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O Poder Judiciário nasce da separação dos poderes. Na verdade, apesar do termo separação de poderes, o poder do Estado é uno e indivisível, o que ocorre é uma separação das “funções estatais básicas, que são atribuídas a órgãos independentes e especializados”77. Dessa forma o PJ fica com a “atividade jurisdicional do Estado, de distribuição da justiça e aplicação da lei ao caso concreto, em situações de litígio, envolvendo conflitos de interesses qualificados pela pretensão resistida”; ao Poder Legislativo cabe a “elaboração de leis, de normas gerais e abstratas, impostas coativamente a todos”. E ao Executivo fica responsável por administrar o Estado, “de acordo com as leis elaboradas pelo Poder Legislativo”78.

O objetivo da separação de poderes é evitar a concentração de poder nas mãos de uma pessoa ou grupo de pessoas. Essa situação abusiva era uma característica do Estado Absolutista. Em meados do século XVIII já se pensava em monarquia constitucional, de influência iluminista que prefere o direito sobre a moral, o racional sobre a crença metafísica. Existia preocupação em delimitar o corpo político de atuação governamental. A idéia era manter a nobreza no poder, mas restringir seus poderes através da Constituição, que iria demarcar as

77 PINHO, Rodrigo César Rebello. Da organização do Estado, dos poderes e histórico das

constituições. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. Volume 18. Coleção sinopses jurídicas, p. 50.

responsabilidades, os deveres e os poderes do rei, bem como reconhecer os direitos individuais. A separação de poderes revela um novo Estado: o Estado de Direito, que tem a grande referência organizacional na Constituição.

A liberdade política de um cidadão é a tranqüilidade de espírito que provêm da confiança que possui cada um em sua segurança. Quando o poder legislativo e o poder executivo se reúnem na mesma pessoa ou no mesmo corpo, não há liberdade; falta a confiança porque se pode temer que o monarca ou o senado façam leis tirânicas, e as executem eles mesmos. Não há liberdade se o poder de julgar não está bem separado do poder legislativo e do poder executivo, pois se não está separado do poder legislativo poder-se-ia dispor arbitrariamente da liberdade e da vida dos cidadãos; por outro lado, se não está separado do poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.

Montesquieu dá um contorno muito claro de lei no Estado Moderno: “o poder deve limitar o poder, para evitar o abuso de poder”79. No Livro O Espírito das Leis o filósofo defende que cada Estado deve ter três classes de poderes: o poder

legislativo, o poder executivo das coisas relativas ao direito das gentes e o poder executivo das coisas que dependem do direito civil. Pelo poder executivo das coisas

relativas ao direito das gentes, o Estado faz a paz ou a guerra, estabelece a seguridade pública e evita invasões. Pelo poder executivo das coisas que dependem do direito civil, castiga os delitos e julga as diferenças entre particulares.

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A separação não deve ser rígida nem absoluta, pois existe um sistema de interferências recíprocas; cada poder exerce funções específicas e controla o exercício funcional dos outros dois podendo até, em casos especiais, assumir alguma função alheia. Este mecanismo é comumente chamado de sistema de freios

e constrapesos. A relação que os três poderes têm entre si é independente e

harmônica. A independência é prevista pelo princípio da legalidade e está nos artigos constitucionais que tratam das competências de cada poder.

Os poderes têm independência para o exercício das atividades próprias e sua organização interna, desde que justificadamente. Existem matérias que não podem ser discutidas por outro poder, em razão de conveniência e oportunidade, pois são assuntos internos. A função do PJ no presidencialismo é de fiscalização e moralização, e apenas em situações especiais pode intervir nas atividades do governo. Infelizmente, no Brasil ainda não se conseguiu estabelecer uma harmonia real e ética entre os poderes, nem uma divisão clara de responsabilidades. Algumas situações previstas na Constituição de 1988, que deveriam ser casos especiais acabaram virando rotina:

O Poder Executivo edita medidas provisórias com força de lei (CF, art. 62) e participa do processo legislativo, tendo matérias de iniciativa legislativa privativa (CF, art.64, § 1º) e amplo poder de veto (CF, arts. 66, §1º, e 84, V). Todavia, esse veto não é absoluto, pois pode ser derrubado pelo Poder Legislativo (CF, art. 66, § 4º). Os tribunais, por sua vez, podem declarar a inconstitucionalidade de leis elaboradas pelo Poder Legislativo e de atos administrativos editados pelo Poder Executivo (CF, arts. 97, 102, I, a e 125, § 2º). Já o chefe do Poder Executivo escolhe e nomeia os Ministros dos Tribunais Superiores, após prévia aprovação pelo Senado Federal (CF, arts. 52, III, e 84, XIV). E se o Presidente da República e outras altas autoridades federais cometerem crime de responsabilidade, o processo de impeachment será julgado pelo Senado Federal sob a Presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal (CF, arts. 51, I, 52, I, II e parágrafo único, 86)80.

80 PINHO, Rodrigo César Rebello. Da organização do Estado, dos poderes e histórico das

É possível perceber facilmente que Poder Executivo e Poder Legislativo se sobrepõe e se confundem em diversas situações, e que o Poder Judiciário ocupa uma situação mais passiva em relação aos demais. Este problema pode ser justificado, segundo alguns pontos de vista:

Como se tem observado, a separação dos poderes foi concebida num momento histórico em que se pretendia limitar o poder do Estado e reduzir ao mínimo sua atuação. Mas a evolução da sociedade criou exigências novas, que atingiram profundamente o Estado. Este passou a ser cada vez mais solicitado a agir, ampliando sua esfera de ação e intensificando sua participação nas áreas tradicionais. Tudo isso impôs a necessidade de uma legislação muito mais numerosa e mais técnica, incompatível com os modelos da separação de poderes. O legislativo não tem condições para fixar regras gerais sem ter conhecimento do que já foi ou está sendo feito pelo executivo e sem saber de que meios este dispõe para atuar. O executivo, por seu lado, não pode ficar à mercê de um lento processo de elaboração legislativa, nem sempre adequadamente concluído, para só então responder às exigências sociais, muitas vezes graves e urgentes81.

Certamente o problema da sobreposição dos poderes não se verifica só no Brasil. Acreditamos, porém, que o problema maior seja a falta de organização interna e de postura ética demonstradas pelos Poderes Executivo e Legislativo brasileiros nos últimos anos. No meio deste conflito, o Poder Judiciário fica impossibilitado de agir, porque também depende da legislação. Em virtude disso, se vê muitas vezes envolvido em protestos da população, que não compreende muito bem como funciona o sistema. Lembramos aqui, mais uma vez, o quanto é importante uma população possuir uma postura mais esclarecida e atuante politicamente, já que o voto tem um poder maior do que o imaginado, principalmente perante o Legislativo e o Executivo.

81 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 221-222.