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1 ASPECTOS DA REPRESENTAÇÃO CULTURAL DO RIO CACHOEIRA

1.3 A CHARGE DOS MONSTRINHOS DO RIO CACHOEIRA

1.3.1 Os monstrinhos

FIGURA 7- CHARGE PUBLICADA NO LIVRO OS MONSTRINHOS DO RIO CACHOEIRA

FONTE: Poerner, Rockenbach, Modro (2011, p. 61).

Os Monstrinhos do Rio Cachoeira é uma criação do quadrinista Geraldo Poerner e do publicitário Luciano Rockenbach. Segundo Nielson Ribeiro Modro16, os personagens chegaram ao caderno cultural Anexo do jornal A Notícia, distribuído em Joinville e região, na página Subterrâneos, escrita pela Gang Editores. O caderno cultural foi lançado em setembro de 1987, mesmo ano da estreia de Os monstrinhos do rio Cachoeira.

Ao todo foram cerca de mais de 50 histórias dos Monstrinhos que se fizeram presentes nas páginas da Subterrâneos enquanto a mesma foi publicada.

Posteriormente, com o fim da página, os personagens migraram para as tirinhas diárias, sendo que foram publicadas nos anos seguintes mais de 200 tiras. (POERNER, ROCKENBACH, MODRO, 2011, p. 21).

O rio é o habitat dos personagens, que trazem reflexões críticas sobre vários aspectos sociais dos joinvilenses, entre eles, o descaso da maioria (se fosse diferente, o problema estaria solucionado), com a situação do rio Cachoeira, que se tornou um verdadeiro depósito de dejetos. Os personagens são criaturas fictícias, sendo um sapo, um jacaré (existem alguns vivendo no rio Cachoeira), um Gremlin (personagem de filme homônimo que fez sucesso quando foi lançado, em 1994) e um coelho chamado A.P.A. (Agente Poluidor Alemão), o único personagem com nome.

Segundo o autor, essas charges joinvilenses tiveram inspiração na cena cultural underground oitentista e em publicações como Piratas do Tietê, Geraldão e

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16 Professor de Direito na Universidade da Região de Joinville (Univille)

Circo, dos autores Angeli, Laerte e Glauco (POERNER, ROCKENBACH, MODRO, 2011).

Os Monstrinhos foram regularmente publicados entre o período de 1988 a 1994. Num primeiro momento focando principalmente em questões mais locais e num segundo momento dando uma dimensão mais universalizada, principalmente no que dizia respeito ao meio ambiente e sua preservação.

Porém sempre mantendo o caráter de levar a uma reflexão crítica quanto ao ambiente, numa significação mais profunda, ao redor. (POERNER, ROCKENBACH, MODRO, 2011, p. 21).

Já o livro, foi publicado em 2011, e fez parte do projeto universitário “A linguagem dos quadrinhos: literatura, arte e conhecimento”, do Departamento de Letras e da Pró-reitoria de Pesquisa da Univille. Nesse projeto, um dos objetivos era fomentar o uso das histórias em quadrinhos como ferramenta do processo ensino-aprendizagem na Educação Ambiental. Além da proposta pedagógica, o resgate das charges que fizeram parte do jornal por duas décadas teve como objetivo promover a reflexão sobre a preservação do rio e do meio ambiente. Quanto à classificação, a charge é um gênero jornalístico opinativo, pois emite uma opinião por meio do humor e da crítica. O nome deriva do francês charger, que significa carregar e se distingue da caricatura pela característica técnica do desenho, que no caso da caricatura, lembra personagens reais, sendo muito utilizada na crítica política e social.

A charge é classificada por Melo como noticiosa mesmo se não tiver um texto, sendo assim definida: “Crítica humorística de um fato ou acontecimento específico.

Reprodução gráfica de uma notícia já conhecida do público, segundo a ótica do desenhista”. (MELO, 2003, p. 167).

FIGURA 8- CHARGE PUBLICADA NO LIVRO OS MONSTRINHOS DO RIO CACHOEIRA

FONTE: Poerner, Rockenbach, Modro (2011, p. 63).

Neste contexto, é preciso lembrar que, para Silverstone (2002), a mídia tem poder de potencializar, anular ou de fixar significados tanto em objetos quanto em sujeitos: Pode-se pensar na mídia, de acordo com o pensamento mcluhanista, como extensões do corpo, “... como próteses, que aumentam o poder e a influência, mas que talvez tanto nos incapacitam como nos capacitam, enquanto nós, objetos e sujeitos da mídia, nos enredamos mais e mais no profilaticamente social”.

