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6. Análise Estrutural de uma Representação

6.2. A teoria do núcleo central

6.2.3. Os elementos periféricos

Sendo o núcleo central a base da representação e que permite que esta seja estável, determinado social e historicamente, constituindo deste modo a base colectiva e social da representação, definindo a homogeneidade do grupo, existem outros elementos que, dependentes das características e contextos individuais, permitem que a representação seja flexível e dinâmica, permitindo inclusivamente, a sua transformação.

Esses elementos são os elementos periféricos, que não deixam de ter também um papel importante: “le système périphérique constitue le complément indispensable du système central dont il dépend. Car si le système central est essentiellement normatif, le système périphérique lui, est fonctionnel” (Abric, 1994b:79). Segundo o mesmo autor, estes elementos encontram-se hierarquizados, isto é, podem estar mais ou menos afastados do

núcleo central (1994a:25). Os que se encontram mais perto do núcleo têm um papel maior na significação da representação.

Para Abric (1996), o sistema de elementos periféricos tem um papel fundamental na dinâmica no funcionamento da representação, havendo uma dependência estreita entre estes e o núcleo central. O sistema de elementos periféricos constitui, segundo Abric, o essencial do conteúdo da representação, a sua parte mais acessível, mas também a mais viva e a mais concreta, pois o sistema de elementos periféricos “comprennent des informations retenues, sélectionnées et interprétées, des jugements formulés à propôs de l’objet et de son environnement, des stérétypes et des croyances” (1994a:25).

Para Seca (2005:75), estes elementos são chamados “periféricos”, “parce qu’ils sont rapportés à l’emprise du noyau central et sont déterminés par lui dans leur sens, leur degré de centralité, leur valeur et leurs fonctions”.

Para este autor também poderiam ser chamados esquemas de concretização ou de

ilustração da representação porque, contrariamente aos elementos do sistema central, eles

parecem, devido à sua diversidade e flexibilidade, presentes na maioria dos discursos (Seca, ibid.:75).

Os elementos periféricos dizem respeito às adaptações individuais das representações, em função da história de vida de cada membro desse mesmo grupo.

Assim, o núcleo central actua como elemento unificador e estabilizador das representações sociais construídas por um determinado grupo, enquanto os elementos periféricos constituem-se em verdadeiros sistemas que actuam no sentido de permitir uma certa flexibilidade às mesmas, de modo que, diante de elementos novos, estes últimos é que são accionados para realizar as devidas "adaptações", evitando, assim, que o significado central das representações, para aquele grupo, seja colocado em questão.

São, por conseguinte, os elementos do sistema periférico que permitem a existência da heterogeneidade de um grupo, sem que por isso deixe de ser grupo.

Deste modo a homogeneidade de um grupo surge ligada ao núcleo central e a heterogeneidade ao sistema periférico, uma vez que é este que é dependente das características dos indivíduos e do seu contexto social.

Ao possibilitar a integração de diferentes informações e práticas, proporciona o desenvolvimento de variações individuais e interindividuais da mesma representação (Molinari e Emiliani, 1996:43).

Para Seca, “ces cognitions favorisent essentiellement l’expression et l’intégration individuelle et permettent à l’hétérogénéité d’un groupe d’être viable” (2005:76). Seca afirma que os elementos do sistema periférico constituem “la partie quantitativement la plus notable des énoncés discursifs et des symboles par et dans lesquels peuvent se développer les représentations” (2005:76).

Os elementos periféricos são flexíveis e diversos, o que permite uma apropriação mais individualizada da representação, podendo ser os prescritores de comportamentos. São conceitos, percepções e valores que o sujeito até admite rever, negociar. Podem ser vistos como uma forma de protecção do núcleo central, absorvendo e reinterpretando as mudanças nas situações concretas, consentindo as trocas com outros grupos.

Funcionam como um crivo de uma situação. “(…) les schèmes périphériques assurent le fonctionnement quasi instantané de la représentation comme grille de décryptage d’une situaction: ils indiquent, de façon parfois três spécifique, ce qui est normal (et par contraste, ce qui ne l’est pas), et donc, ce qu’il faut faire comprendre, mémoriser (…). Ces schémes normaux permette à la représentation de fonctioner économiquement, sans qu’il soit besoin, à chaque instant, d’analyser la situation par rapport au principe organisateur qu’est le noyau central” (Flament, 1989:229).

