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As oposições Present Perfect vs Past Simple e Pretérito Perfecto vs Pretérito Indefinido Revisitadas.

Como vimos nas descrições acima, no que concerne à diferença básica entre os tempos aqui estudados, o Present Perfect e o Pretérito Perfecto têm a sua escolha feita a partir do foco do narrador. Essa eleição se deve, então, à ênfase maior que o narrador quer dar no momento da enunciação ao estado- resultante do evento acabado em um determinado momento anterior à enunciação. Essa ênfase é compatível com o discurso do falante, mais do que com os próprios marcadores muitas vezes, como vimos. Na escolha de ponto de vista, concorrem vários fatores pragmáticos, tais como quem fala, o que se fala, e para quem se fala. Apresentaremos abaixo trechos de textos autênticos extraídos

de blogs, filmes, jornais e revistas disponíveis no mercado, para podermos avaliar como esses tempos se comportam em uso fora da gramática.

(1.84) Attack of the zombie lady

I am fatigue girl. For the past two weeks, Ben has woken up at 3 most nights and stayed awake until 5. He's not unhappy ... but I stay awake and usually fall back to sleep sometime just before I have to get up. I've become one of those walking zombie people, the kind that I curse when I'm trying to get somewhere and they're sitting in their cars at green lights not moving ... If you see me on Tuesday with my head on my drool- covered desk, cover me with a blanket and let me sleep for a week, preferably with pay.

Observemos que, no texto acima, a autora narra o motivo de ela estar sem dormir nas últimas noites. Ela se autodenomina um zumbi e explica que seu filho acordou28 às 3 da manhã e ficou acordado até às 5 durante as duas últimas semanas. O “acordar” e o “ficar acordado” descrevem um evento iterativo e perfectivo, ou seja, repetiu-se no passado mas já está acabada. Como a maioria do texto está no presente, ela narra o motivo do seu cansaço usando o PP ao invés de usar o PS. A autora intitula o texto Zombie Lady (Garota Zumbi), e inicia o texto dizendo que é uma garota cansada, fatigue girl. A partir desse ponto de vista ou foco, ela narra como se sente e para contar uma situação passada que levou a esse estado presente, resultado de não ter dormido, ela emprega o PP. A expressão I’ve become one of those walking zombie people29, reitera o fatigue gir” e o título. A autora expressa, nessa sentença, que é uma pessoa que anda como um zumbi. Se perguntássemos por que ela elegeu o PP e não o PS, poderíamos

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Devido à iteratividade, o português admitiria o uso do pretérito perfeito composto, tem acordado, para dar ênfase a quantificação da ação no passado (Castilho, 2002). Além disso, a ação ainda está transcorrendo, vindo marcada pelo sintagma adverbial for the past two weeks.

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perceber que eles são coerentes com o foco que ela escolheu para dar ao texto. Provavelmente, a autora não tem consciência da sua escolha, mas ela é coerente com o resto do texto e cria os efeitos de sentido por ela pretendidos.

O personagem de Julia Roberts no filme “A Noiva em Fuga”, chega no confessionário e diz:

(1.85) Father, I have sinned. Padre, eu pequei.

Embora “eu pequei” seja o que um falante do português falaria, o sentido desse pretérito perfeito é:

Padre, sou pecadora.

E, assim, justifica o fato de estar dentro de um confessionário. Nesse caso, o resultado dos pecados passados é o estado presente: ser pecador.

Esses pecados passados ficam claros em um trecho do filme “O Crime do Padre Amaro30”, ilustrando os usos dos pretéritos Pretérito Indefinido e Pretérito Perfecto do espanhol. Apresentamos a cena em que o padre se confessa para o padre Amaro:

(1.86) Confieso que he pecado. He mentido. He pecado de soberbia. Abusé de la confianza de gentes que me abrieron su casa. Como Herodes, corté cabezas de inocentes. Ofendí a Dios. He pecado de lujuria. Forniqué con una virgen que era una niña.

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Título original; El Crimen del Padre Amaro. Prod. França, Espanha, Argentina e México, 2002. Baseado no romance de Eça de Queiróz que tem o mesmo nome.

Confesso que pequei, Menti. Cometi o pecado da soberba. Abusei da confiança de pessoas que me abriram suas casas. Como Herodes, cortei cabeças de inocentes. Ofendi a Deus. Cometi o pecado da luxúria. Forniquei com uma virgem que ainda era uma criança.

O desafio de explicar por que o padre alterna os usos de um tempo e de outro no mesmo momento da enunciação se resolve se percebemos que as ações ditas em Pretérito Indefinido funcionam como a lista de pecados confessos (e acabados) no passado, já as ações narradas em Pretérito Perfecto referem-se ao estado presente, resultado dos pecados passados, assim como se referem à totalidade dos pecados cometidos ao longo desse período da sua vida de sacerdote. Dessa forma, teríamos o verbo “pecar”, porque todas as ações foram pecados, e o verbo “mentir”, porque, afinal, o padre vivia uma mentira. Temos, então, como foco a confissão, que é o momento em que as ações passadas levam a um estado presente que justificam a própria confissão, embora tenha usado uma forma verbal de pretérito para tal.

Como no exemplo do inglês, o que o falante quer dizer é:

(1.87) Sou pecador. Sou um mentiroso.

Embora tenha usado uma forma verbal de pretérito para tal, a fim de dar o efeito de sentido pretendido pelo narrador, um estado-resultante, ou como diz Ilari (1997), que veremos a seguir, um passado com efeito de totalização.

Ainda seria passível de argumentação o motivo de não se ter traduzido o Pretérito Perfecto pela perífrase [Ter+Particípio] no português. Para tanto já contraargumentamos: o que é contado no Pretérito Perfecto, o narrador vê como um estado-resultante no presente, ele é um pecador/ele é um mentiroso. Isso tem um efeito de sentido na própria história, ou seja, o padre é o maior dos pecadores e o maior dos mentirosos. O que ele narra no Pretérito Perfecto é o resultado do que ele narra no Indefinido.

O que se depreende desta análise é que, embora exista um peso forte da pragmática que interage com a semântica, justificando as escolhas, a construção de sentido nesses tempos nasce da relação da estrutura sintática com o valor semântico gerado pelas próprias possibilidades que os tempos aqui oferecem. Assim, a lista de pecados estaria em tempo simples porque se trata, como dizem as gramáticas, de ação acabada, foi reiterativa ou durativa no passado, no momento da enunciação ela é vista como acabada. Já as ações que relacionam o passado com o presente, os pecados cometidos no passado apresentam um estado-resultativo: o estado de pecador de mentiroso o falante. Estes eventos são narrados no tempo composto, e apresentam o efeito totalizador como descreve Ilari (1998).