(SILVERSTONE, 2002, p. 15-16). A partir desta reflexão, a intenção de apresentar as

FIGURA 9 – CHARGE PUBLICADA NO LIVRO OS MONSTRINHOS DO RIO CACHOEIRA

FONTE: Poerner, Rockenbach, Modro (2011, p. 61).

nuances históricas e culturais do rio no formato de charges neste ponto da dissertação, é a de demonstrar a importância do Cachoeira nos hábitos culturais da cidade, mesmo poluído e degradado. A charge acima, por exemplo, menciona o hábito de arremessar sacos de lixo nas margens do rio, hábito cultural que ainda é praticado por algumas pessoas. Ainda que seja ofertado o serviço regular de coleta de lixo, essa prática anti-ambiental ocorre tanto na região periférica quanto na região central da cidade. Câmeras de monitoramento flagram motoristas retirando sacos e móveis do veículo e depositando o material no rio para ser levado pela correnteza. Além disso, a poluição com rejeitos industriais continua contaminando o rio por meio de ligações clandestinas à rede de escoamento de água pluvial.

FIGURA 10- CHARGE PUBLICADA NO LIVRO OS MONSTRINHOS DO RIO CACHOEIRA

FONTE: Poerner, Rockenbach, Modro (2011, p. 65).

A problemática ambiental sempre está presente nas charges. Na figura 10, por exemplo, a atenção é direcionada para a questão do assoreamento do rio. Esse processo é impulsionado pela segregação da mata ciliar do Cachoeira e de seus afluentes. A urbanização nas áreas próximas aconteceu sem um controle em relação à ocupação do solo, fato iniciado desde a colonização em 1851. O desmatamento e aterramento dos manguezais contribuíram diretamente para dificultar a recuperação das áreas centrais da cidade, onde se instalaram as primeiras indústrias nos ramos da tecelagem, fundição e produção metal mecânica.

FIGURA 11- CHARGE PUBLICADA NO LIVRO OS MONSTRINHOS DO RIO CACHOEIRA

FONTE: Poerner, Rockenbach, Modro (2011, p. 55)

Na Figura 11, os personagens apontam o adversário do meio ambiente, que gera a poluição do rio, salientando uma possível interpretação de que o modelo de progresso prevalente na sociedade capitalista contribui na degradação do meio ambiente (MEDEIROS, 2017).

FIGURA 12- CHARGE PUBLICADA NO LIVRO OS MONSTRINHOS DO RIO CACHOEIRA

FONTE: Poerner, Rockenbach, Modro, (2011, p. 52).

A charge acima (Figura 12) faz menção aos diversos veículos de comunicação que clamam por medidas para solucionar o problema. Assim, ao mesmo tempo em que o estigma de rio sujo é perpetuado, há um apelo ao engajamento popular.

Conforme Silverstone (2002), a mídia filtra e molda realidades cotidianas, “... por meio de suas representações singulares e múltiplas, fornecendo critérios, referências para a condução da vida diária, para a produção e a manutenção do senso comum.”

(SILVERSTONE, 2002, p. 20-21). E para o autor, a mídia depende do senso comum:

ela o reproduz e recorre a ele, mas também o explora e o distorce.

FIGURA 13- CHARGE PUBLICADA NO LIVRO OS MONSTRINHOS DO RIO CACHOEIRA

FONTE: Poerner, Rockenbach, Modro (2011, p. 50).

A abordagem a problemas ambientais globalmente reconhecidos é demonstrada na tirinha acima (Figura 13) e na abaixo (Figura 14), ao ressaltarem os problemas causados pelo modelo econômico capitalista e as decorrências ambientais desse sistema, como também é apontado na Figura 11, que aborda a poluição decorrente do industrialismo (MEDEIROS, 2017). e as mudanças climáticas provocadas pela emissão de gases de efeito estufa na figura 14, abaixo.

FIGURA 14- CHARGE DO LIVRO OS MONSTRINHOS DO RIO CACHOEIRA

FONTE: Poerner, Rockenbach, Modro (2011, p. 46).

FIGURA 15- CHARGE DO LIVRO OS MONSTRINHOS DO RIO CACHOEIRA

FONTE: Poerner, Rockenbach, Modro (2011, p. 29).

FIGURA 16 – CHARGE PUBLICADA NO LIVRO OS MONSTRINHOS DO RIO CACHOEIRA

FONTE: Poerner, Rockenbach, Modro (2011, p. 29).