Vários estudos têm demonstrado que os indivíduos podem ter práticas que não estão de acordo com as representações. Para Flament, este desacordo inscreve-se no sistema periférico, que se modifica, protegendo, temporariamente, o núcleo central. “Des désaccords entre réalité et représentation modifient d’abord les schèmes périphériques, puis

éventuellement le noyau central, c’est-à-dire la représentation elle-même” (Flament, 1989:238).

O sistema periférico é constituído por certas cognições dependentes do núcleo, estando em relação directa com este, isto é, que a sua presença, a sua ponderação, o seu valor e a sua função são determinadas pelo núcleo (Abric, 1994a:25), mas dotadas de uma flexibilidade adaptativa que permite as tomadas de posição individuais.

O sistema de elementos periféricos constitui deste modo o conjunto de elementos que permitem “a interface entre a representação e a realidade” (Abric, 1996: 79).

Tal como já foi referido, que o processo de formação de uma representação não fica concluído se não ocorrerem a objectivação e a ancoragem, que desenvolvem entre si uma relação dialéctica, também o núcleo central e o sistema periférico são complementares e interdependentes.

Sendo a objectivação o processo que permite ao indivíduo transformar os objectos em esquemas figurativos, transformar o concreto e o abstracto em algo que pertence intrinsecamente ao indivíduo, poder-se-á estabelecer um paralelo com o conceito de núcleo central. Por outro lado, se a ancoragem permite tornar o não familiar em familiar e que o desconhecido possa ser integrado nas redes de categorias familiares, poder-se-á estabelecer um paralelismo com os elementos periféricos.

Segundo Molinari e Emiliani (1996: 44), o que estruturalmente aproxima os elementos periféricos e a ancoragem é o facto de ambos permitirem:

a) “a integração do conhecimento, em termos de classificação e denominação dentro de categorias já bem conhecidas;

b) a alocação a todos os elementos da representação, quer centrais quer periféricos; c) a instrumentalidade do conhecimento uma vez que a organização das representações reflecte as especificidades das dinâmicas sociais”.

6.2.4. Funções

Segundo Abric (1994b:79), enquanto o sistema central é essencialmente normativo, o sistema periférico é funcional. Este constitui a parte visível do núcleo central, a que é mais permeável às influências exteriores, permitindo a apropriação serena das informações sobre o objecto pelo núcleo central.

Os elementos periféricos permitem que a representação seja formulada em termos concretos, ancorados na realidade imediata. Eles constituem a parte mais acessível, mais concreta da representação, contendo informações retidas, seleccionadas e interpretadas acerca de um objecto.

Segundo Abric (1994a:25), estes elementos encontram-se hierarquizados em relação ao núcleo. Os mais próximos do núcleo têm um papel importante na concretização da significação da representação. Os mais afastados explicitam ou justificam esta significação.

Permitem ainda a adaptação da representação às mudanças no contexto, integrando elementos novos, isto é, o funcionamento da representação como guia imediato de leitura de uma dada situação. Assim assumem três funções essenciais.

Segundo Abric (1994a:25), a primeira função é a concretização. É aquela que apresenta o sistema periférico directamente dependente do contexto imediato, como resultado da ancoragem da representação na realidade e que permite a sua apresentação em termos concretos, imediatamente compreensíveis e transmissíveis. Constitui a interface entre a realidade concreta e o sistema central (Seca, 2005:76).

Tem a função de protecção do núcleo central (Abric, 1998). Esta função permite a utilização da representação social no quotidiano, na comunicação e nas trocas entre indivíduos ou grupos diferentes (Seca, 2005:75). Permite ainda uma apropriação personalizada da realidade. A segunda função, devido à sua flexibilidade, é a de regulação e adaptação do sistema central às situações concretas. Este sistema é mais poroso (ibid.:75) do que o núcleo central, permitindo que uma nova informação possa ser integrada na periferia da

representação. É o sistema periférico que primeiro absorve as informações ou acontecimentos susceptíveis de pôr em causa o núcleo central, assumindo uma função prescritiva, pois é ele que indica os comportamentos ou o discurso a ter face a determinadas situações (Rouquette e Rateau, 1998).

Os elementos novos susceptíveis de colocar em causa os fundamentos de uma representação podem ser integrados através do sistema periférico, seja dando-lhes um estatuto inferior, seja reinterpretando no sentido da significação central, seja através da atribuição de um carácter de excepção, de condicionalidade (Abric1994a:26).

