor, a opinião pública tem a tarefa de controle social, não necessariamente resultado de uma argumentação pública, mas como um censor que “vigia” a atuação do poder público. Na Alemanha, o conceito formulado por Foster e Wieland, também citados por Habermas, traz a opinião pública como um preceito exclusivo dos proprietários e que influencia a massa.

O autor prossegue listando as diferentes acepções do conceito de opinião pública ao longo da história da formação do pensamento político: Kant apresenta a opinião pública como mediadora entre a política e a moral, aproximando-se bastante da concepção clássica de controle social, mas se diferenciando dela ao enfatizar que a soberania popular só se concretiza através do uso público da razão. O conceito mantém a exclusão do público não- proprietário, que continua alijado da esfera pública burguesa. Esse conceito de mediação entre moral e política é rejeitado por Hegel e Marx (citados em Habermas). Segundo Hegel, “a opinião pública das pessoas privadas reunidas num público não conserva mais uma base para unidade e verdade: retorna ao nível de uma opinião subjetiva de muitos” (HABERMAS, 1984 p. 144). Segue a concepção de formação de uma opinião pelo público burguês pensante que é tomada como uma opinião geral, o que faz com que Karl Marx a critique como instrumento de dominação da classe proprietária. “Marx denuncia a opinião pública como falsa consciência: ela esconde de si mesma o seu verdadeiro caráter de máscara do interesse de classe burguês” (p. 149).

A mudança de função da esfera pública, acontece, para Marx, a partir das reformas eleitorais que acontecem na década de 30 do século 19 com o objetivo de ampliar o Estado de direito burguês, estendendo-o aos não proprietários através da possibilidade de disputa

política. Mas essas reformas não levaram, obrigatoriamente, à superação do objetivo proposto, em função da reação imediata da burguesia liberal que, para evitar mudanças estruturais, se apoiaram justamente na opinião pública. “A esfera pública ‘ampliada’ não levou fundamentalmente à superação daquela base, sobre a qual o público das pessoas privadas tinha inicialmente intencionado algo como uma soberania da opinião pública” (p. 155-156). A esfera pública torna-se, assim, um “campo de concorrência de interesses nas formas mais brutalizadas da discussão violenta” (p. 158). As leis são tratadas como formas de administrar interesses privados concorrentes. A partir do século 19, o tema principal é a ampliação da esfera pública e não mais o princípio da publicidade como um fim em si mesmo.

A opinião pública perde qualquer traço de força crítica e passa a ser tratada pelos liberais como coação à conformidade, abrindo o espaço para a criação do espírito tecnocrático de dominação. “A autotematização da opinião pública vai desaparecendo na mesma medida em que, com a prática do segredo dos gabinetes governamentais, escapa-lhe a finalidade polêmica, precisamente delimitada, e se torna a si mesma até certo ponto difusa” (p. 159). Stuart Mill e Tocqueville, principais teóricos do liberalismo do século 19, partem para uma interpretação reacionária do conceito de estado de direito burguês, como observa Habermas. Eles defendem a adoção de restrições e regulamentações da opinião pública — que se tornou uma força entre outras — para que não engolisse todo o poder como tal. E reforçam o que pode ser considerado o embrião da tecnocracia, defendendo que as decisões políticas sejam tomadas não por uma “multidão inculta”, mas por homens preparados para tal e que determinem a opinião pública. Sem poder conter a onda de ampliação da esfera pública, resta ao liberalismo oferecer novamente publicidade à própria opinião, mas com restrições para assegurar a influência. A disputa política é ampliada, mas a decisão e a formação da opinião pública permanecem restritas à esfera burguesa formada pelos proprietários. A adoção do segredo aponta para uma decadência da esfera pública, tanto na concepção socialista quanto liberal. De acordo com Habermas, à medida que o público se estende a esferas mais extensas da sociedade, ela começa a perder sua função política, qual seja, a de “submeter os fatos tornados públicos ao controle de um público crítico” (p. 167).

“Duas tendências perturbadoras: primeiro, uma conseqüente desconsideração ao direito individual à privacidade; e, segundo, uma tendência no sentido de publicidade a menos, com um conseqüente incremento de segredos em áreas ... consideradas públicas” (GOLDSCHIMIDT16, apud HABERMAS, 1984, p. 168 — nota de rodapé)