A figura 16 faz, mais uma vez, a crítica ao processo industrial acentuado em Joinville a partir da década de 1920, com a instalação das grandes fábricas. É possível estabelecer uma relação com o fato da primeira legislação ambiental criada pelos colonizadores, ainda na década de 1850, e que foi deixada de lado pelos sucessores em nome do progresso. Em pleno século XXI, casos de lançamento de efluentes químicos são registrados na maior cidade do estado de Santa Catarina, conforme

atesta a dissertação de Ruy Pedro Schneider “Poluição do Rio Cachoeira de Joinville (SC), no período de 1985 a 1995: uma proposta para a sua prevenção e correção”

(UFSC, 1999).

Percebe-se, nestes exemplos que, apesar da imagem e do texto relatarem histórias breves e com humor, um outro tom se sobressai: o de crítica quanto a aspectos da sociedade que parece aceitar o estado das coisas como são; a poluição como algo normal; a indiferença com o meio ambiente como algo protelável. Para Modro (2019), um dos responsáveis pela produção do livro analisado, não há como negar a significação do rio e sua importância para a história da cidade, com seu estereótipo de curso d’água poluído, reiterativamente usado nas charges como uma triste realidade, mas também como um alerta a ser usado na Educação Ambiental, pois trata-se de um problema universal:

Quanto ao estereótipo do rio poluído trata-se de uma infeliz realidade pois nos anos 60 do século passado era um rio navegável e servia ainda como local para a prática de lazer. Realidade que não se faz mais presente apesar das várias tentativas de despoluição. É um cartão postal da cidade, pois cruza o centro de Joinville, mas é ao mesmo tempo um esgoto a céu aberto. Os personagens surgiram desta constatação, já nos anos 80. Por mais de uma década foram publicados, tendo como principal mote uma crítica à poluição do Rio Cachoeira. Mas trata-se de um tema e preocupação universal.

Resgatar as tiras em livro foi mais que um registro histórico, é a busca de um meio a mais para a Educação Ambiental, o que de fato ocorre pois há várias instituições de ensino que têm adotado o livro como material didático junto a crianças e adolescentes. A água é essencial para a vida e um rio poluído é o início do fim de um ambiente saudável e habitável. (MODRO, por entrevista, 2019).

As charges também reforçam ícones da cultura local e suas influências por meio da mensagem transmitida nas imagens e nos textos que as acompanham, contribuindo ainda, para salientar as raízes da cultura colonialista. Como já visto, no percurso desta primeira etapa da pesquisa foi fundamental conhecer aspectos históricos de Joinville e região, visitando o Arquivo Histórico de Joinville para contextualizar a importância do rio Cachoeira desde a chegada dos colonizadores e compreender como se deu o processo de degradação desse rio. Assim, é possível afirmar, com relação à obra Os Monstrinhos do rio Cachoeira, que se trata de um conteúdo midiático que busca cumprir seus objetivos de enfrentamento a uma problemática socioambiental, uma vez que, pelas artes do jornalismo opinativo enquanto charge, criticou incansavelmente o descaso com a poluição de um rio histórico para a cidade.

Mais do que formadora de uma imagem que estereotipa o rio como local poluído, a obra e seus personagens auxiliam na identificação de possíveis agentes poluidores, além de levar aos leitores, e em especial aqueles que são alunos de escolas do ensino básico, o sentimento de indignação tão necessário para uma reação, premissa da solução.

O consumo das charges dos Monstrinhos é um ato social, no sentido apontado por Canclini (2010), pois mostra como pensamos a partir daquilo que consumimos.

Conforme observa Silverstone (2002), a mídia pode alterar de forma excepcional a interpretação das pessoas sobre as coisas: é investigando o patológico que definimos o sadio; o grande existe pela comparação ao pequeno; o exagerado precisa da referência do normal para se destacar.

Em relação aos quadrinhos apresentados, e brevemente interpretados, o destaque essencialmente negativo da imagem do rio Cachoeira em nosso cotidiano pode subverter esta lógica, criando uma imagem de normalidade para um rio que não era assim antes da chegada do industrialismo à cidade. Diante das diversas catástrofes ambientais verificadas no Brasil, devido a negligência dos órgãos competentes e das próprias instituições empreendedoras, a charge apresenta-se como uma importante ferramenta informativa/opinativa para o enfrentamento aos problemas ambientais e para apoio de um modelo de desenvolvimento que respeite a natureza a partir de uma lógica própria, deixando de lado uma racionalidade apenas econômica (LEFF, 2006). E é sobre este modelo quase utópico diante de uma crise ambiental instalada, sem precedentes históricos, que passamos a discorrer a seguir, tentando apontar, com base nas leituras realizadas, algumas formas de enfrentamento para a questão.

2 A QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL INSTALADA: FORMAS DE VISIBILIZAÇÃO E