É a de personalização das representações e das condutas, uma vez que consentem uma certa flexibilidade nas representações tendo em conta a apropriação individual do contexto em que elas se elaboram. Permite uma certa modelação individual da representação.

Permite, assim, a elaboração de representações sociais individuais organizadas à volta do núcleo central comum (Abric, 1994b:80).

Esta dimensão junta-se à dimensão reguladora, definida por Abric, na qual são os elementos periféricos que permitem a adaptação da representação à evolução dos contextos.

Parece ser então através desta função que é feita a adaptação da representação social à evolução do contexto social, da actualidade, sem sofrer alterações fundamentais.

A terceira função do sistema periférico é a de defesa ou protecção, considerado por Seca como um verdadeiro pára-choques das representações, capaz de absorver “l’indicible, l’injustifiable, le nouveau sans dommages pour le coeur du système sociocognitif” (2005:75).

Deste modo o núcleo central encontra-se protegido, pelo que a mudança ou transformação da representação ocorre no sistema periférico.

Segundo Abric “the transformation of a social representation will only be effective when its central core itself will be transformed” (1996:79).

Características do sistema central e do sistema periférico de uma representação social (Abric, 1994:80)

Sistema central Sistema periférico

Ligado à memória colectiva e à história do Grupo Permite a integração das experiências e histórias individuais

Consensual – define a homogeneidade do Grupo Suporta a heterogeneidade do Grupo

Estável, coerente e rígido Flexível – suporta as contradições

Resistente à mudança Evolutivo

Pouco sensível ao contexto imediato Sensível ao contexto imediato

Funções:

- Gera o significado da representação - Determina a sua organização

Funções:

- Permite a adaptação à realidade concreta - Permite a diferenciação do conteúdo - Protege o sistema central

Para se compreender a dinâmica das representações é necessário ter em conta a sua organização interna dando visibilidade à interacção entre o núcleo central e os elementos periféricos.

Flament (1989:85) afirma que o funcionamento do núcleo central só se compreende numa dialéctica contínua com o sistema periférico. Segundo Flament (1989:227), durante muito tempo a teoria do núcleo central de uma representação não passava de uma hipótese.

Foi Moliner (1988, citado por Flament 1994a) que demonstrou experimentalmente que os elementos de uma estrutura cognitiva são afectados por uma graduação quantitativa de centralidade ou de importância.

Abric acrescenta a noção de centralidade qualitativa e estrutural, o núcleo central.

Abric (1994b:74) refere que a centralidade de um elemento não pode ser exclusivamente pela sua dimensão quantitativa. Não é pelo facto de um elemento ser quantitativamente importante na representação que ele é central.

O que importa é a sua dimensão qualitativa, isto é, o facto de este elemento dar sentido ao conjunto da representação, estar em relação directa com a significação da representação.

Assim, segundo o autor, é possível dois elementos serem quantitativamente equivalentes e um pertencer ao núcleo central e outro não.

Também Flament (1989:227) refere que os estudos empíricos mostram que se podem observar elementos de centralidade quantitativamente iguais, mas que diferem qualitativamente, fazendo uns parte do núcleo central e outros não.

Flament considera os elementos periféricos como esquemas periféricos, organizados pelo núcleo central, que asseguram de forma instantânea o funcionamento da representação, funcionando como uma grelha de interpretação de uma situação (1989:209).

Segundo Abric (1994a:27), Flament atribui a importância destes esquemas (elementos periféricos) no funcionamento da representação, pelas suas três funções: prescritores de comportamentos; modeladores personalizados e protectores do núcleo central.

Como prescritores de comportamentos os esquemas periféricos indicam ao indivíduo numa dada situação o que é normal fazer ou dizer e guiar a acção ou as reacções dos indivíduos de maneira instantânea, sem necessidade de recorrer às significações centrais.

Como modeladores personalizados das representações, uma vez que permitem que uma única representação (organizada à volta do mesmo núcleo central) possa originar aparentes diferenças, ligadas à apropriação individual ou a contextos específicos e que se traduzem por comportamentos relativamente diferentes, mas compatíveis com um mesmo núcleo central.

Como protectores, pois protegem, em caso de necessidade, o núcleo central, suportando as contradições entre as novas situações e o núcleo central, como já foi referido (Abric, 1994a:27).